Darwin e Deus https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas Mon, 15 Nov 2021 14:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Mutações no nosso segundo genoma e seus efeitos sobre a fertilidade https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/08/03/mutacoes-no-nosso-segundo-genoma-e-seus-efeitos-sobre-a-fertilidade/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/08/03/mutacoes-no-nosso-segundo-genoma-e-seus-efeitos-sobre-a-fertilidade/#respond Mon, 03 Aug 2020 18:50:51 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/óvyls-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6362 Mais uma vez, é com imenso prazer que recebo por aqui os textos de divulgação científica dos alunos de pós-graduação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos, minha vizinha), do Programa de Genética Evolutiva e Biologia Molecular, sob orientação da professora Patrícia Domingues de Freitas. Além dela, os autores do texto são Mateus Priolo Grejo e José Djaci Augusto Neto. O trio explica os efeitos sobre a fertilidade ligados a modificações no nosso “segundo genoma”, o DNA presente nas usinas de energia celulares conhecidas como mitocôndrias. Boa leitura!

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Doenças neuromusculares e fertilidade: o que as mitocôndrias têm a ver com isso.

Por Mateus Priolo Grejo, José Djaci Augusto Neto e Patrícia Domingues de Freitas

Nossas células possuem diversas organelas, as quais desempenham funções variadas. Entre estas estão as mitocôndrias, subunidades celulares que possuem o importante papel de produzir energia. Essa organela é tão importante que possui um genoma próprio, conhecido como mitogenoma ou genoma mitocondrial, que difere daquele encontrado no núcleo. Embora o DNA nuclear (DNAn) seja responsável por um maior número de características nos indivíduos, alterações no DNA mitocondrial (DNAmt) podem desencadear muitas doenças em humanos, incluindo diabetes, distrofias musculares, Alzheimer e Parkinson, além de infertilidade.

Segundo o especialista em doenças mitocondriais Weiwei Fan, pesquisador do Centro de Medicina Mitocondrial da Califórnia (EUA), cerca de uma a cada cinco mil pessoas no mundo são afetadas por doenças nas quais mutações no genoma mitocondrial são causa primária. Um exemplo são as neuromiopatias, distúrbios que afetam simultaneamente o sistema nervoso e os músculos. Portanto, estudar as mitocôndrias e os mecanismos envolvidos com o pleno desempenho de suas funções é essencial para entender e tratar alguns tipos específicos de doenças.

Dentre as diversas possibilidades de estudo das mitocôndrias, seus genes e proteínas, está a análise de um ou mais tipos celulares, incluindo os óvulos, células gaméticas, restritas ao sexo feminino, que apresentam o maior número de mitocôndrias e, portanto, maior quantidade de DNAmt.

Herança matrilinear, distúrbios mitocondriais e infertilidade

Na maioria das espécies com reprodução sexuada, os óvulos são grandes e bem maiores que os espermatozoides. Por esse motivo, no momento da fecundação, grande parte das organelas de um óvulo, incluindo suas mitocôndrias, permanecerá no novo indivíduo formado. Já os espermatozoides são células diminutas, que doam, quase que exclusivamente, somente o núcleo celular. Nesses organismos, o óvulo é o único responsável por transmitir o DNAmt para sua descendência, caracterizando um modo de herança muito particular, conhecido como herança matrilinear.

Se, em princípio, as mitocôndrias de um indivíduo são herdadas somente do óvulo materno, qualquer erro presente no genoma mitocondrial dessa célula será transmitido à sua descendência. Assim, a funcionalidade das mitocôndrias de um indivíduo dependerá, em parte, da integridade do DNA mitocondrial herdado da mãe, embora novos defeitos possam surgir durante a formação e desenvolvimento de um indivíduo.

As mitocôndrias participam de diversos processos celulares e, durante esses eventos, o mitogenoma fica exposto a quebras e modificações em sua estrutura, as quais podem resultar na ruptura de ligações que mantém as duas fitas de DNA unidas em dupla hélice. Estas quebras da dupla fita, denominadas DSBs, do inglês “double strand breaks”, ocorrem devido às funções celulares, envelhecimento natural, e também a agentes externos, como compostos químicos e exposição à luz ultravioleta. Se esses danos no DNA não forem reparados, o funcionamento adequado da célula é comprometido, ocasionando diversas doenças e inclusive a morte celular. Assim, se um óvulo acumular um grande número de danos em seu mitogenoma, poderá ocorrer a sua inviabilidade e consequente infertilidade.

Mitogenoma e proteínas de Reparo

O principal mecanismo de reparo de quebras no DNA envolve uma grande e complexa maquinaria proteica, que restaura a integridade da molécula de forma precisa. Neste processo, conhecido como “recombinação homóloga”, uma proteína chamada Rad51 tem função central no reparo do dano. Até a primeira década do início do século XXI, a Rad51 havia sido observada pelos cientistas exclusivamente no núcleo celular. Em 2010, no entanto, o grupo de pesquisa coordenado pelo bioquímico Jay M. Sage, da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts (EUA), encontrou essa proteína também na mitocôndria, sugerindo sua participação no reparo do mitogenoma. Passados 10 anos desde essa descoberta, a função da Rad51 na mitocôndria, no entanto, ainda não foi totalmente desvendada. Esse fato se deve, principalmente, à falta de observação de outras proteínas participantes do reparo de DSBs, também na mitocôndria.

Para compreender melhor aspectos relacionados à função da Rad51 e de mecanismos moleculares envolvidos com a herança mitocondrial, transmissão de doenças e fertilidade feminina, o grupo de pesquisa do Laboratório de Genética e Biotecnologia (LaGenBio; http://www.lagenbio.ufscar.br/), coordenado pelo zootecnista Marcos Roberto Chiaratti, professor do Departamento de Genética e Evolução da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), tem desenvolvido estudos nessa temática.

Segundo Chiaratti, através do tratamento de óvulos afetados pode-se evitar a transmissão de mitocôndrias disfuncionais para a geração seguinte, prevenindo o surgimento de distúrbios mitocondriais. Além disso, esses estudos podem auxiliar técnicas de reprodução assistida em mulheres em idade mais avançada. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), a probabilidade de uma mulher saudável engravidar aos 30 anos é de 20% a cada mês. Já aos 40 anos essa probabilidade cai para 5%. Esta redução acentuada nas taxas de fertilidade associa-se principalmente ao envelhecimento ovariano e a danos gaméticos que diminuem a taxa de fertilidade e aumentam o risco de anomalias no feto.

De acordo com o Dr. Antonio Diez-Juan, especialista em biotecnologia para reprodução humana, as melhores alternativas para evitar a transmissão de doenças mitocondriais pode se dar durante o emprego de técnicas de fertilização in vitro. Nesses procedimentos, tanto o óvulo quanto o espermatozoide são coletados da mãe e do pai, respectivamente, e somente após a formação o embrião ele é implantado no útero da mãe. Durante esse processo, pode-se avaliar se as mitocôndrias da mãe portam quaisquer anormalidades e, a partir do uso de técnicas específicas de manipulação e fertilização in vitro, evitar que o feto herde tais doenças.

Os pesquisadores do LaGenBio da UFSCar acreditam que o desenvolvimento e avanço da pesquisa básica estão propiciando a melhor compreensão de mecanismos celulares de manutenção e reparo do DNA mitocondrial, e que a partir deste conhecimento, novas técnicas para o tratamento de doenças mitocondriais poderão surgir. No caso da proteína Rad51, uma vez comprovada sua participação no processo de restauração do DNAmt danificado, técnicas específicas poderão ser utilizadas para introduzir a Rad51 em óvulos com genoma mitocondrial defeituoso, principalmente em mulheres com idade mais avançada, em que a atividade dos genes de reparo do DNA é drasticamente reduzida.

Para produzir e isolar a Rad51, pode-se fazer uso de tecnologias de proteínas recombinantes, as quais já estão bem estabelecidas para alguns tipos proteicos, como, por exemplo, a insulina humana, que atualmente é produzida em microrganismos e utilizada com sucesso no tratamento de diabetes. Para Chiaratti, a partir de métodos similares a esse, será possível produzir proteínas específicas para o reparo de quebras no DNA e restauração da função mitocondrial de óvulos afetados, durante a fertilização in vitro, por meio da técnica de microinjeção, através da qual injeta-se a proteína de interesse, ou outro componente biológico, diretamente no óvulo.

Embora esses estudos estejam sendo realizados em um organismo-modelo (ou seja, cobaias), o grupo de cientistas do LaGenBio busca a possibilidade de resgatar a competência reduzida de gametas femininos envelhecidos, por meio da microinjeção da proteína Rad51 em óvulos inviáveis. Mutações no gene Rad51 já demonstraram subfertilidade feminina e mortalidade prematura de recém-nascidos em camundongos. No entanto, estudos específicos ainda precisam ser desenvolvidos para o estabelecimento da dose ideal da proteína e para avaliar a eficiência e segurança da técnica para que esta possa ser aplicada também em programas de fertilização in vitro em humanos.

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O coronavírus e a teoria da evolução estapafúrdia de Winston Ling https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/05/07/o-coronavirus-e-a-teoria-da-evolucao-estapafurdia-de-winston-ling/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/05/07/o-coronavirus-e-a-teoria-da-evolucao-estapafurdia-de-winston-ling/#respond Thu, 07 May 2020 17:43:29 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/coronitos.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6250 É absolutamente vergonhoso e temerário que um empresário bem-sucedido e influente como o sinobrasileiro Winston Ling espalhe desinformação sobre o coronavírus com base num arremedo de raciocínio darwinista. A teoria da evolução tem uma lógica clara, mas é preciso entendê-la direito.

Em sua conta no Twitter, Ling afirmou recentemente que já existiriam o “corona bom” e o “corona mau”. Vírus “inteligentes”, segundo ele, são os que se espalham o máximo possível causando o menor dano possível no hospedeiro. Ao ficar em casa, estaríamos favorecendo evolutivamente o “corona mau”.

Existem mais buracos nesse raciocínio simplista do que numa peneira de cruzeta, lamento informar. Pra começo de conversa, o empresário se esquece de que os sintomas — espirro, tosse etc. — são PARTE FUNDAMENTAL da estratégia de espalhamento de um vírus respiratório. Além disso, justamente por ser vírus respiratório, que por definição se espalha fácil, o incentivo evolutivo para “ficar na moita” é muito menor porque não há problema em causar sintomas severos desde que o vírus consiga pular fácil pra outros indivíduos suscetíveis. Não adianta tentar raciocinar sobre dinâmica evolutiva sem levar em conta os parâmetros ecológicos e a relação de custo-benefício envolvida num sistema. (A gente imaginaria que empresários, pelo menos, conseguiriam pensar em termos de custo-benefício, mas não parece ser o caso aqui…)

Outra questão que Ling deveria ter considerado, se queria brincar de análise de custo-benefício darwinista, é o fato de o vírus ter acabado de saltar de um hospedeiro animal para seres humanos. Isso significa que o ajuste fino que ele espera do vírus AINDA NÃO OCORREU. É justamente o fato de termos uma história tão curta de convivência entre hospedeiro e parasita que temos tanta gente vulnerável — o mundo inteiro, na verdade — e sintomas tão variados e estranhos sendo causados. Esse vírus ainda “não sabe direito o que fazer” num corpo humano.

Também não parece ter passado pela cabeça do nosso temerário amigo Ling que esse ajuste NÃO DEPENDE SÓ DO VÍRUS. Depende tb, e muito, da BIOLOGIA DOS HOSPEDEIROS (que varia de pessoa pra pessoa em nível genético, por exemplo) e de fatores como alimentação e estresse. Olhar as coisas desse modo unidimensional, em biologia, é receita para o fracasso.

Finalmente, até agora não há informação NENHUMA sobre níveis diferentes de agressividade das linhagens de Sars-CoV-2. ZERO. Sem essa informação, e sem as bases que citei, Ling está construindo castelos de cartas no ar, na melhor das hipóteses (misturei as metáforas, desculpem). Empresários sabem ganhar dinheiro, parabéns pra eles. Mas sujeitos influentes como Ling deveriam ficar no cantinho deles quando sentirem a tentação de travestir seus vieses e interesses em informação “científica” pra dezenas de milhares de pessoas. Não estamos em condições de correr mais esse risco.

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Células do nariz são principal porta para o coronavírus, diz estudo https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/04/27/celulas-do-nariz-sao-principal-porta-para-o-coronavirus-diz-estudo/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/04/27/celulas-do-nariz-sao-principal-porta-para-o-coronavirus-diz-estudo/#respond Mon, 27 Apr 2020 18:58:31 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/coronitos.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6212 Populações específicas de células do interior do nariz provavelmente funcionam como os portais para a invasão do organismo pelo Sars-CoV-2, o coronavírus que causa a Covid-19. Essa conclusão vem de uma análise molecular de células de diferentes tecidos humanos, publicada recentemente na revista especializada Nature Medicine (disponível para leitura aqui, em inglês).

O método empregado pela pesquisa, coordenada por Waradon Sungnak, do Instituto Wellcome Sanger, no Reino Unido, é bastante engenhoso. Já sabemos que, para invadir as células humanas, o novo coronavírus uma proteína de sua superfície, a proteína S (de “spike” ou espícula) para se conectar a uma “fechadura” da membrana das células, o receptor conhecido como ECA2.

Com base nessa informação, eles rastrearam diferentes tipos de células com base na chamada expressão gênica de ECA2 — grosso modo, o quanto o gene que contém a receita para a produção desse receptor está ativo nas células. Ou seja, isso é uma medida da quantidade de receptores desse tipo presentes na membrana das células e, portanto, de quantas “portas abertas” o vírus teria para sua invasão.

Com as técnicas usadas no estudo, foi possível fazer isso célula a célula, e o que ficou claro é que as células do interior do nariz são as que mais “expressam” (ou seja, produzem) ECA2 e outras moléculas relacionadas, se comparadas praticamente com qualquer outra célula, inclusive as da garganta. As campeãs nesse quesito são as células secretoras (associadas à produção de muco) e as células ciliadas.

A descoberta pode indicar, por exemplo, que medicamentos intranasais podem ser uma boa pedida contra o Sars-CoV-2.

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Gatos e furões podem ser infectados pelo coronavírus, diz estudo https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/04/21/gatos-e-furoes-podem-ser-infectados-pelo-coronavirus-diz-estudo/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/04/21/gatos-e-furoes-podem-ser-infectados-pelo-coronavirus-diz-estudo/#respond Tue, 21 Apr 2020 20:11:36 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/Domestic_Cat_Demonstrating_Dilated_Slit_Pupils.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6179 Furões e gatos podem ser infectados pelo novo coronavírus com relativa facilidade e manifestam sintomas da doença nas vias respiratórias superiores (focinho e garganta), indica um estudo chinês que acaba de ser publicado na revista especializada Science.

A pesquisa, liderada por Zhigao Bu, do Instituto de Pesquisa Veterinária de Harbin, também verificou que outras espécies de animais domésticos – cães, porcos, galinhas e patos – são pouco suscetíveis ao vírus causador da Covid-19.

Com base nos dados, os cientistas serão capazes de definir caminhos para usar tanto gatos quanto furões como modelos experimentais da moléstia, ou seja, “simuladores biológicos” da infecção, o que é crucial para compreender o curso da doença e testar tratamentos e vacinas. Até onde se sabe, os camundongos, animais mais usados como modelos para o estudo de doenças em laboratório, não são infectados naturalmente pelo vírus, o que aumenta a necessidade de encontrar espécies que possam desempenhar esse papel.

De certo modo, os furões eram uma escolha óbvia para esse tipo de estudo porque esses mamíferos já são usados como modelos de outras infecções respiratórias. Os pesquisadores chineses obtiveram duas amostras diferentes do vírus – uma isolada no mercado de peixes de Wuhan onde a pandemia parece ter começado, outra vinda de um paciente – e as inocularam no focinho dos furões.

Após quatro dias, os animais foram anestesiados e sacrificados. O grupo examinou em detalhes diversos órgãos dos animais, mas só acharam material genético do Sars-CoV-2 nas estruturas nasais, no céu da boca e nas amígdalas dos furões, confirmando o que também parece ser verdade em seres humanos: o vírus “gosta” de se replicar (ou seja, de se multiplicar) nas vias aéreas superiores.

Um outro grupo de furões que também recebeu o coronavírus foi acompanhado por um período mais longo, entre duas e três semanas. Um terço dos bichos manifestou sintomas como febre e perda de apetite. Exames mostraram danos pulmonares típicos de uma forma leve de bronquite. Os animais não chegaram a morrer por causa do vírus.

O mesmo processo, envolvendo administração do vírus na cavidade do focinho, foi empregado com gatos domésticos, cuja idade variava entre seis e nove meses. Além disso, os pesquisadores também colocaram gatos que não receberam os vírus em jaulas que ficavam do lado das ocupadas pelos felinos contaminados.

Mais uma vez, a presença do material genético do vírus foi marcante em locais como as narinas, o céu da boca e as amígdalas. Em um dos casos, o Sars-CoV-2 também foi detectado na traqueia. Também foi possível detectar a infecção de um dos gatos que não tinha recebido o vírus originalmente. Eles repetiram o teste com gatos mais jovens (com idades entre dois e três meses), com resultados parecidos, mas também lesões mais sérias nos pulmões.

Para os autores da pesquisa, os resultados indicam que é preciso monitorar o vírus também em gatos domésticos. Mas o trabalho também tem limitações que exigem cuidado, afirma o zoólogo Hugo Fernandes-Ferreira, da Universidade Estadual do Ceará.

Ele aponta que a dose viral usada para infectar os animais foi bastante alta, não refletindo a transmissão natural do patógeno. Para Fernandes-Ferreira, é preciso levar em conta também que felinos jovens, como os usados no estudo, possuem sistema imune (de defesa do organismo) bastante débil. Além disso, ainda não há evidências de que a transmissão entre felinos e seres humanos possa ocorrer, destaca ele.

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Documentário reconta a história da Aids no Brasil https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/documentario-reconta-a-historia-da-aids-no-brasil/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/documentario-reconta-a-historia-da-aids-no-brasil/#respond Mon, 21 Oct 2019 18:43:34 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/HIV-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5951 Dá um orgulho tremendo ver colegas competentes fazendo um trabalho de excelência. Recomendo fortemente que você deixe o Netflix de lado esta noite e assista o brilhante documentário “Nova Explosão do HIV — Da Biologia à Epidemia do Preconceito”, uma coprodução de vários colegas do selo ScienceVlogs Brasil, como os canais Disperciência, Olá Ciência e BláBláLogia.

Entrevistando nomes de peso e usando de modo criativo imagens de época, eles deram uma aula imperdível sobre a epidemia da Aids no mundo e principalmente no Brasil, de seus primórdios à sombra que ainda paira sobre nós. Está tudo ali: ciência bem contada, preocupação com a saúde pública, interesse humano e clareza. Confira o vídeo abaixo — é de graça.

 

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Conheça as micromáquinas que transmitem mensagens biológicas https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/conheca-as-micromaquinas-que-transmitem-mensagens-biologicas/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/conheca-as-micromaquinas-que-transmitem-mensagens-biologicas/#respond Mon, 21 Oct 2019 17:25:42 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/WNT_Proteins-320x213.gif https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5953 Estamos de volta com mais uma colaboração aqui no blog. Trata-se de um dos artigos de divulgação cientifica produzidos por alunos do PPGGEv (Programa de Pós-Graduação em Genética Evolutiva e Biologia Molecular) da UFSCar, a gloriosa Universidade Federal de São Carlos, aqui pertinho de casa. Desta vez, a professora Patrícia Domingues de Freitas e o aluno Caio Oliveira explicam o funcionamento intrincado das moléculas que atuam como sinalizadoras biológicas. Boa leitura!

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Se pudéssemos definir, de forma lúdica, sistemas celulares extremamente complexos, como os de sinalização celular, essenciais ao bom funcionamento de todo ser vivo, poderíamos fazer um paralelo entre eles e as fábricas, nas quais diversos processos consecutivos e interdependentes são realizados por integrantes que transmitem e recebem informações, desempenhando variadas funções de forma eficiente.

Na célula, essas tarefas podem ser mediadas por moléculas especiais como as proteínas. Essas macromoléculas orgânicas, de composição e forma diversificadas, executam uma vasta gama de tarefas, inclusive a comunicação e sinalização entre células. Além de desempenharem papéis específicos, as proteínas podem também interagir entre si, modificando suas estruturas e consequentemente suas funções. Uma forma de modificação da função proteica ocorre quando duas ou mais proteínas interagem e desempenham uma função adicional, diferente daquela que exerciam individualmente. Essa interação pode promover efeitos de largo alcance, alterando momentaneamente, ou até permanentemente, a função de uma célula.

As vias metabólicas, ou “pathways”, em inglês, consistem exatamente em interações entre proteínas e outros tipos de grandes moléculas biológicas, como carboidratos e lipídios, que alteram o estado fisiológico da célula e promovem a formação de novas moléculas, facilitando a produção e a degradação de diferentes compostos. É assim que acontecem alguns processos celulares como a digestão de moléculas e a produção de energia.

Um estudo recente, envolvendo 15 grupos de pesquisa dos Estados Unidos, Canadá, Espanha e Bélgica, contabilizou a existência de pelo menos 14 mil interações do tipo proteína-proteína na espécie humana. Esse estudo, coordenado pelo pesquisador Marc Vidal, da Universidade Harvard, considerou apenas as interações de tipo binário, ou seja, que envolviam exclusivamente duas moléculas.

Outro importante estudo em vias metabólicas, comandado pelo pesquisador Peter Karp, do Instituto de Pesquisa de Stanford, nos EUA, descreveu cerca de 135 vias metabólicas relacionadas ao conteúdo nutricional de alimentos comumente consumidos pela população humana e seu papel na degradação e produção de novas moléculas. Essa pesquisa ressaltou que tais vias não representam o mapa do metabolismo humano completo, mas refletem “uma porção significativa dele”.

Além da função de degradar ou sintetizar compostos, existem vias que possuem a tarefa de transmitir informações por meio da comunicação ou sinalização celular à distância. Esse processo, cientificamente conhecido como “transdução de sinal”, só acontece porque proteínas distintas interagem e repassam a mensagem entre células. Entretanto, diferentemente da brincadeira de “telefone sem fio”, em que erros na transmissão do recado geram boas gargalhadas, pequenas alterações na transdução de sinal podem produzir consequências desastrosas para célula.

Um exemplo de via de sinalização celular extremamente importante é a WNT, termo derivado da junção dos nomes em inglês de dois genes: Wingless e int1. Essa via tem a função de “ligar” diversos genes relacionados à proliferação celular e formação correta do embrião. Qualquer erro na regulação dessa via pode comprometer o desenvolvimento embrionário e afetar drasticamente o feto, ocasionando malformações. Por esse motivo, a ativação de vias de sinalização intracelulares, como a WNT, passa por um controle extremamente rigoroso.

A regulação de vias ocorre em várias etapas e de diferentes formas, sendo que a checagem de seu funcionamento visa a garantir a precisão de todo o processo, tanto espacial quanto temporalmente. Geralmente, esses controles se dão em pontos cruciais da via, em que uma etapa pode ser estimulada ou interrompida para um ajuste no seu funcionamento. Se a molécula específica for essencial para o funcionamento da respectiva via e se estiver em alta quantidade, por exemplo, a via será estimulada; se ela, porém, estiver em baixos níveis, a via será inibida. Esse processo é conhecido como regulação.

A desregulação em vias de sinalização celular pode gerar problemas sérios no organismo. No exemplo da via WNT, estudos realizados há mais de três décadas demonstraram a existência de uma correlação entre a superativação dessa via e a formação de tumores em humanos e camundongos, os quais podem originar câncer de mama e de cólon. Estas pesquisas têm se mostrado extremamente interessantes, uma vez que essa via parece ser responsável pela ativação de proto-oncogenes, que são genes responsáveis pela ativação de outros genes que podem desencadear o processo de desenvolvimento tumoral em um indivíduo.

Na via WNT existem diferentes moléculas interagindo e desempenhando funções, como transmitir informações entre células. A molécula que ativa esta via é uma proteína conhecida como beta-catenina. Por isso, essa via é também chamada de WNT/beta-catenina.

A beta-catenina, no entanto, tem sua atividade controlada por um outro complexo proteico, no qual uma das principais proteínas é a GSK3-beta, que tem a função de fosforilação, ou seja, adicionar fosfato à beta-catenina. Uma vez fosforilada, a beta-catenina será reconhecida por um outro complexo proteico que promoverá sua ubiquitinação, processo que adiciona pequenas proteínas chamadas ubiquitinas à estrutura de uma outra proteína-alvo.

A ubiquitinação possibilita a degradação da beta-catenina por um grande complexo proteico que digere proteínas: o proteassoma. Por outro lado, se a beta-catenina não for degradada, ela vai se acumular na célula e migrará para o núcleo, ativando a expressão de alguns genes que podem regular a proliferação e desenvolvimento celular, causando um crescimento descontrolado de alguns tipos de células que podem gerar cânceres.

Uma pesquisa recente, envolvendo pesquisadores da USP de Ribeirão Preto e da Universidade de Cambridge (Reino Unido), mostrou que a GSK3-beta também sofre regulação por meio de ubiquitinação. Assim, tanto a beta-catenina quanto a GSK3-beta são capazes de sofrer regulação por meio de fosforilação e ubiquitinação. São esses processos que auxiliam o a regulação das vias pela ativação/desativação da função proteica. Estudos realizados na Universidade Federal de São Carlos também têm tentado compreender melhor as proteínas e seus papéis na regulação de vias, como a WNT.

O grupo de pesquisa liderado pelo professor Felipe Roberti Teixeira, do Programa de Pós-Graduação em Genética Evolutiva e Biologia Molecular da UFSCar, está buscando entender um modelo celular relacionado ao controle de ativação de sinalização de vias, devido a interações entre proteínas que geram modificações pós-traducionais (após a fabricação da proteína), como as fosforilações e ubiquitinações. Essas interações proteicas promovem efeitos que podem inibir ou estimular a via, causando mudanças fisiológicas importantes nas células.

Para Teixeira, a descoberta de novos mecanismos de regulação de vias intracelulares permitirá intervenções farmacológicas em pontos específicos, contribuindo para diminuir os efeitos colaterais decorrentes do tratamento de determinadas doenças. Para o pesquisador, apesar dos processos de controle e sinalização de vias serem complexos, o estudo e o conhecimento de proteínas e suas funções tem avançado, possibilitando o entendimento de mecanismos importantes que tornam possível a regulação precisa e eficaz das vias metabólicas.

Aplicar esse conhecimento para estabelecer mecanismos de controle e até mesmo de cura de doenças originadas pela desregulação de vias intracelulares de transmissão de sinais, como é o caso de alguns tipos de câncer, é uma das grandes metas desses estudos.

MODIFICAÇÕES PÓS-TRADUCIONAIS: FOSFORILAÇÃO E UBIQUITINAÇÃO

Após as proteínas serem produzidas, pode ser que, para executar sua função, ainda haja a necessidade de que elas sejam modificadas. Uma dessas formas de modificação é a fosforilação, quando há a adição de um grupamento químico chamado fosfato – composto por um átomo de fósforo – em algum ponto da proteína, por meio de enzimas especializadas nessa função chamadas quinases.

A fosforilação pode atuar ativando ou inativando a função da proteína que foi fosforilada. Outra modificação pós-traducional ocorre quando proteínas necessitam ser degradadas: há uma maquinaria celular encarregada de reconhecer essa proteína e “identificá-la” para degradação. Três complexos são utilizados para adicionar um sinal a uma proteína que será degradada em um quarto complexo.

Com esse sistema, a célula gera blocos construtores de proteínas livres, prontos para serem utilizados para sintetizar outras proteínas e serem utilizá-los no metabolismo da célula para várias outras finalidades. Essa “marcação” para degradação de uma proteína é feita com a adição de uma molécula proteica chamada ubiquitina, processo conhecido como ubiquitinação.

As proteínas ubiquitinadas são reconhecidas por um complexo chamado de proteassomo, que é responsável pela desmontagem da proteína que está marcada com a ubiquitina.

Nesse modelo, a presença da molécula de ubiquitina sinaliza a degradação de uma determinada proteína, certo? Classicamente, essa é a função da ubiquitina, mas diversos estudos têm mostrado que há várias formas de a ubiquitina ser ligada na molécula-alvo, e nem sempre essa ligação envia a proteína para degradação. Essas diferentes maneiras de adição da ubiquitina podem gerar diferentes resultados que podem, inclusive, atuar como um modulador de função de uma proteína, sendo capaz de fazer da ubiquitinação uma forma de regulação de uma via metabólica.

PROTO-ONCOGENES

Segundo uma publicação da revista Nature, proto-oncogenes são regiões do genoma que, quando alteradas, transformam uma célula saudável em uma célula tumoral. As proteínas derivadas desses genes geralmente têm função de evitar que a célula entre em processo de morte, e estimulam a proliferação e divisão celular, contribuindo para a manutenção de um organismo. O grande problema se dá quando esses genes sofrem uma mutação. A partir daí, eles deixam de ser “proto” e passam a ser de fato “onco” genes, aumentando a sua expressão a níveis tão elevados que as células passam a se multiplicar descontroladamente, gerando aglomerados celulares conhecidos como tumores, os quais podem ocasionar o câncer.

Fontes consultadas:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25416956
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15642094
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27503909
https://www.nature.com/scitable/topicpage/proto-oncogenes-to-oncogenes-to-cancer-883
https://www.nature.com/onc/journal/v36/n11/pdf/onc2016304a.pdf
https://www.drugtargetreview.com/news/33901/cell-signalling-new-treatments/

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“Existe um buraco negro no coração da biologia” https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/12/07/existe-um-buraco-negro-no-coracao-da-biologia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/12/07/existe-um-buraco-negro-no-coracao-da-biologia/#respond Thu, 07 Dec 2017 11:54:56 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/12/volvox-180x120.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4679 Não sei como é pra vocês, mas pra mim começo de livro tem de chegar na voadora, como diz o vulgo. Esse claramente é o caso de “Questão Vital”, do bioquímico britânico Nick Lane, que principia do jeito que eu coloquei no título deste post: “Existe um buraco negro no coração da biologia”.

Calma, calma — nosso amigo Lane não é criacionista nem adepto do Design Inteligente (o que no fundo seria a mesma coisa, claro). Mas o livro se propõe a enfrentar uma questão básica da biologia que ainda estamos tentando responder a contento: por que as células de todos os seres vivos — em especial as dos seres vivos complexos como nós, animais, os vegetais e os fungos — são do jeito que são, seguindo um padrão tão uniforme que é difícil, ao microscópio, distinguir entre a célula de um leão e a de um cogumelo? Como as células complexas — com núcleo bonitinho, mitocôndrias para produzir energia etc. — nasceram?

Ainda estou no começo da leitura, mas tentarei compartilhar as possíveis respostas por aqui. De qualquer jeito, a coisa promete.

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Esqueça a vida eterna congelado, diz biólogo https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/11/21/esqueca-a-vida-eterna-congelado-diz-biologo/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/11/21/esqueca-a-vida-eterna-congelado-diz-biologo/#respond Tue, 21 Nov 2017 19:24:29 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/11/1280px-Wood_Frog_floating-180x90.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4647 Nada como ir direto à fonte, não é mesmo? Se você quer saber se a criogenia (o congelamento de corpos humanos inteiros para futura “ressurreição” tecnológica) vai funcionar, pergunte a alguém que realmente estuda corpos congelados que voltam à vida. No caso, um biólogo do Alasca que trabalha com rãs que fiquem durinhas, imóveis, cheias de gelo durante meses, e depois revivem.

Don Larson, da Universidade do Alasca em Fairbanks, é um desses sujeitos. Um estudo dele mostrou que a rã Lithobates sylvaticus chega a alcançar a temperatura de 15 graus Celsius negativos no inverno. Mesmo assim, Larson acha que a criogenia não funcionará em humanos. Confira a pequena entrevista abaixo.

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O sr. acha que os feitos da rã poderiam ser imitados no organismo de uma espécie como a nossa?

Creio que possamos ser capazes de imitar a tolerância ao congelamento em tecidos e órgãos, mas não em corpos inteiros. O problema de congelar e descongelar é que é algo que precisa acontecer rapidamente para impedir danos, e é muito difícil de congelar rapidamente um corpo inteiro.

O que acontece com o cérebro das rãs durante a hibernação? Há alguma diferença de temperatura entre eles e o resto do corpo?

Todo o corpo delas fica na mesma temperatura. Rãs têm cérebros muito simples. Assim como acontece com outros órgãos importantes, como os rins e o fígado, os cérebros precisam ter concentrações mais altas de substâncias crioprotetoras [que impedem danos causados pelo frio] do que outros tecidos com menos vasos sanguíneos.

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Por dentro da fábrica de sangue https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/06/05/por-dentro-da-fabrica-de-sangue/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/06/05/por-dentro-da-fabrica-de-sangue/#respond Mon, 05 Jun 2017 12:56:56 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/06/medula-e1496667315940-180x34.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4292 Não faz muito tempo, escrevi nesta Folha sobre um avanço muito interessante e importante na área biotecnológica: uma técnica que permitiu a obtenção, em laboratório, de células-tronco do sangue, o que abre a possibilidade de facilitar a vida de quem precisa de transplantes de medula óssea para doenças sanguíneas num futuro não tão distante, ou até mesmo acabaria com a busca por doadores de sangue.

Um dos autores da pesquisa é o brasileiro Edroaldo Lummertz da Rocha, atualmente pós-doutorando na Universidade Harvard. Confiram abaixo, na íntegra, a entrevista que fiz com o pesquisador, na qual ele detalha sua participação no estudo.

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1)Primeiro, por favor me conte qual foi exatamente a sua participação no trabalho. Vi pelo seu currículo que você tem graduação em ciência da computação, então fiquei muito curioso pra saber como você embarcou nessa área!

Eu trabalho com biologia computacional, desenvolvendo métodos computacionais e estatísticos para análise de dados multidimensionais complexos. Neste trabalho, eu realizei as análises moleculares que demonstraram que, em termos de genes com papel conhecido em hematopoiese [o desenvolvimento dos diferentes tipos de células do sangue], as células-tronco hematopoiéticas derivadas a partir de células pluripotentes criadas em nosso trabalho são similares às células-tronco hematopoiéticas do cordão umbilical humano (utilizadas como controle). No entanto, globalmente, tais células ainda são substancialmente distintas das células-tronco hematopoiéticas do cordão umbilical, as quais, assim como as células da medula óssea, são atualmente utilizadas para o tratamento de diversas doenças, tais como leucemias, diversas formas de anemias e também doenças autoimunes. Portanto, muito trabalho ainda é necessário para criar, em laboratório, células capazes de desempenhar funções similares às células-tronco hematopoiéticas da medula óssea e do cordão umbilical.

2)Um detalhe técnico que eu queria entender melhor: por que a aplicação de doxiciclina, que é um antibiótico, é necessária pra ativar os genes que foram inseridos nas células para que elas adquirissem características de células-tronco hematopoiéticas?

O uso de doxiciclina permite controlar a expressão dos transgenes, possibilitando que, na presença de doxiciclina, os transgenes sejam expressos [ativados] e que, na ausência dela, os transgenes deixem de ser expressos. Tal estratégia permite controlar o perfil temporal de expressão dos transgenes e ajuda a estabelecer se a expressão dos mesmos, in vivo [no organismo vivo], é absolutamente necessária ou não. Neste estudo, nós demonstramos que os transgenes são necessários para a especificação, in vivo, das células-tronco e progenitoras hematopoiéticas derivadas de células pluripotentes.

3)Por que o pessoal insiste em dizer que está “muitíssimo perto” em relação à obtenção de células-tronco hematopoiéticas? A impressão é que vocês já chegaram lá, na verdade — fora, claro, o problema de evitar o uso da modificação genética com vírus etc. A questão é que a eficiência ainda é muito baixa?

Eu acredito que estejamos próximos, inclusive de versões do protocolo experimental sem modificações genéticas. Porém, células-tronco hematopoiéticas são extremamente raras e difíceis de estudar dada a natureza retrospectiva destes experimentos. Além disso, o tempo necessário para derivar estas células é relativamente longo e a eficiência é baixa, dificultando potenciais aplicações clínicas. Por exemplo, de acordo com os nossos cálculos, somente 1 em 10.093 células criadas em laboratório teriam as propriedades funcionais necessárias para reconstituir um sistema hematopoiético completo e funcional [capaz de dar origem a todos os componentes do sangue humano]. Por outro lado, em células-tronco hematopoiéticas do cordão umbilical, 1 em 3.068 células teriam as propriedades desejadas.

4)Conte, por favor, o que você está fazendo no seu pós-doc.

Eu trabalho na interface entre biologia computacional e engenharia celular, desenvolvendo modelos computacionais e estatísticos para compreender quais mecanismos moleculares são responsáveis por mediar transições entre tipos celulares, tais como a derivação de células-tronco hematopoiéticas a partir de células pluripotentes descrita neste estudo. Eu então utilizo esse conhecimento para desenvolver terapias celulares potencialmente mais eficientes. No momento, venho trabalhando em novas estratégias para derivar células-tronco hematopoiéticas a partir de células pluripotentes, assim como a derivação de células com uso potencial em imunoterapias. O tempo dirá se vamos ser bem-sucedidos ou não em nossa busca constante para desenvolver novos tratamentos e melhorar a qualidade de vida.

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A ascensão dos porcumanos (ou quase) https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/01/27/a-ascensao-dos-porcumanos-ou-quase/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/01/27/a-ascensao-dos-porcumanos-ou-quase/#respond Fri, 27 Jan 2017 19:52:27 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/01/madão-e1485543793332-180x85.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4023 Cientistas dos EUA e da Espanha criaram os primeiros embriões de porcos que carregam células humanas, abrindo caminho para transplantes de órgãos vindos dos animais e para uma enormidade de dúvidas éticas e filosóficas. Escrevi sobre essa história impressionante na Folha de hoje, como você pode conferir aqui, e acabo de produzir um vídeo para o canal do blog no YouTube sobre o tema. Confira abaixo!

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