Darwin e Deus https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas Mon, 15 Nov 2021 14:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Jesus quântico? Por favor não caia nessa https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/03/20/jesus-quantico-por-favor-nao-caia-nessa/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/03/20/jesus-quantico-por-favor-nao-caia-nessa/#respond Wed, 20 Mar 2019 17:40:46 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/jesusquantico-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5646 Uma leitora chamou minha atenção, já faz algum tempo, para a despropositada capa do livro “Jesus Quântico”, que vocês podem ver na imagem acima. Confesso que fiquei meio chocado, não apenas porque o que ela sugere não faz o menor sentido como também porque ela me pareceu bastante desrespeitosa considerando que Albert Einstein era judeu e nunca se converteu ao cristianismo, mas foi retratado com uma cruz no peito.

Não me entendam mal. Não acho que o autor, Marcelo Tezeli — “cantor, compositor e guitarrista da banda Midnight Purple”, segundo diz esta reportagem do jornal Correio do Estado, de Mato Grosso do Sul — tenha de fato pretendido insultar a herança judaica de Einstein, ou que ele tenha escrito a obra com a intenção deliberada de enganar seus leitores. Segundo o texto do Correio do Estado, Tezeli tem o objetivo de mostrar que preceitos da doutrina espírita teriam sido confirmados pela ciência, em especial pela física quântica. De algum modo, ele mistura essa afirmação com informações sobre o DNA (cujas operações nada têm a ver com a física quântica, é bom lembrar) e com a ideia de que um “corpo bioenergético constrói o nosso corpo físico”.

A crença nisso tudo deve ser sincera, mas é difícil pensar numa interpretação da física quântica, da biografia de Einstein e da figura de Jesus que esteja menos alinhada com os fatos científicos e históricos.

Praticamente não há efeitos quânticos relevantes afetando a nossa biologia, para começo de conversa. Por mais curiosos e importantes que sejam, os fenômenos contraintuitivos da mecânica só alteram o comportamento de partículas subatômicas e átomos. Uma célula, ou mesmo um único cromossomo no núcleo dela, já são grandalhões demais para que tais efeitos valham para eles. Foi o que expliquei em recente coluna nesta Folha.

Além disso, a associação entre Einstein e a crença religiosa simplesmente não corresponde aos fatos. Embora o físico alemão gostasse de falar do sentimento de maravilha e mistério do Cosmos provocado pelo trabalho científico, isso não tinha absolutamente nada a ver com a religião no sentido tradicional, tema de que tratei em outro post já faz anos aqui no blog. Outra ironia nessa história é que Einstein tinha sérios problemas filosóficos com a mecânica quântica, por não conseguir encaixá-la na sua visão altamente ordenada e determinista do funcionamento do Universo.

E quanto a Jesus — bem, o fato é que o Nazareno jamais mencionou células, DNA ou átomos em sua pregação pelas estradas da Galileia, e basta.

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Arte para Sagan https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2016/10/11/arte-para-sagan/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2016/10/11/arte-para-sagan/#respond Tue, 11 Oct 2016 14:11:03 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/5a.-Paisagem-com-pedras-taken-by-Viking_recortado-alta-e1476194912166-180x58.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=3817 Se você se interessa por ciência em alguma medida, sou capaz de apostar que tem dedo do saudoso astrônomo Carl Sagan (1934-1996) na jogada. Uma exposição de arte em São Paulo que estreia neste dia 14, sexta-feira, celebra justamente o legado do velho Sagan, criador da versão original da série “Cosmos” e de livros clássicos como “O Mundo Assombrado pelos Demônios” e “Pálido Ponto Azul”.

Recriação artística de uma imagem do Telescópio Espacial Hubble (Crédito: Divulgação)
Recriação artística de uma imagem do Telescópio Espacial Hubble (Crédito: Divulgação)

E, por falar nesse segundo livro, as 20 obras do artista Ricardo Alves receberam o título coletivo “Desse Pálido Ponto” (para quem não conhece a referência, essa é a expressão cunhada por Sagan para se referir à Terra vista a partir dos confins do Sistema Solar).  Pareceu-me especialmente simpática a recriação de uma paisagem marciana feita por Alves (que está no alto deste post). O texto e a curadoria são de Thais Rivitti, e a visita à mostra é gratuita. Confiram mais detalhes sobre locais e horários abaixo e boa viagem cósmica a todos!

Serviço:

Desse pálido ponto – Ricardo Alves
Data: de 14 de outubro a 5 de novembro
Horário: de terça a sexta-feira das 10h às 19h, aos sábados das 10h às 17h
Entrada: gratuita
Endereço: Galeria Sancovsky – Praça Benedito Calixto, 103, São Paulo – SP.
www.galeriasancovsky.com
(11) 3086 0784 | (11) 3086 0783

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Cosmologia e Deus na UFSCar https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2016/10/05/cosmologia-e-deus-na-ufscar/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2016/10/05/cosmologia-e-deus-na-ufscar/#respond Wed, 05 Oct 2016 18:43:54 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/46340_observatorioportal_3605930327638922166-e1475692993548-180x52.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=3809 Se você vive na Região Metropolitana de São Carlos (círculo imaginário que, além da gloriosa Atenas Paulista, abrange ainda municípios como Ribeirão Preto, Araraquara e Rio Claro) ou estará visitando o lugar nesta quinta (06/10), tenho o prazer de convidá-lo para assistir a uma palestra minha no campus da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), às 18h. O título é “Digitais Da Criação? A Cosmologia E A Crença Em Deus”. A ideia é abordar como certos detalhes do funcionamento do Universo levaram algumas pessoas a enxergar neles a intervenção direta de Deus no Cosmos, e como a cosmologia tem lidado com a ideia por meio de hipóteses alternativas, como a da existência de múltiplos universos.

O evento acontece no Observatório Astronômico da UFSCar (visto de cima na foto em destaque neste post), que fica na área norte do campus. Para os interessados, eis abaixo as informações oficiais da universidade, incluindo outras palestras ainda nesta semana. Será bacana vê-los por lá!

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O Observatório Astronômico da UFSCar promove de 4 a 7 de outubro uma série de palestras e observações astronômicas em comemoração à Semana Mundial do Espaço, um evento declarado pela ONU em 1999 para celebrar a ciência e a tecnologia em benefício da humanidade.

As palestras acontecem das 18 às 19 horas no auditório do Observatório, localizado na área Norte do Campus São Carlos, e serão seguidas por observações astronômicas no terraço até às 20h30, se as condições meteorológicas permitirem.

No dia 4/10, o tema será “Física e Star Trek”, conduzida por Catarine Moreira e Mariana Chinaglia, da UFSCar; no dia 5/10, a palestra aborda “Exoplanetas, Admiráveis Mundos Novos”, com Gustavo Rojas, da UFSCar. No dia 6/10, o tema “Digitais Da Criação? A Cosmologia E A Crença Em Deus”, será conduzida por Reinaldo José Lopes, jornalista colaborador do Jornal Folha de São Paulo, e no dia 7/10, o tema “Buracos Negros: O que são e como se formam?” será apresentado por Raphael Santarelli, professor do Departamento de Física, também da UFSCar.

Além das palestras e observações, estarão expostas coleções de meteoritos e de fotografias feitas no Observatório Europeu do Sul, organização intergovernamental de pesquisa em Astronomia, composta e financiada por 15 países, localizada na Alemanha.

As atividades são gratuitas e abertas a todos os interessados. Os organizadores não recomendam a participação de crianças menores de seis anos. Não é necessário se inscrever, mas o limite de capacidade do auditório é de 35 lugares. Mais informações pelo telefone (16) 3351-9797 ou pelo e-mail grojas@ufscar.br

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Stephen e o Senhor https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/01/30/stephen-e-o-senhor/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/01/30/stephen-e-o-senhor/#respond Fri, 30 Jan 2015 09:52:53 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=2291 Jane (Felicity Jones) e Stephen (Eddie Redmayne): xaveco científico fofo (Crédito: Divulgação)
Jane (Felicity Jones) e Stephen (Eddie Redmayne): xaveco científico fofo (Crédito: Divulgação)

É preciso ter coração de pedra pra não se debulhar em lágrimas no finzinho de “A Teoria de Tudo”, filme que narra a vida do físico britânico Stephen Hawking e sua relação com a primeira esposa, Jane, que acaba de chegar ao Brasil (confira aqui a resenha da película que fiz pra edição de ontem desta Folha). O filme é absurdamente emocionante sem ser apelativo, o que não quer dizer que seja perfeito.

Os problemas começam logo nas primeiras cenas de paquera entre Stephen e Jane. O então jovem físico, ainda sem sinais da doença que acabaria com quase todos os seus movimentos, conta para a moça que está estudando cosmologia. “O que é isso?”, pergunta Jane. “Uma espécie de religião para ateus inteligentes”, responde Stephen. Cosmologia é isso mesmo, afinal? E, aliás, será que o grande objetivo de Hawking com suas pesquisas foi desprovar a existência de Deus, como o filme dá a entender em vários momentos?

Quem conhece o blog sabe que, como de costume, a resposta é complicada. Vamos a ela. Aliás, quem quiser uma explicação mais detalhada sobre o tema pode conferir o capítulo “Deus existe?” do meu novo livro, “Os 11 Maiores Mistérios do Universo”, que pode ser facilmente encontrado aqui.

Em primeiro lugar, a frase de Hawking é inegavelmente engraçadinha e talvez tivesse um fundo mais claro de verdade nos anos 1960, quando muitos físicos ainda tinham dificuldade de aceitar a expansão do Universo e preferiam um Cosmos belamente estático e imutável por motivos filosóficos. Mas a cosmologia moderna é uma ciência observacional das mais sólidas.

Conhecemos com precisão absurda, por exemplo, a radiação cósmica de fundo, o “eco” do Big Bang, a violenta expansão cósmica primordial, uma “sopa” de energia extremamente fria que permeia o tecido do espaço em todas as direções com minúsculas diferenças de um lugar para outro das galáxias. Conhecemos em detalhe o funcionamento de supernovas, buracos negros, galáxias e aglomerados galácticos. Até quando o conhecimento atual ainda é muito incompleto – falo, por exemplo da natureza da matéria escura que parece “dar um gás” na gravidade das galáxias, ou da energia escura que, ao que tudo indica, está levando à expansão acelerada do Cosmos –, as hipóteses sobre o que são esses trecos estão baseadas em observações rigorosas.

Então não, ninguém precisa de fé para “acreditar” na cosmologia moderna. Nesse ponto, ela não se parece com religião alguma.

E não, o trabalho de Hawking não teve papel nenhum em mostrar que Deus não existe – quer dizer, teve esse papel na mesma medida que Newton ameaçou deixar Deus desempregado ao desvendar a gravitação. Tudo depende do papel que filosoficamente você dá para Deus na natureza. Se Deus só é digno de seu título divino se for um interventor que faz tudo acontecer no Universo “no braço”, é claro que mostrar que a natureza funciona sozinha aposenta o coitado. Mas um Deus “sutil”, que garante as leis do Cosmos mas intervém raramente e de formas impossíveis de verificar – bem, esse aí é dificílimo de desprovar – e mais ainda de provar, claro.

Acho, no entanto, que a piada tem um fundinho de verdade. É possível detectar, ao menos no trabalho de alguns cosmólogos, como o canadense Lee Smolin, o desejo de derrubar todos os possíveis argumentos em favor da existência de Deus que venham da estrutura do Universo.

SINTONIA FINA

Um dos argumentos mais usados dessa maneira é o do chamado princípio antrópico, ou da “sintonia fina” cósmica – a constatação de que tantas variáveis do Universo parecem estar delicadamente ajustadas para produzir a vida que só um Criador inteligente teria sido capaz de fazer esse ajuste no princípio dos tempos.

De fato, no nosso Universo, variáveis como a potência exata das forças fundamentais da natureza, como a gravidade, a massa das partículas elementares e até o número de dimensões do espaço parecem ser “ajustadas” em favor da vida. (Ou, no mínimo, em favor do aparecimento de um equilíbrio delicado entre estrelas que viram supernovas e estrelas de vida longa, que acaba desembocando na vida.)

Bom, diante da improbabilidade dessa combinação de fatores, alguns cosmólogos, relutando em aceitar a ideia de que houve um projeto deliberado para o Universo, propõem a existência de infinitos universos – o nosso seria apenas uma fatia dessa variedade de possibilidades das leis da física. Aqui, por sorte, foi onde calhou de as leis cósmicas serem favoráveis à vida, e pronto. Não tem mistério se existirem inúmeros universos por aí onde nada desse tipo pode existir.

Ocorre que uma das principais hipóteses para explicar algumas das propriedades do Universo, em especial o que ocorreu logo após o Big Bang – a do chamado Universo inflacionário – tem sido cada vez mais corroborada pelas observações, e muita gente acha que o Universo inflacionário exige a existência de outros Cosmos. O porquê disso é meio complicado – mas, resumindo, a ideia é que a expansão desenfreada original do Universo, a tal inflação, precisaria ter sido tão violenta em seus micromomentos iniciais que inevitavelmente algumas regiões do Cosmos-bebê se distanciaram demais umas das outras – tanto que, para todos os efeitos, viraram Universos separados. E esses locais tão distantes de nós poderiam ter outras leis da física, nada amigáveis à vida, enquanto por aqui tivemos a sorte de contar com uma “Constituição” cósmica pró-vida. Tentar mostrar que foi isso mesmo que ocorreu exige medições cada vez mais minuciosas da estrutura cósmica e dos efeitos da gravidade nas maiores escalas do Universo, mas dá pra buscar esse objetivo, em tese.

Desnecessário dizer que nem isso, do ponto de vista lógico/filosófico, exclui Deus – ele poderia ser visto como o desencadeador da expansão, por exemplo. Mas decerto faz balançar a ideia de que ele foi o Grande Projetista Cósmico que pensou, em detalhes, como o Universo seria, antes do princípio dos tempos.

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O beijo de Juliana https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/10/15/o-beijo-de-juliana/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/10/15/o-beijo-de-juliana/#respond Wed, 15 Oct 2014 21:08:23 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=1991 Uma rápida passadinha aqui para fazer uma recomendação. Se você quer ler uma boa discussão sobre a ciência e o sentido da vida em formato literário, uma espécie de mistura inusitada entre diálogo de Platão e episódio de “The Big Bang Theory”, aconselho que dê uma olhada no livro recém-lançado de Osame Kinouchi, físico da USP de Ribeirão Preto, cujo título é “O Beijo de Juliana”. A capa está cá embaixo.

Capa de "O Beijo de Juliana" (Crédito: Reprodução)
Capa de “O Beijo de Juliana” (Crédito: Reprodução)

(Em tempo: Juliana não é a Penny da história, e sim o nome da filhinha de um dos personagens dos diálogos, feitos numa troca de e-mails entre os personagens.)

O professor Osame mui gentilmente me convidou para escrever o texto da contracapa do livro, que é este aqui, ó:

“Achar que a ciência é capaz de trazer respostas prontas para questões existenciais é tão simplista e equivocado quanto afirmar que ela não tem impacto nenhum sobre as grandes perguntas da existência. De um jeito às vezes descontraído, às vezes desconcertante, e outras tantas vezes mesmo emocionante, “O Beijo da Juliana” mostra como uma visão cientificamente informada do Cosmos nos ajuda a enfrentar esses grandes dilemas.”

Interessado? O site da editora é este aqui. Boa leitura!

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Blogueiro convidado: os mares de Titã https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/08/08/blogueiro-convidado-os-mares-de-tita/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/08/08/blogueiro-convidado-os-mares-de-tita/#respond Fri, 08 Aug 2014 17:31:55 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=1744 Eu já disse pra vocês como é legal contar com leitores inteligentes e criativos, né? Pois tive mais uma grata surpresa nesta semana, quando um rapaz de apenas 17 anos, o Augusto César da Silva, que está terminando o ensino médio na Escola Estadual São José, em Ibiá (MG), resolveu me escrever, meio que do nada, oferecendo para publicação um texto que escreveu sobre a possível existência de formas rudimentares de vida em Titã, a superlua de Saturno.

Fico feliz em dizer que o texto está caprichado, ainda mais quando se considera a juventude do missivista (como diziam lá nos anos 1930). Portanto, nada mais justo, como um pequeno incentivo, que eu o publique por aqui e confira ao Augusto o título de blogueiro convidado. Ele me contou, por e-mail, que gostaria de fazer medicina, especializando-se na área de genética humana, ou então física. Seja como for, gostaria de pedir ao rapaz publicamente que não deixe totalmente de lado sua capacidade de escrever sobre ciência de forma correta e gostosa de ler.

Sem mais delongas, vamos ao texto dele! Fiz mínimas modificações editoriais por conta de errinhos de digitação.

Titã: um novo lar alaranjado

Titã, a maior lua de Saturno, possui características curiosamente semelhantes às da Terra primitiva, com intensa atividade geológica, uma atmosfera densa e uma complexa química com corpos líquidos em sua superfície. Além disso, há quantidade significativa de hidrocarbonetos – compostos orgânicos essenciais no desenvolvimento dos primeiros seres vivos em nosso planeta-, o que alimenta a hipótese de haver algum tipo de vida pulsando na atmosfera titânica. Essas características são fascinantes e fazem jus ao nome desse satélite. Titã é extraordinária. Desde que Christiaan Huygens, em uma noite de 1655, surpreendeu-se ao ver uma grande lua além dos anéis de Saturno, despertou-se especial interesse entre cientistas e curiosos sobre os mistérios guardados por Titã.

Bonito flagra do sistema saturniano: anéis de Saturno com Titã ao fundo, encimados pelo satélite Epimeteu. (Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute)
Bonito flagra do sistema saturniano: anéis de Saturno com Titã ao fundo, encimados pelo satélite Epimeteu. (Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute)

A sonda Cassini a tem observado por quase dez anos, mostrando-nos que ainda não sabemos tudo sobre ela. Torna-se evidente que devemos nos preocupar em estudar mais sobre esse misterioso satélite se quisermos avançar no conhecimento do Universo e da vida cósmica. Estudos revelaram que o hidrogênio que existe em abundância na atmosfera titânica desaparece quase por completo quando chega à superfície, fortalecendo a possibilidade de que pequenos organismos vivos o estão respirando.

A descoberta da vida em outro canto do Universo seria uma das grandes descobertas do século e da humanidade. Afinal, o fato de que a vida possa ocorrer em condições diferentes daquilo que consideramos ‘habitável’ e o fato de que os ácidos nucleicos podem não ser as únicas biomoléculas no Universo capazes de codificar a vida, não seria um tipo de Santo Graal da astrobiologia?

Recentemente, instrumentos a bordo do orbitador Cassini capturaram imagens de regiões escuras detectadas no hemisfério Norte de Titã, indicando a descoberta de lagos e “mares” de hidrocarbonetos em sua superfície. Novas imagens de sua região polar norte podem nos render resultados surpreendentes.

Podemos obter fortes evidências que respondam à pergunta que assombra a psique humana: existe vida extraterrestre? Além de pôr um ponto final nos debates sobre a existência de vida em Titã, essa descoberta poderia alterar não só o curso de futuras missões espaciais, mas também a nossa concepção da vida como um fenômeno cósmico. Estamos muito longe de desvendar todas as faces do “dodecaedro de Platão”. Estamos muito longe de responder a todas as questões existenciais e científicas. Talvez nunca saibamos o que há atrás da cortina da criação do Universo e de nós mesmos. Mas podemos desvendar o que é o brilho especial na superfície titânica. Não podemos esperar que o vento solar a que Titã está diretamente exposta nos traga essa resposta. Muitos cientistas acreditam que Titã viaje gritando pela Via Láctea a resposta para o mistério da vida extraterrestre, mas ainda não a ouvimos. Saturno é um grande agricultor. E pode estar cultivando em Titã a mais bela e excitante das culturas em todo o cosmos: a vida.

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Tá muito engraçadinho, hein, Robin? https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/04/14/ta-muito-engracadinho-hein-robin/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/04/14/ta-muito-engracadinho-hein-robin/#respond Mon, 14 Apr 2014 17:12:43 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=1320 Esse é o único comentário que me vem à cabeça ao ler o que escreveram os cosmólogos Lawrence Krauss e Bob Scherrer sobre a situação atual do Cosmos e o que a ciência pode descobrir a respeito dele:

“Nós vivemos numa época muito especial — a única época durante a qual podemos verificar observacionalmente que vivemos numa época especial!”

Comentário maluco, eu sei — a respeito do fato de que, se a expansão acelerada do Universo continuar acontecendo no ritmo atual, daqui a “apenas” algumas centenas de bilhões de anos não será mais possível enxergar a luz emitida por outros galáxias, o que nos colocará numa situação paradoxal: sem essa informação, vai ser impossível comprovar que o Universo está se expandindo, pra começo de conversa!

É de dar nó nos miolos de qualquer um? Pode apostar.

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Insegurança cósmica https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/03/06/inseguranca-cosmica/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/03/06/inseguranca-cosmica/#respond Thu, 06 Mar 2014 17:21:25 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=1150 Essa vem do livro “Our Mathematical Universe: My Quest for the Ultimate Nature of Reality” (“Nosso Universo Matemático: Minha Busca pela Natureza Última da Realidade”), do físico sueco Max Tegmark, a respeito da estranha descoberta de que o Universo está se expandindo, feita pelo astrônomo americano Edwin Hubble (1889-1953) nos anos 1920 e 1930:

“Surpreendentemente, quase todas as galáxias que Hubble estudou tinham sua luz desviada para o vermelho [sinal de que elas estavam se afastando de nós; se estivessem se aproximando, sua luz estaria desviada para o azul]. Por que todas elas estavam se movimentando para longe de nós? Será que elas não iam com a nossa cara? Será que dissemos alguma coisa que elas não gostaram de ouvir?”

De repente, todos os grandes dilemas existenciais cósmicos viram uma cena de bullying do ensino médio 😛 Esses suecos são uns loucos mesmo, como diria o Obelix.

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O que os olhos não veem https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/02/24/o-que-os-olhos-nao-veem/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/02/24/o-que-os-olhos-nao-veem/#respond Mon, 24 Feb 2014 13:05:29 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=1095 A esmagadora maioria das pessoas costuma ficar extasiada com as imagens fantásticas de berçários de estrelas, supernovas e galáxias, entre outras maravilhas do Cosmos, que os telescópios espaciais têm trazido para o interior de nossas casas desde os anos 1990. Mas sempre tem um chato pra apontar o dedo e resmungar: “Que absurdo! Isso tudo é mentira! É Photoshop! Essas aí não são as cores reais! É só pra ficar bonitinho! Os astrônomos mentem! Aaaaargh!”.

Imagem do pulsar PSR B1509-58, a célebre "Mão de Deus", feita pelo Observatório de Raios X Chandra, da Nasa
Imagem do pulsar PSR B1509-58, a célebre “Mão de Deus”, feita pelo Observatório de Raios X Chandra, da Nasa

Sim, muitas vezes é “Photoshop”, no sentido de que aquela imagem foi tratada antes de poder ser visualizada daquele jeito — mas dizer isso ao ver imagens maravilhosas, como a produzida pelo Observatório de Raios X Chandra e reproduzida acima, é ficar bravinho com o irrelevante e deixar de se concentrar no que é realmente importante. E a razão tem tudo a ver com a nossa história evolutiva, e a história do nosso próprio planeta.

Espero não partir o coração de ninguém ao dizer o que vou dizer a seguir, mas não há nada de essencialmente “vermelho” na cor vermelha, ou nada de intrinsecamente “amarelo” no nosso Sol. O que chamamos de cores são propriedades sensoriais subjetivas — os filósofos costumam usar o termo latino “qualia” para designar esse tipo de coisa — para diferentes comprimentos de onda/frequências de um fenômeno único, que é a radiação eletromagnética, ou “luz”, para os íntimos. (Sim, a luz é uma onda, como as do mar, embora não precise da água ou de qualquer outro meio para se propagar. O comprimento de onda é a distância entre as cristas de uma onda; a frequência é o número de cristas que aparecem em dado período de tempo.)

Desse ponto de vista, há pouquíssima diferença entre os comprimentos de onda que nós conseguimos enxergar, o chamado espectro visível, e as coisas que a gente é simplesmente incapaz de conceber, como o infravermelho, o ultravioleta, os raios X e os raios gama. É TUDO LUZ — ainda que ninguém no mundo seja capaz de te dizer “que cor” tem o ultravioleta. (Bem, se uma abelha falasse, talvez ela conseguisse, mas o certo é que o “ultra” não quer dizer simplesmente um violeta mais forte, gente.)

Temos a sorte de viver num planetinha coberto por uma espessa atmosfera e equipado com camada de ozônio — capaz, portanto, de barrar os pedaços mais energéticos do espectro luminoso, como os raios X e gama. Além de evitar que todos morramos de câncer em dois tempos, esse acaso feliz também tornou completamente desnecessário que os seres vivos desta nossa Terra desenvolvessem a capacidade de captar esse tipo de radiação eletromagnética com seus olhos, já que cá embaixo não há nada para enxergar refletindo essas frequências luminosas mesmo.

As cores que enxergamos são pura e simplesmente a pequena fatia de luz — a dita luz visível — relevante para a nossa sobrevivência como primatas com apetite para frutas e outros quitutes coloridos. Alguns animais evoluíram para enxergar bem menos do que nós, enquanto outros enxergam uma gama ainda mais ampla de “cores” subjetivas. Não há nada de intrinsecamente “perfeito” nos nossos olhos.

Pra fechar o círculo da argumentação: esbravejar com as alterações de cores nas imagens espaciais é esquecer tudo o que aprendemos sobre a verdadeira natureza da luz. As cores “falsas”, nessas imagens, não são puras ferramentas estéticas, mas sim um artifício para ajudar-nos, pobres primatas nativos do chão, a enxergar uma informação luminosa real que, sem tratamento computacional e matemático, ficaria oculta para sempre. São nossos óculos de raios X, se você quiser — quase tão bons quanto a visão de certos super-heróis.

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A Igreja estava certa em rejeitar Copérnico? https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/01/27/a-igreja-estava-certa-em-rejeitar-copernico/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/01/27/a-igreja-estava-certa-em-rejeitar-copernico/#respond Mon, 27 Jan 2014 13:52:55 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=982 Não dá para escapar do peso histórico que as brigas entre a Igreja Católica e alguns dos mais importantes astrônomos do Renascimento tiveram sobre a relação entre ciência e religião nos últimos séculos. Por mais que esse tema tenha deixado de ser fonte de conflito há muito tempo, o trauma relacionado à execução de Giordano Bruno (1548-1600) e à prisão domiciliar de Galileu Galilei (1564-1642) por ordem das autoridades católicas virou, na imaginação popular, o grande modelo do que acontece quando a fé tenta se sobrepor à razão. Por isso mesmo, pode soar impensável a seguinte afirmação: na época, também havia boas razões científicas para duvidar que a Terra girava em torno do Sol, o chamado heliocentrismo, proposto pelo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543).

(OK, chega de datas de nascimento e morte por enquanto, eu prometo.)

Um resumo interessantíssimo e muito claro desses argumentos contra Copérnico, e de como, na verdade, eles demoraram para ser derrubados cientificamente, estão em artigo na edição deste mês da revista “Scientific American” (eis o link, embora seja preciso pagar pelo acesso ao artigo completo).

Meu plano a seguir a resumir esses argumentos, a partir do que dizem os pesquisadores Dennis Danielson e Christopher Graney. Mas, já que o tema é terreno fértil para interpretações maliciosas de todo o tipo, permita o gentil leitor que eu deixe claro o que não estou querendo dizer com esse texto (só por segurança):

1)É lógico que eu não estou dizendo que as autoridades religiosas da Renascença estavam certas em fazer bullying ou mandar para a fogueira quem defendia o ponto de vista de Copérnico. Só estou tentando levar em conta que, além do contexto de manutenção autoritária de um certo tipo de interpretação das Escrituras e do Cosmos, havia também argumentos científicos de um lado e de outro, que foram levados a sério na época por gente que não tinha ligação nenhuma com a Inquisição.

2)E, claro, é lógico que esse negócio não foi só um debate científico bem-educado. A discussão era muito mais ampla, desde questões de poder (ver acima) até, no caso da única execução de um cientista por causa disso, a de Giordano Bruno, porque ele aproveitou para questionar diretamente dogmas religiosos que não tinham nada a ver com o heliocentrismo em si. Apesar do sofrimento pelo qual passou, Galileu continuou sendo um católico fiel, como era antes de ser interrogado, aliás.

Beleza? Adiante, então. Vamos aos argumentos científicos.

1)O problema do mecanismo

O “azar” de Copérnico, digamos, foi formular sua hipótese heliocêntrica numa época pré-Newton, quando o gênio britânico da física ainda não havia nascido nem formulado sua teoria da gravitação. Do ponto de vista hipotético, era mais ou menos fácil postular porque os planetas e estrelas giravam em torno da Terra: eles seriam feitos de um tipo diferente e “sutil” de matéria, capaz de rodar rapidamente pelos céus.

No entanto, num mundo sem uma boa teoria da gravidade, era um bocado difícil postular que, na verdade, a Terra — esse troço pesadão e aparentemente imóvel em cima do qual todos nós vivemos — é que estava rodando em torno das “esferas celestiais”. Para o dinamarquês Tycho Brahe, o maior astrônomo da época, a Terra era um “corpo imenso e preguiçoso, inapto para o movimento” ao qual se estava atribuindo “um movimento tão rápido quando o das tochas etéreas” (lindo, não?).

2)A treta do tamanho das estrelas

A matemática por trás desse segundo ponto é um tanto complicadinha, mas basta dizer que, tirando a Terra do centro cósmico e transformando-a em simples planeta, Copérnico redefiniu para mais — aliás, para muito mais — o tamanho do Universo e, em especial, o das estrelas. Os astrônomos da época costumavam medir o diâmetro das estrelas que viam no céu (sabemos que hoje esse diâmetro ou largura é aparente, um truque da passagem da luz pelo olho ou por um telescópio, mas na época ninguém sabia). Levando em conta as distâncias postuladas por Copérnico e essa “largura estelar”, a conclusão inescapável é que o diâmetro real das estrelas seria da ordem… de centenas de vezes o diâmetro do Sol.

Tycho Brahe achava, com razão, que essa conta só podia estar errada. OK, hoje sabemos que algumas estrelas podem ter milhares de vezes o raio do Sol, mas a medida feita pelo sistema copernicano originou indicava que qualquer estrelinha vagabunda, mesmo as que (hoje sabemos) são relativamente pequenas, teriam esse tamanho absurdo.

Curiosamente, o argumento usado pelos copernicanos pra tentar convencer seus pares foi, em parte… religioso. Como escreveu um deles, Christoph Rothmann, para Brahe: “Deixe que a vastidão do Universo e os tamanhos das estrelas sejam tão grandes quanto você quiser — ainda assim parecerão ínfimos diante do Criador infinito. Faz sentido que, quanto maior o rei, tão maior será o palácio adequado à sua majestade. Então, qual o tamanho do palácio que lhe parece adequado a Deus?”.

Além dos grandes avanços teóricos trazidos por Newton (depois da morte de Galileu), o problema do tamanho aparente das estrelas só seria resolvido pra valer no século 19.

Acho que vale aqui (como em tantas outras áreas da vida) a boa e velha modéstia. A história (mesmo a história da ciência) não vem com retrovisor. Nem toda objeção ao que parece progresso é coisa de idiota ou fanático religioso, mesmo que se revele uma objeção equivocada, no fim das contas.

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