Darwin e Deus https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas Mon, 15 Nov 2021 14:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 As dores e alegrias de um jovem com deficiência em forma de poesia https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/08/13/as-dores-e-alegrias-de-um-jovem-com-deficiencia-em-forma-de-poesia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/08/13/as-dores-e-alegrias-de-um-jovem-com-deficiencia-em-forma-de-poesia/#respond Tue, 13 Aug 2019 18:05:10 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/sarau-292x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5841 Tomo rapidamente a liberdade de entrar na seara do meu colega Jairo Marques, do blog Assim como você, para falar do trabalho do escritor Tiago Gomes Pinto, que vive em Boa Vista (RR). Ele me procurou por meio das redes sociais para divulgar seu livro “Sarau de Poesia E Outros Escritos”.

Tiago tem deficiência intelectual leve e esse já é seu segundo livro. São textos simples e muito sentidos, cujos temas incluem a busca pelo amor, a fé e a força de vontade de superar as barreiras impostas pela deficiência — em especial as impostas pelo preconceito e pela diferença.

Os interessados em conhecer e apoiar o trabalho do Tiago podem adquirir o livro neste link.

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O que distingue uma espécie inteligente de um animal? Compaixão https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/02/o-que-distingue-uma-especie-inteligente-de-um-animal-compaixao/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/02/o-que-distingue-uma-especie-inteligente-de-um-animal-compaixao/#respond Tue, 02 Oct 2018 16:33:59 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/1024px-Scott_Card-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5378 Ou, pelo menos, é o que creio que aprendi ao ler “Speaker for the Dead” (em português do Brasil ficou “Orador dos Mortos”), do escritor de ficção científica americano Orson Scott Card (em primeiro plano na foto acima). O sujeito lançou uma série de polêmicas nos últimos anos com declarações homofóbicas e uma oposição meio biruta ao governo Obama, mas “Speaker for the Dead” é um primor. É o que a ficção científica realmente deveria ser: força narrativa e profundidade filosófica mescladas num todo viciante. Mas o que me pegou pelos colarinhos foi a pseudoepígrafe do livro, um trecho de outro “livro ficcional dentro do livro” que é uma reflexão sobre o que significa ser humano, e ser uma criatura racional, num Universo tão vasto quanto o nosso:

“Já que ainda não estamos totalmente confortáveis com a ideia de que pessoas do vilarejo vizinho são tão humanas quanto nós mesmos, é presunçoso ao extremo supor que algum dia seríamos capazes de observar criaturas sociáveis e criadoras de ferramentas que surgiram de outras trajetórias evolutivas e ver não feras, mas irmãos, não rivais, mas companheiros de peregrinação rumo ao santuário da inteligência.

Contudo, é isso o que vejo, ou o que anseio por ver. A diferença entre ‘raman’ [criatura racional] e ‘varelse’ [animal não racional] não está na criatura julgada, mas na criatura que julga. Quando declaramos que uma espécie diferente é ‘raman’, não significa que eles atravessaram um limiar de maturidade moral. Significa que nós o atravessamos.”

Em dias como estes que vivemos, pensar nisso me conforta um pouco. Quem não mira no alto não acerta nem no meio.

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Tréplica do paleontólogo Max Langer a meu texto sobre a crise ambiental https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/08/30/treplica-do-paleontologo-max-langer-a-meu-texto-sobre-a-crise-ambiental/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/08/30/treplica-do-paleontologo-max-langer-a-meu-texto-sobre-a-crise-ambiental/#respond Thu, 30 Aug 2018 19:06:31 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/antropoceno-paia-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5332 É, eu sei que isso aqui está parecendo mais uma sequência daquele clássico da fantasia chamado “A História Sem Fim”, mas o assunto é importante, pelo que peço a indulgência do leitor. Publico abaixo a tréplica do paleontólogo Max Langer, da USP de Ribeirão Preto, à minha coluna deste domingo, a qual, por sua vez, fez críticas duras a um texto dele no caderno Ilustríssima. 

O Max tem uma visão controversa — alguns diriam blasé ou mesmo irresponsável — sobre a atual crise de perda de biodiversidade. Ele acha que não nos cabe bancar a polícia ambiental do planeta. Eu discordo.

Para entender o rolo:

Texto original de Max Langer: “Extinção de espécies por humanos é um processo natural, diz cientista”

A crítica dos meus pesquisadores: “Não fazer nada é o melhor que podemos fazer sobre o nosso futuro?

A minha crítica na coluna passada: “Homem não pode ignorar efeitos das transformações que causa no planeta”

Primeira tréplica do Max: Paleontólogo rebate críticas à sua visão sobre crise ambiental moderna

Sem mais delongas, vamos ao texto!

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Como não é demais enfatizar, o Reinaldo foi extremamente profissional ao auxiliar na publicação do meu texto na Ilustríssima, mesmo sabendo (e discordando) do seu conteúdo. Teve a postura aberta que, com base nos nossos anos de contato, eu esperava dele, possibilitando o debate. Cabe também ressaltar que, entre as pessoas que mais respeito científica e pessoalmente, estão algumas que discordam frontalmente do ponto de vista expresso no meu artigo, o que não me faz rejeitá-lo, ao contrário, me faz aperfeiçoá-lo por contrapô-lo com argumentos sinceros e qualificados. É exatamente isso que defendo, a possibilidade de diálogo, crendo nas melhores intenções dos interlocutores, na busca pelo conhecimento.

Dito isso, seguem meus comentários ao texto publicado hoje pelo Reinaldo:

Nos dois primeiros parágrafos do texto, o Reinaldo resume muito bem meu ponto de vista. Ou seja, ele não deturpa minha visão, o que é muito bom! Seria interessante ele detalhar os “problemas filosóficos que fariam Kant ter uma síncope” (mas como nem eu nem eles somos filósofos, creio que tem grande chance de a gente falar bobagens), quando ao raciocínio com “mais buracos factuais que um queijo suíço”, seguem minhas pontuações abaixo.

Sim, eu sei que “nunca uma espécie de vertebrado de grande porte chegou a ter bilhões de membros vivendo ao mesmo tempo … que domesticasse outros vertebrados … com populações igualmente na casa dos bilhões”. Mas, e daí? Até onde sabemos, nunca um mamífero foi tão grande quanto uma Baleia-Azul, um réptil (chamado Hyperodapedon) representava mais de 50% da biomassa de vertebrados terrestres na época da origem dos dinossauros, formigas pastoreiam pulgões. As espécies fazem coisas, em termos anatômicos e populacionais. Qual o problema disso? Até onde sabemos, havendo possibilidades, todas espécies irão aumentar sua população até onde puderem.

Sim, “nunca tinha existido uma espécie de animal capaz de alterar sozinha, de modo significativo e em escala de décadas, a química da atmosfera, dos oceanos e do solo”. Uma espécie animal não, mas microrganismos e plantas sim (vejam meu artigo original para detalhes). A gente pode colocar o limite onde quiser para facilitar a argumentação. Por que a ofensa é mais grave se você é um animal ou um vertebrado?

“se essas tendências continuarem, com o Homo sapiens bancando o fominha, vão sobrar recursos para um futuro florescimento da biodiversidade? Cê jura?” Juro! Como diria Dr. Ian Malcolm: “a vida encontra sempre uma maneira”. Claro que ninguém tem bola de cristal para dizer que sim ou não com certeza. Mas como estudioso da vida no planeta, passada e presente, tenho toda convicção possível que, independentemente da magnitude das alterações que o homem venha a causar na Terra, ele não aniquilará a vida do planeta. Quando de sua eventual extinção (no fundo, independentemente dela), a vida, sim, continuará a florescer em “Endless Forms Most Beautiful”.

“Com seu cientismo …, o paleontólogo dá combustível aos desinformados que acham que a ciência destrói as noções humanas naturais de certo e errado.” Você não precisa lançar mão do “cientismo” para se dar conta, filosoficamente, que as noções humanas de certo e errado não são naturais, dependem do momento, do contexto. Algumas são mais comuns entres as diferentes sociedades, até porque elas (as sociedades) precisam de certa ordem para se manter. Atitudes ambientalistas podem muito bem ser a melhor alternativa para a sociedade humana (para sua preservação, ou a de qualquer outra espécie ou ecossistema que se queira), não discordo disso, discordo delas (atitudes ambientalistas) serem consideradas como um valor em si, “certas”, inatacáveis, totalitárias, e não relativizadas pelo conhecimento acumulado sobre a vida e o homem.

“nós temos consciência da bagunça que causamos … Sabendo disso, é moralmente correto passarmos feito um trator por cima de todas as demais formas de vida da Terra?” Primeiro, não é bagunça! É uma espécie agindo naturalmente como qualquer outra. Na verdade, até acho que a natureza pode ser entendida como uma “bagunça”, mas estamos nela juntos com as outras espécies. Segundo, acho a consciência humana supervalorizada, além de mal definida (temos que saber minimamente do que estamos falando antes de usar o termo). Mesmo que ela exista em cada indivíduo (mas leiam “Cachorros de Palha” de John Gray ou vejam os vídeo de Claudia Feitosa-Santana no “Casa do Saber” para terem dúvidas disso), não existe de forma coletiva para uma espécie. “A espécie” não pode redirecionar suas atividades, pois essas são tão somente o somatório das atividades dos organismos que a compõe. Não existe “bunker de comando”. Por fim, ainda que fossemos conscientes (o que não acho que somos) e estivéssemos “bagunçando” (o que não acho que estamos), não existe imperativo moral algum em fazer as coisas de qualquer outra maneira. Em primeiro lugar, pois a moral é conjectural (portando nada é imperativo), mas também porque defender uma certa espécie (ou conjunto de) é agir contra outras espécies com as quais ela interage de forma negativa (e isso sempre ocorre). Não tem para onde correr, a “não ação” é “ação” e certas “ações” só são entendidas como benéficas pois nossa visão é limitada.

“A resposta de Langer talvez seja a de que o Cosmos é amoral por definição. Pode ser – embora isso seja um pressuposto filosófico que o sujeito escolhe, não um fato demonstrável.” Me pergunto qual a alternativa? O Cosmos teria moralidade? Qual seria essa?

“Mas seres humanos continuam sendo seres morais. Quando não se fazem esse tipo de pergunta, correm o risco de deixar sua humanidade para trás.” Que tipo de pergunta? Entender o cosmo como amoral iria contra nossa humanidade? Eu entendo nossa humanidade como una com o resto da natureza, com o resto do Cosmos, e como tal não tem nada a dizer fora do escopo dos mesmos.

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Paleontólogo rebate críticas à sua visão sobre crise ambiental moderna https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/08/27/paleontologo-rebate-criticas-a-sua-visao-sobre-crise-ambiental-moderna/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/08/27/paleontologo-rebate-criticas-a-sua-visao-sobre-crise-ambiental-moderna/#respond Mon, 27 Aug 2018 17:51:46 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/Akrotiri_dolphins-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5324 Como era de se esperar com um tema polêmico desses, a discussão está rendendo. Publiquei há alguns dias a crítica dos pesquisadores Alex Hubbe e Olívia Mendonça-Furtado a seu colega da USP, o paleontólogo Max Langer. O Max tem uma visão controversa — alguns diriam blasé ou mesmo irresponsável — sobre a atual crise de perda de biodiversidade. Ele acha que não nos cabe bancar a polícia ambiental do planeta. Agora, temos a primeira tréplica do Max a essas críticas. Eu também entrei no debate na minha coluna de domingo passado, e o Max também treplicou, em texto que publicarei aqui em breve.

Para entender o rolo:

Texto original de Max Langer: “Extinção de espécies por humanos é um processo natural, diz cientista”

A crítica dos meus pesquisadores: “Não fazer nada é o melhor que podemos fazer sobre o nosso futuro?

A minha crítica na coluna passada: “Homem não pode ignorar efeitos das transformações que causa no planeta”

Sem mais delongas, vamos à tréplica número 1 do Max.

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“Segue aqui tréplica aos comentários de Alex Hubbe e Olívia Mendonça-Furtado:

Primeiramente, ao contrário do que afirmam os colegas não falei em meu artigo na Ilustríssima que “apesar de sermos grandes responsáveis pela atual crise de biodiversidade, não devemos fazer nada para remediá-la”.

Sim, concordei que somos responsáveis pela extinção de muitas espécies. Não, não falei que existe “crise de biodiversidade” (falei que extinções são normais, portanto nada de “crise”; aumento, para certos grupos, sim), muito menos que “não devemos fazer nada para remediá-la”. Ao contrário dos conservacionistas que critico, não estou aqui ditando regras. Cada um faz o que bem entender, arcando com as consequências legais ou não. Se você quer impedir a extinção de espécie A ou B, proteger ecossistema X ou Y, tem todo direito de fazer isso. Somente não acho que exista um imperativo moral absoluto nisso, que seja algo que “tenha” de ser feito.

Seguem outros pontos comentados:

“Todas as espécies no planeta dependem de outras espécies.” Óbvio, não de todas, mas de algumas.
“Nós precisamos de animais, plantas e outras formas de vida para vivermos.” Sim, inclusive de soja, vaca, milho, galinha.
“A floresta amazônica, por exemplo, tem papel fundamental na manutenção do clima da América do Sul e de certa forma da Terra como um todo.” Muito provavelmente sim, não tenho dados para discordar, mas isso só indica que ela deve ser preservada por questões pragmáticas (de sobrevivência de uma ou mais espécies, a nossa inclusive) não como bem em si, esse último (preservação como valor em si) sendo o argumento que eu critico. O mesmo vale para os insetos como foi comentado na sequencia pelos autores.

“Um balanço delicado controla a teia de relações da natureza. Ao rompermos tão fina teia, nos jogamos com velocidade máxima em território sombrio, pouco conhecido.” Não sabemos o quão delicado, nem se há mesmo um “balanço”. Extinções, por definição, mudam as interações ecológicas. Óbvio, mas muitas espécies se extinguiram no passado recente (Mastodontes, Preguiças-Gigantes, entre outras) e tudo continua praticamente igual aos nosso olhos. Não rompemos nada, pois fazemos parte da teia. Quanto a ser “pouco conhecido”, concordo, o futuro é incerto…

“Uma questão é bastante clara e (novamente) não foi abordada por Langer: as mudanças que estamos promovendo no planeta implicarão em sofrimento e mortes de seres humanos.” Concordo, não abordei pois a temática não era essa. Sim, ao perceber que nossas ações podem levar ao sofrimento de nossos pares, podemos (talvez devamos, sob certas óticas) tentar mitiga-lo. Mas, de novo, essas são razões pragmáticas, não de cunho fundamental. Podemos estender esse argumento a qualquer outra espécie. Podemos optar por não causar sofrimento aos outros grandes macacos, aos demais primatas, mamíferos, vertebrados. Onde parar? Novamente, é uma escolha, cada um pode fazer a sua, não existe imperativo absoluto.

“A Terra e as espécies que nela permanecerem não farão luto por nossa partida.” Concordo, e por que nós DEVEMOS então estar em luto pelas demais? Veja bem, cada um pode, mas por que devemos?

“Somos a única espécie capaz de fazer algo contra seu próprio fim”. Essa é a retórica do homem como diferente dos demais organismos, pura arrogância nossa. Não, não acho que possamos fazer nada, pois o que quer que façamos não faz diferença no cômputo geral das coisas.

“Cianobactérias e florestas do passado causaram grandes extinções. Estas extinções também baniram do planeta várias espécies de cianobactérias e plantas daquelas florestas. Será que se elas soubessem que suas ações as levariam à morte, elas não tentariam fazer nada para reverter o processo?” Primeiramente, quais cianobactérias e quais plantas? Dois grupos bastante diversos, no mínimo equivalentes a Vertebrata. É falacioso comparar humanos (uma espécie vivente) com plantas e cianobactérias (milhares de espécies viventes).

“Críticas evidentemente são sempre bem vindas. Elas são essenciais no processo de construção do nosso conhecimento. No entanto, as críticas devem ser pertinentes e colocadas de forma que não abranja só uma parte da história e/ou argumentos falaciosos.” Isso é uma ofensa direta e não argumentada.

“A lógica utilizada por Langer pode ter desdobramentos mais complexos. Nas entrelinhas toda ação humana seria justificável por ser parte da natureza. Se tudo é natural, não deveríamos seguir quaisquer convenções sociais.” Essas dependem da hora e do local. Hoje comer carne de vaca é aceito socialmente, é possível que no futuro não seja. Normalmente seguimos as convenções atuais de onde vivemos, o que não as torna valores absolutos.

“Na selva, o chimpanzé mais forte manda nos demais e os mais fracos só comem após o déspota ter se fartado.” Como na maioria das sociedades humanas, por sinal. Pessoalmente, acho isso desprezível, mas não há como julgar a natureza que nos perfaz.

“Sabemos que a vida de todo indivíduo chega ao fim. É razoável frente a esse fato abdicar do tratamento de doentes, por exemplo?” Muitas sociedades tradicionais o fazem. Não estou concordando ou não, somente dizendo que isso é/foi socialmente aceito.

“Não, não acreditamos que é esse tipo de lei que queremos seguir. As sociedades lutaram e lutam muito para que essas atitudes sejam consideradas crime.” Não estou pregando atitudes ilegais. Quem comete crime ambiental deve pagar por isso. Mas porque está cometendo um crime (ação que a sociedade, através de seus governantes, julgou inadequada), não um mal em si.

“Se existe criatividade e engenhosidade suficientes na humanidade para vivermos de forma mais harmônica com as outras formas de vida e entre nós mesmos, por que não fazê-lo?” A minha opinião é que estamos vivendo em harmonia com a natureza. Na verdade essa frase não tem sentido, pois não temos opção. Como parte da natureza, estamos condenados a viver em harmonia com ela.”

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Não fazer nada é o melhor que podemos fazer sobre o nosso futuro? https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/08/24/nao-fazer-nada-e-o-melhor-que-podemos-fazer-sobre-o-nosso-futuro/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/08/24/nao-fazer-nada-e-o-melhor-que-podemos-fazer-sobre-o-nosso-futuro/#respond Fri, 24 Aug 2018 17:51:05 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/trilobitas-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5311 Um texto assinado pelo paleontólogo Max Langer, da USP de Ribeirão Preto, e publicado nesta Folha, deu o que falar. Langer basicamente relativiza a importância da atual crise global de extinções de espécies. Esse será o tema da minha coluna de domingo no jornal impresso e digital, mas gostaria de compartilhar abaixo com vocês um texto de dois outros pesquisadores da USP, Alex Hubbe e Olívia Mendonça-Furtado, que também faz interessantes e importantes críticas às ideias de Langer. Confiram o que a dupla escreveu.

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Não fazer nada é o melhor que podemos fazer sobre o nosso futuro? Reflexões sobre o texto do paleontólogo Max Langer

Max Langer, em texto publicado na Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 28 de julho, propõe que, apesar de sermos grandes responsáveis pela atual crise de biodiversidade, não devemos fazer nada para remediá-la. A lógica por trás da ideia é simples: a vida na Terra muda muito ao longo do tempo e não cabe a uma espécie ordinária (mas prepotente) como a nossa, frear essa trajetória natural. Nós discordamos veementemente desse ponto de vista.

Como bem salientado por Langer, não somos nem melhores, nem piores que as outras espécies — somos parte integral da natureza. Dado que fazemos parte da natureza, é importante entendermos um aspecto fundamental de seu funcionamento que não foi abordado por Langer. Todas as espécies no planeta dependem de outras espécies. Nós precisamos de animais, plantas e outras formas de vida para vivermos. A floresta amazônica, por exemplo, tem papel fundamental na manutenção do clima da América do Sul e de certa forma da Terra como um todo. Ela provê boa parte das águas das chuvas que mantém funcional a área que concentra o maior PIB e densidade populacional da América do Sul. Mais um exemplo, os insetos, que nas grandes cidades associamos geralmente a mazelas como a Zika e a dengue, são importantes para que as plantas frutifiquem. O trabalho gratuito que eles realizam para nós é degustável em praticamente todas as nossas refeições.

Um balanço delicado controla a teia de relações da natureza. Ao rompermos tão fina teia, nos jogamos com velocidade máxima em território sombrio, pouco conhecido. Mas uma questão é bastante clara e (novamente) não foi abordada por Langer: as mudanças que estamos promovendo no planeta implicarão em sofrimento e mortes de seres humanos. Esse processo potencialmente envolverá dor e sofrimento para você, ou mais provavelmente para seus filho(a)s e neto(a)s. Em última instância nossas ações no planeta podem nos levar a um declínio populacional sem precedentes e eventualmente à extinção. A Terra e as espécies que nela permanecerem não farão luto por nossa partida. Nossa extinção é um problema primordialmente nosso e somos a única espécie capaz de fazer algo contra seu próprio fim. Aqui cabe uma reflexão. Como apresentado por Langer, cianobactérias e florestas do passado causaram grandes extinções. Estas extinções também baniram do planeta várias espécies de cianobactérias e plantas daquelas florestas. Será que se elas soubessem que suas ações as levariam à morte, elas não tentariam fazer nada para reverter o processo?

Ambientalistas, professores, políticos, cientistas e cidadãos buscam alertar sobre esses problemas e propor soluções a eles. Muitos pagam a defesa dos interesses de todos com a própria vida. Ao invés de silenciarmos estas vozes, deveríamos engrossar o coro. Críticas evidentemente são sempre bem vindas. Elas são essenciais no processo de construção do nosso conhecimento. No entanto, as críticas devem ser pertinentes e colocadas de forma que não abranja só uma parte da história e/ou argumentos falaciosos.

A lógica utilizada por Langer pode ter desdobramentos mais complexos. Nas entrelinhas toda ação humana seria justificável por ser parte da natureza. Se tudo é natural, não deveríamos seguir quaisquer convenções sociais. Sigamos a “lei da selva”. Que vençam os mais fortes — ou tecnicamente falando os de maior aptidão. Na selva, quando um leão toma o posto de outro, mata todos os filhotes que lá já estavam. Na selva, o chimpanzé mais forte manda nos demais e os mais fracos só comem após o déspota ter se fartado. Além disso se a melhor postura é não fazer nada pois toda espécie tem um fim, o que dizer dos indivíduos? Sabemos que a vida de todo indivíduo chega ao fim. É razoável frente a esse fato abdicar do tratamento de doentes, por exemplo?

Não, não acreditamos que é esse tipo de lei que queremos seguir. As sociedades lutaram e lutam muito para que essas atitudes sejam consideradas crime. Aos poucos estamos nos conscientizando do nosso papel na crise da biodiversidade. Se existe criatividade e engenhosidade suficientes na humanidade para vivermos de forma mais harmônica com as outras formas de vida e entre nós mesmos, por que não fazê-lo?

É fato que nossa hora chegará. Haverá um dia em que a humanidade não mais andará sobre esse planeta. Que não seja em breve. Que não seja por conta de nossas ações. Ou pela falta delas.

Alex Hubbe é doutor em ciências pela Universidade de São Paulo,
professor adjunto de paleontologia no Departamento de Oceanografia da Universidade Federal da Bahia.

Olívia Mendonça-Furtado é doutora em ciências pela Universidade de São Paulo, pós doutoranda no Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo.

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Prós e contras da definição do Antropoceno, a Era do Homem https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/05/01/pros-e-contras-da-definicao-do-antropoceno-a-era-do-homem/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/05/01/pros-e-contras-da-definicao-do-antropoceno-a-era-do-homem/#respond Tue, 01 May 2018 12:24:50 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/antropoceno-paia-320x213.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5077 Quando topei pela primeira vez com a ideia de que estaríamos vivendo no Antropoceno, um período geológico definido pelos impactos sem precedentes da ação humana sobre a Terra, confesso que fiquei acabrunhado e empolgado ao mesmo tempo. Por cima da reação visceral de horror ao tamanho do estrago que andamos causando, achei que empacotar a ideia num nome de fase geológica — o termo exato seria “época”, e não era, como no título acima — talvez ajudasse as pessoas a entender de uma vez por todas o tamanho do problema.

Foi sobre esses e outros temas relativos à ideia do Antropoceno que girou um debate recente no Instituto de Estudos Avançados da USP, para o qual fui gentilmente convidado a contribuir. O resultado — longo, porém instrutivo — você pode conferir no vídeo abaixo, com a coordenação do polímata José Eli da Veiga e a participação da geóloga Sonia Maria Barros de Oliveira. Este texto recente da lavra deste escriba ajuda a contextualizar um pouco a discussão.

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Por que a vida das mães humanas é tão complicada? https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/03/19/por-que-a-vida-das-maes-humanas-e-tao-complicada/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/03/19/por-que-a-vida-das-maes-humanas-e-tao-complicada/#respond Mon, 19 Mar 2018 18:09:03 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/mulher-veia-320x213.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4893 Por motivos de falta de espaço, um texto que eu havia preparado para uma revista sobre as raízes biológicas da maternidade humana acabou não sendo publicado. É com prazer, portanto, que compartilho essa minha tentativa de resumir o que significa ser mãe na nossa espécie com os leitores do blog. Espero que gostem – o título de trabalho original era algo como “Predestinada a dar à luz?”.

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Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso há de concordar que ser mulher e mãe não é brincadeira. Aliás, tem sido quase sempre assim desde antes de existirem mulheres propriamente ditas. A vida dura das genitoras humanas já estava esboçada, em grande medida, centenas de milhões de anos atrás, quando surgiram as diferenças de tamanho e características que ainda distinguem óvulos de espermatozoides.

Pode parecer maluquice, mas é a pura verdade. Essa distinção, que provavelmente é tão antiga quanto a origem dos primeiros animais, é o elemento mais básico que separa um sexo do outro e tem uma série de consequências importantes. A primeira delas: óvulos são proporcionalmente enormes – basta dizer que eles estão entre as raras células que a gente consegue observar a olho nu –, enquanto espermatozoides costumam ser nanicos. Esse tamanhão dos óvulos permite que eles armazenem uma quantidade considerável de nutrientes e outras moléculas essenciais para o desenvolvimento do futuro embrião; por outro lado, suas contrapartes masculinas não passam de micronadadores de longa distância, sem nem um tiquinho de gordura sobrando em sua estrutura celular.

Outra diferença crucial: óvulos são relativamente escassos, em especial entre mamíferos – não é à toa que existe o chamado ciclo menstrual, durante o qual eles são liberados aos pouquinhos (um por um ou, bem mais raramente, dois por vez no caso dos seres humanos) num período específico do mês. Em comparação, a tradicional falta de sutileza masculina fica clara: centenas de milhões de espermatozoides jorrados a cada ejaculação. Chega a dar vergonha.

Questão de economia
E daí? Daí que essas diferenças podem ser traduzidas em linguagem econômica de um jeito bem simples: em geral (grife mentalmente esse “em geral”, porque existe muita variação na natureza, óbvio), óvulos são caros, espermatozoides são baratos. Ou, só pra continuar falando em economês, o investimento reprodutivo que as moças da maioria das espécies fazem tende a ser maior do o que dos rapazes (de novo, em média, com exceções etc.). Isso acontece porque, primeiro, o organismo normalmente gasta mais energia e recursos para produzir células sexuais femininas do que masculinas.

Esse desequilíbrio fica ainda mais claro quando o óvulo fecundado é gestado dentro da barriga da mãe, como acontece com quase todos os mamíferos (embora certos machos também fiquem grávidos, como é o caso dos cavalos-marinhos). Além disso, é relativamente comum que investimentos pesados, daqueles que nem o BNDES toparia financiar, continuem após o nascimento da filharada, com a maior parte ou a totalidade do chamado cuidado parental – amamentar, carregar de lá para cá etc. – ficando nas costas da garota (de novo, exceções não faltam; em muitas espécies de aves, o papai tem grandes responsabilidades nessa esfera). Esse cenário geral vale para uma grande variedade de animais que adotam o cuidado parental – o que, claro, não é o caso dos muitos bichos que apenas botam seus ovos e deixam os bebês se virarem desde o nascimento, como as tartarugas-marinhas – e provavelmente é a regra para os mamíferos desde que eles surgiram, lá se vão mais de 200 milhões de anos.

Tartaruga-marinha: sem cuidado parental, diferentemente da nossa espécie (Crédito: Creative Commons)

Recorde agora que nós somos, no fundo, não mais que um tipo de grande símio africano com postura ereta e pouco pelo. As fêmeas humanas gestam seus bebês por nove meses e, quando os bichinhos nascem, são completamente indefesos, descoordenados e precisam mamar, às vezes por anos a fio. Tudo isso significa que o padrão mais comum de investimento reprodutivo entre outros mamíferos – e as assimetrias e os desequilíbrios entre os sexos que derivam dele – também se manifesta entre nós de certa maneira, o que explica parte importante do peso que recai sobre os ombros das mulheres desde que o mundo é mundo.

Ainda seguindo o raciocínio econômico dos últimos parágrafos, faz sentido que elas sejam significativamente mais seletivas na escolha de parceiros sexuais que os homens. Afinal, na era pré-anticoncepcionais confiáveis (ou seja, basicamente pelos séculos dos séculos, se descontarmos o piscar de olhos entre os anos 1960 e hoje), o espectro de uma gravidez provocada por sexo com o sujeito errado era assunto muito sério. Sempre que podiam escolher com quem gerar bebês, as mulheres tendiam, sabiamente, a não dar bola para qualquer mané (ou elas ou suas famílias, claro, mas temos boas razões para acreditar que uniões arranjadas são coisa recente, dos últimos 10 mil anos ou menos, quando fatores como riqueza e diferenciação social se tornaram comuns pela primeira vez). Homens, por sua vez, tinham incentivos consideravelmente maiores para investir seu suprimento virtualmente ilimitado de espermatozoides da maneira mais ampla possível: o que caísse na rede era peixe, certo?

Bem, mais ou menos – aqui, é preciso não traçar um cenário unilateral demais. Somos uma espécie mais complicada do que os gorilas ou elefantes-marinhos, bichos que formam haréns nos quais um único macho fecunda regularmente diversas fêmeas, enquanto os demais membros do sexo masculino ficam chupando o dedo (de novo, a poligamia parece ser uma invenção recente entre nós). Os pais da nossa espécie são meio preguiçosos, não se pode negar, mas ainda assim até que dão uma mãozinha considerável na criação dos bebês, e o mesmo deve ter valido desde as origens da linhagem humana, segundo a maioria dos antropólogos. Isso, claro, diminui um pouco a avidez deles no que diz respeito a saltar a cerca de casa. Por outro lado, desde que o mundo é mundo, mulheres assumem o risco de se envolver com outro parceiro se perceberem que o atual é um banana ou não dá a mínima para elas – ou seja, no fundo, quando se dão conta de que ele não está colaborando com sua parte no bolão do investimento reprodutivo.

Ressalvas à parte, porém, o fato é que, em média (e considerando que existe uma enorme variabilidade de comportamento de pessoa para pessoa, algo que a gente nunca pode esquecer), as diferenças entre os sexos que estão ligadas a causas biológicas ainda são significativas. E há dados intrigantes que sugerem que as repercussões disso vão além do comportamento sexual, afetando a maneira como as mulheres lidam com os anos de escola ou o mercado de trabalho, por exemplo.

Uma das defensoras dessa visão é a psicóloga do desenvolvimento canadense Susan Pinker, autora do livro “O Paradoxo Sexual”. O primeiro ponto ressaltado por ela é que, em média, não há diferença detectável de inteligência ou habilidade entre homens e mulheres: é basicamente balela sair por aí dizendo que meninas “não têm cabeça para matemática” ou não conseguem se impor quando viram chefes, por exemplo.

Dilema dos extremos
O curioso, no entanto, é que essa grande semelhança média ao que parece esconde uma diferença estatística significativa. No que diz respeito a diversas variáveis comportamentais e mentais, as mulheres têm uma tendência maior a serem relativamente normais e equilibradas, enquanto os homens acabam se espalhando mais para os extremos. Sem meias-palavras, parece que há mais gênios entre os homens, só que também há mais idiotas entre eles (essa segunda parte não deve ser surpresa para as mulheres, aliás). É plausível – embora seja difícil de demonstrar cabalmente – que isso tenha relação com as estratégias evolutivas diferentes de cada sexo: para os homens, valeria mais a pena “apostar” (de forma inconsciente, claro) em comportamentos extremos, que talvez trouxessem mais retorno em quantidade de parceiras sexuais, do que para as mulheres, para as quais táticas mais conservadoras seriam um jeito melhor de fazer desabrochar seu potencial reprodutivo.

Para Susan, isso também ajudaria a explicar por que, apesar do aumento do número de mulheres em posições de destaque em áreas como o direito e as ciências biológicas, elas ainda são minoria em física ou computação (campos que favorecem interesses muito específicos e, por vezes, estreitos) ou no comando de grandes empresas (ocupações nas quais se espera que o sujeito basicamente não tenha mais vida pessoal).

O indefectível Sheldon de “The Big Bang Theory”: exemplo dos extremos masculinos? (Crédito: Divulgação)

Isso quer dizer que as mulheres não são tão duronas profissionalmente? Pode ser justamente o contrário, argumenta ela. “Durante a crise financeira de 2008, mais homens perderam seus empregos e cometeram suicídio, enquanto as mulheres se recuperaram com muito mais facilidade, porque elas tinham uma tendência menor a colocar todos os seus ovos no mesmo cesto. Enquanto muitos homens trabalhavam 70 horas semanais num emprego único que envolvia um só conjunto de habilidades, elas tinham dois trabalhos de meio período, em ramos como serviços ou educação, que não fecham vagas com tanta facilidade”, diz Susan. Faz sentido imaginar que há alguma ligação entre tudo isso e a responsabilidade biológica que a mulher assume com a cria. Aliás, há alguns indícios de que o cérebro feminino lida melhor com o “multitasking”, a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, e que isso tem relação com o efeito dos hormônios femininos sobre o sistema nervoso.

Será que tudo isso significa que exigir participação igual das mulheres em todas as áreas do conhecimento e do mercado de trabalho é utópico e até contraproducente, gerando um conflito desnecessário entre os sexos? Bem, a coisa é complicada. De um lado, ignorar a influência da biologia sobre tudo o que nós somos equivale a tapar o Sol com a peneira. De outro, biologia é importante, mas não é destino escrito nas estrelas – do contrário muita gente lendo esse texto teria morrido na infância por causa de infecções bobas que dizimavam as pessoas antes da invenção dos antibióticos. Talvez a maioria das mulheres continue a não se empolgar com a ideia de trabalhar como mecânica de caminhões ou de liderar uma multinacional, mesmo que as portas dessas carreiras estejam totalmente abertas para elas – e tudo bem, ora: a liberdade de escolher também deveria valer para quem não vê problema em seguir o caminho que parece ser o mais natural. Tudo bem, repito, desde que a gente não esqueça que pessoas são indivíduos, não médias populacionais: algumas mulheres (talvez a minoria?) escolherão caminhos que veríamos como “masculinos” – e não serão menos femininas, ou menos humanas, por causa disso. Nenhuma das duas possibilidades é motivo para a gente ficar arrancando os cabelos.

Por outro lado, não há motivo para não repensarmos o que entendemos por “sucesso” ou “liderança”, hoje com base em critérios tradicionalmente masculinos. Por que diabos uma alta executiva ou uma professora universitária de renome internacional deveriam ser forçadas a ficar longe de seus filhos, ou até se sentirem pressionadas a não formar uma família, para conseguir cumprir o papel tradicional de escravo do trabalho? Por que não criar incentivos para que empresas e órgãos governamentais deem mais espaço para creches de qualidade, horários flexíveis e “home office” (o popular trabalho em casa)? Medidas como essas podem muito bem criar ambientes mais equitativos e recompensadores pra todos, homens e mulheres. O escriba que vos fala sabe bem o que é isso: abri mão de ser editor de Ciência na Folha para morar no interior de São Paulo com a minha família e poder ver meus filhos todo santo dia. Não acho que eu seja “menos homem” por causa disso. Diferenças biológicas não deveriam ser vistas como camisas-de-força.

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Vacine-se contra visões simplistas da biologia https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/01/29/vacine-se-contra-visoes-simplistas-da-biologia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/01/29/vacine-se-contra-visoes-simplistas-da-biologia/#respond Mon, 29 Jan 2018 12:41:24 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/01/frenologia-180x147.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4762 Só pra continuar rapidamente o assunto de um post e de uma coluna recentes, é com prazer que reproduzo aqui uma citação do neurobiólogo americano Robert Sapolsky sobre como a gente deve encarar as influências da biologia sobre o comportamento — em resumo, é complicado:

“Em vez de funcionar com base em causas simples, a biologia funciona o tempo todo com base em propensões, potenciais, vulnerabilidades, predisposições, inclinações, interações, modulações, contingências, cláusulas do tipo ‘se-então’, dependências de contexto, exacerbação ou diminuição de tendências preexistentes. Círculos e voltas e espirais e fitas de Möbius. Ninguém disse que isso aqui ia ser fácil. Mas o assunto é importante.”

O fantástico livro de Sapolsky sobre o assunto, “Behave: The Biology of Humans at Our Best and Worst” (“Comporte-se: A Biologia dos Seres Humanos No que Eles Têm de Melhor e Pior”), saiu no ano passado e está sendo devidamente deglutido por este escriba. Mais sobre ele a qualquer momento.

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Algoritmo gay: a responsabilidade da ciência https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/09/28/algoritmo-gay-a-responsabilidade-da-ciencia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/09/28/algoritmo-gay-a-responsabilidade-da-ciencia/#respond Thu, 28 Sep 2017 17:28:07 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/09/cara-gay-180x86.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4562 Estamos de volta com o último post de nossa série sobre a polêmica do sistema de inteligência artificial que promete distinguir entre rostos de héteros e gays (para saber mais sobre o rolo, confira esta reportagem e a opinião de dois especialistas neste post e neste outro aqui).

Desta vez, as considerações são da grande dama da psicologia evolucionista brasileira, Maria Emilia Yamamoto, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Antes de ler o texto dela, porém, se você estiver interessado numa perspectiva diferente, vinda de uma cientista da computação, recomendo o interessante vídeo da colega Camila Laranjeira, do canal Peixe Babel, do Science Vlogs Brasil. Tá aqui embaixo.

Fiquem agora com o texto da professora Maria Emilia.

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“Vários dos pontos que eu havia levantado foram cobertos por Marco e Jarka. Vou reiterar alguns pontos e comentar outros poucos.

Acredito que não há dúvida de que esse é um trabalho sério e bem fundamentado cientificamente e que o instrumento que eles desenvolveram é tão acurado quanto um instrumento desse tipo pode ser. Há alguns problemas, porém:

1)A ciência e seus produtos são baseados em probabilidades, portanto, como os próprios autores destacam, o algoritmo indica a probabilidade que um indivíduo tenha uma orientação sexual. Como qualquer probabilidade, ela pode estar certa (na maior parte dos casos, se ela for alta) ou errada (em alguns poucos casos).

O que é preciso lembrar é que, se a probabilidade de estar errado se concretiza para um indivíduo, isso representa 100% para esse indivíduo; em outras palavras, um erro monumental. Daí o perigo de esse instrumento ser usado por não cientistas, ou até por cientistas desavisados.

2)Os autores destacam a teoria hormonal pré-natal como a que fornece a mais forte evidência para seus resultados. Eu tendo a concordar, pois hormônios de fato podem alterar as feições faciais. Porém (eu li o ‘paper’ muito rapidamente e posso estar fazendo afirmações que não correspondem exatamente ao que os autores dizem) as conclusões parecem apontar para um único tipo de homossexual, o homo masculino que foi pouco exposto a testosterona e a feminina que foi exposta a muita testosterona.

Há muitos outros tipos (e Jarka pode discorrer sobre isso com muito mais propriedade do que eu), o que inclui mais um fator de erro. Só para lembrar, um artigo já um pouco antigo mostrou que filhos com mais de um irmão mais velho tinham maior probabilidade de serem homossexuais por terem sido expostos no período pré-natal a muita testosterona, e que eles teriam feições bastante masculinas. Qual a proporção dos diferentes tipos? Certamente isso afeta a precisão do algoritmo.

3)Finalmente, o aspecto ético. Quando eu era estudante de graduação discutíamos muito a questão da responsabilidade social da ciência. Aparentemente, essa discussão está fora de moda. Mesmo naquela época, ninguém defendia que o cientista teria de parar de fazer ciência, mas temos de voltar a discutir como utilizar instrumentos como esses que podem ter um tremendo impacto sobre a vida das pessoas.

Dizer que o instrumento não será disponibilizado a não ser em algumas circunstâncias e locais nos quais não haja danos para os possíveis envolvidos é balela! Certamente haverá acesso e reprodução de forma não autorizada, ou até mesmo a replicação da construção do algoritmo usando os parâmetros citados no artigo. Acho que é o momento de voltar a discutir o papel social da ciência e dos cientistas.”

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Algoritmo gay: o lado positivo da controvérsia https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/09/27/__trashed/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/09/27/__trashed/#respond Wed, 27 Sep 2017 12:48:52 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/09/cara-crachá-gay-180x90.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4555 Estamos de volta com a discussão sobre os aspectos biológicos e éticos do programa de computador capaz de diferenciar entre rostos de pessoas homossexuais e heterossexuais (para saber mais sobre o debate, confira esta reportagem e este post anterior).

Desta vez, tenho a honra de publicar neste espaço as ponderadas observações de uma tcheca de coração brasileiro – literalmente. Jaroslava “Jarka” Varella Valentova é professora do Instituto de Psicologia da USP e mulher do nosso entrevistado anterior sobre o mesmo tema, o brasileiro Marco Antonio Correa Varella. Os dois se conheceram em congressos internacionais de sua área de atuação como pesquisadores, a psicologia evolucionista.

A conversa com a Jarka trouxe uma perspectiva interessantíssima sobre a questão – e inclusive uma proposta de uso “positivo” da tecnologia. Confira as impressões dela abaixo.

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“Marco já mencionou vários pontos importantes sobre o estudo, então o meu ‘feedback’ será mais curto.

Também tenho de destacar que, depois de ver títulos sensacionalistas de alguns jornais e comentários de leigos sobre o estudo, achei que era algo muito mais complicado do que é na verdade. Bastou ver o nome da revista onde o estudo foi publicado (uma das melhores na área de psicologia), a universidade dos autores (Stanford) e o fato de que foi aprovado pelo comitê de ética para que a minha opinião mudasse um pouco.

O estudo mostra que a fisiologia e o ‘grooming’ facial [ou seja, coisas como se barbear, o uso de maquiagem etc.) diferem entre pessoas heterossexuais e homossexuais, e especialmente que um programa baseado em rede complexa de neurônios [virtuais] pode aprender essas diferenças com maior sucesso do que a percepção humana.

Nenhum desses resultados é completamente novo – já sabemos que indivíduos com diferentes orientações sexuais têm outras diferenças, morfológicas, comportamentais, psicológicas. As diferenças são geralmente pequenas, como as diferenças entre homens e mulheres. E já sabemos que a inteligência artificial consegue resolver várias tarefas com maior sucesso do que os humanos. O que pode parecer problemático é a mistura dessas duas linhas – fazer um programa artificial que conseguiria distinguir pessoas segundo a orientação sexual com uma precisão grande.

Por um lado, isso pode ter consequências muito negativas, como os autores do artigo também mencionam – em países onde homossexualidade ainda é vista como algo negativo ou até criminoso (em alguns países com a consequência de pena de morte), esse tipo de programa poderia ser usado para coordenar um genocídio de homossexuais.

É importante destacar que isso acontece mesmo sem programa nenhum. Os seres humanos sempre acham algum jeito de identificar os “inimigos” – os judeus podem ser um dos exemplos mais tristes na história humana, outro exemplo podem ser as “bruxas” no período medieval na Europa, e temos vários outros. Então, sim, identificação de orientação sexual sem o consentimento da pessoa é problemático mesmo em países mais liberais porque simplesmente interfere na privacidade.

Por outro lado, o estudo trabalhou com fotografias de pessoas reais colocadas voluntariamente nas redes sociais, já com a própria descrição de orientação sexual (eles buscam parceiros ou do mesmo sexo ou do sexo oposto). Isso mostra que o lugar onde o estudo foi feito é um lugar aberto às variações sexuais. Isso já é maravilhoso, porque sabemos que várias orientações sexuais fazem parte integral e saudável da sexualidade humana, e não tem por que esconder a própria sexualidade. A esperança é que isso possa acontecer em todos os países, que as pessoas não tenham mais medo ou sejam forçadas a mudar sua orientação sexual para aquilo que é aceito por todos.

Em vez de pensar em abusos potenciais do estudo (em vários casos há abusos potenciais sobre os quais geralmente nem os autores chegaram a pensar), podemos pensar também no lado positivo.

Imaginem um paciente sexológico com problemas com ereção/lubrificação/excitação geral durante atividades sexuais com um parceiro. Em vários casos esse problema não é nada fisiológico, mas relacionado ao sexo do parceiro – as pessoas não sabem que são homossexuais e têm problemas com atividades sexuais com pessoas do sexo oposto.

O papel do terapeuta nesse caso é preparar o cliente para o autoconhecimento da própria orientação sexual, e não receitar medicação para aumentar a excitação sexual. Mas como o terapeuta pode saber que a pessoa é homossexual? Ou um terapeuta muito bem treinado para conseguir distinguir indivíduos de orientações sexuais diferentes conseguiria isso, ou um programa eletrônico pode ajudar com essa tarefa.

Um dos exemplos de uso de pesquisas que focam em características faciais normalmente não perceptíveis seria o Facial Action Coding System (FACS) desenvolvido por pesquisadores famosos na área de expressões faciais. Eles não desenvolveram nenhum programa artificial para atribuição de expressões faciais, mas desenvolveram técnicas e treinamentos para as pessoas serem capazes de perceber e analisar expressões faciais de outros.

Isso pode ser usado e abusado em outras pesquisas. Recentemente, esse sistema deles tem sido usado por empresas no mundo inteiro – por exemplo, no trabalho criminológico, para analisar expressões faciais de pessoas que podem ter cometido um crime. Assim, o treinamento de percepção de características faciais normalmente não detectáveis pode ajudar enormemente na vigilância de aeroportos e outros locais públicos. Mas, claro, essa análise feita por especialistas treinados pode ser entendida como invasão da privacidade das pessoas.

Para mim, o estudo (aliás, estudos) foi muito bem feito, e os autores pensaram bastante sobre os abusos possíveis. Eu tenho quase certeza que eles não vão vender esse programa para países onde a homossexualidade é um crime e não vão apoiar nenhuma discriminação com base na orientação sexual. É muito importante que eles tenham mostrado que é possível desenvolver esse programa e que qualquer governo pode pagar para que uma empresa desenvolva um programa semelhante. A ameaça não vem do lado dos pesquisadores. O meu estudo que eles citam também foi bastante criticado e até odiado, uma vez que a cobertura da mídia na época simplificou e distorceu a pesquisa.”

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