Darwin e Deus https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas Mon, 15 Nov 2021 14:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Um guia para entender o lado sombrio do genoma dos brasileiros https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/10/20/um-guia-para-entender-o-lado-sombrio-do-genoma-dos-brasileiros/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/10/20/um-guia-para-entender-o-lado-sombrio-do-genoma-dos-brasileiros/#respond Wed, 20 Oct 2021 13:29:55 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/maldição-de-Cam-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6660 Quando os cientistas examinam o DNA da população brasileira, percebem que há uma disparidade enorme entre as linhagens paterna e materna no genoma dos habitantes do Brasil. Do lado masculino, há um predomínio muito alto da herança europeia, e a herança indígena quase desaparece; do lado materno, há um aparente equilíbrio entre os genes de origem ameríndia, africana e europeia.

Como explicar isso? É o que tento fazer neste vídeo longo, mas bastante completo. Spoiler: é muito difícil explicar isso sem levar em conta a brutalidade do processo de colonização do país. Confiram abaixo.

————–

Conheça o canal do blog no YouTube

Siga-me nas redes sociais: Facebook (do blog), Facebook (pessoal), Twitter, Instagram

Meu Currículo Lattes

]]>
0
Lucy vai a Guarulhos na exposição Do Macaco ao Homem https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/10/16/lucy-vai-a-guarulhos-na-exposicao-do-macaco-ao-homem/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/10/16/lucy-vai-a-guarulhos-na-exposicao-do-macaco-ao-homem/#respond Sat, 16 Oct 2021 13:55:47 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/Reconstruction_of_the_fossil_skeleton_of__Lucy__the_Australopithecus_afarensis-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6649 Se você está em busca de algo bacana para fazer neste final de semana na Grande São Paulo, recomendo fortemente que você coloque uma máscara de boa qualidade (a pandemia não acabou, afinal de contas) e dê uma passada na exposição “Do Macaco ao Homem — Transições”, que fica até o dia 30 de outubro de 2021 no Internacional Shopping, em Guarulhos. É a sua chance de ver, por exemplo, uma reprodução fidelíssima do esqueleto acima, a célebre Lucy, de 3,2 milhões de anos.

Lucy era membro da espécie de primata bípede Australopithecus afarensis, é um ícone da história evolutiva dos nossos ancestrais, e é apenas uma das atrações da mostra, que conta ainda com reproduções de crânios e ferramentas de pedra e bustos dos hominínios (membros da linhagem humana).

A curadoria é do bioantropólogo Walter Neves, professor sênior da USP e um dos expoentes dessa área de pesquisa no país. E outros shoppings do país deverão receber esse pequeno tesouro. Mais informações aqui. O horário de visitação é de 10h às 22h.

————–

Conheça o canal do blog no YouTube

Siga-me nas redes sociais: Facebook (do blog), Facebook (pessoal), Twitter, Instagram

Meu Currículo Lattes

]]>
0
Projeto da USP aborda evolução humana com enfoque plural e inclusivo https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/02/27/projeto-da-usp-aborda-evolucao-humana-com-enfoque-plural-e-inclusivo/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/02/27/projeto-da-usp-aborda-evolucao-humana-com-enfoque-plural-e-inclusivo/#respond Sat, 27 Feb 2021 13:46:12 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/EVOLUÇÃO-PARA-TODES-CIENTISTAS-1-320x213.png https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6527 É um imenso prazer chamar a atenção do leitor do blog para um projeto de divulgação científica muito interessante criado pelo pessoal do LAAAE-USP (Laboratório de Arqueologia, Antropologia Ambiental e Evolutiva da USP). Trata-se do Evolução para Todes, sob a batuta de três pós-graduandas do laboratório: Mariana Inglez, Lisiane Müller e Eliane Chim.

O trio chama a atenção para um problema óbvio da comunidade acadêmica e de divulgação científica brasileira (e mundial): somos muito pouco diversos. A participação e a representação de profissionais que não sejam brancos e do sexo masculino nessas áreas ainda são baixíssimas. E isso talvez seja especialmente grave em áreas como a arqueologia e paleoantropologia, que possuem uma relação histórica com o colonialismo e o racismo — a qual, óbvio, precisa ser discutida e criticada. A grande ironia, claro, é que a grande maioria dos eventos cruciais da evolução humana ocorreram na África e em outras regiões distantes da Europa, envolvendo populações que hoje classificaríamos como negras.

Por isso, fica aqui o convite para conhecer o trabalho competente das moças. Você pode acessar o Instagram do projeto, por exemplo. E, para quem tem pequenos cientistas em casa, está sendo produzida uma fofíssima série de vídeos sobre os temas aos quais o grupo se dedica. Você pode conferir os dois primeiros aqui:

E aqui:

(Quem conhece a Cidade Universitária na capital paulista certamente reconhecerá o prédio do Instituto de Biociências da USP logo no primeiro quadro do segundo vídeo. Bateu até uma saudade.)

Parabéns pela iniciativa e longa vida ao projeto!

————–

Conheça o canal do blog no YouTube

Siga-me nas redes sociais: Facebook (do blog), Facebook (pessoal), Twitter, Instagram

Meu Currículo Lattes

]]>
0
A Origem das Histórias: evolução humana, ficção, fantasia e ciência https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/11/a-origem-das-historias-evolucao-humana-ficcao-fantasia-e-ciencia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/11/a-origem-das-historias-evolucao-humana-ficcao-fantasia-e-ciencia/#respond Wed, 11 Sep 2019 13:01:57 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Raven_Rattle_19th_century_05.588.7292-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5910 Seres humanos, em todas as épocas e lugares, são apaixonados por contar histórias imaginadas, tanto as “realistas” quanto as que envolvem fantasia ou ficção científica. Como diabos isso aconteceu conosco ao longo da evolução, e como ciência e ficção podem dialogar? Tentei abordar brevemente esses temas numa palestra que proferi durante a 23a. Jornada de Letras da UFSCar, aqui em São Carlos (SP). Abaixo, temos a íntegra do áudio da minha fala, em formato de vídeo do YouTube (é, eu sei que é estranho).

Abaixo, os trechos de livros lidos durante a palestra.

J.R.R. Tolkien, Sobre Estórias de Fadas (a tradução é minha, deve sair no ano que vem):

“A mente encarnada, a língua e a estória são, no nosso mundo, coevas. A mente humana, agraciada com os poderes da generalização e da abstração, vê não apenas grama-verde, discriminando-a de outras coisas (e achando-a bela de contemplar), mas vê que é verde bem como é grama. Mas quão poderosa, quão estimulante para a própria faculdade que a produziu, foi a invenção do adjetivo: nenhum feitiço ou encantamento em Feéria é mais potente. E isso não é surpreendente: tais encantamentos poderiam, de fato, ser considerados apenas outra visão dos adjetivos, uma classe de palavras numa gramática mítica. A mente que pensou em leve, pesado, cinza, amarelo, parado, veloz também concebeu magia que tornaria as coisas pesadas leves e capazes de voar, transformaria chumbo cinza em ouro amarelo, e a pedra parada em água veloz. Se podia fazer uma coisa, podia fazer a outra: inevitavelmente fez ambas. Quando conseguimos abstrair o verde da grama, o azul do céu e o vermelho do sangue, temos já um poder encantatório – em certo plano; e o desejo de empunhar esse poder no mundo externo às nossas mentes desperta.”

Sidarta Ribeiro, O Oráculo da Noite: A História e a Ciência do Sonho:

“Os mitos sobre a origem do mundo, muito recentes na evolução da espécie, derivam da expansão sem precedentes da nossa capacidade de representar entidades reais e imaginárias, humanas e feras, sincretizadas aos nossos ancestrais. Foi quase inevitável a mistura com outros seres, plantas e acidentes geográficos, pois durante o sonho nada impede que essas representações se fundam. Naturalmente essa fabulosa fauna mental se apresentou em inúmeras manhãs à consciência vígil de nossos ancestrais boquiabertos. A consequência foi a ampla prevalência do zoomorfismo na cultura humana. Desde que somos gente, somos bicho.”

Edward Osborne Wilson, O Futuro da Vida:

“Legamos a vocês as selvas sintéticas do Havaí e a vegetação rasteira onde antes vicejava a prodigiosa Floresta Amazônica, junto com alguns remanescentes de habitats selvagens aqui e ali, que escolhemos não destroçar. O seu desafio é criar novos tipos de plantas e animais por meio da engenharia genética e, de algum modo, encaixá-los juntos em ecossistemas artificiais de vida livre. Entendemos que um feito desses pode se mostrar impossível. Estamos certos de que, para muitos de vocês, o mero fato de pensar nisso provocará repugnância. Boa sorte. E, se forem em frente e tiverem sucesso em tal empreitada, lamentamos que aquilo que manufaturarem nunca poderá ser tão satisfatório quanto a criação original. Aceitem nossas desculpas e esta biblioteca audiovisual que ilustra o mundo maravilhoso que costumava existir.”

Robert Sapolsky, Memórias de Um Primata:

“E a peste levou Saul, que morreu em meus braços, como descrevi numa história anterior.
E a peste levou Davi.
E Daniel.
E Gideão.
E Absalão.
E a peste levou Manassés, que morreu na frente de um grupo de funcionários do hotel, que gargalharam ao vê-lo sofrer.
E a peste levou Jessé.
E Jônatas.
E Sem.
E Adão.
E a peste levou meu Benjamim.”

Reinaldo José Lopes, 1499: O Brasil Antes de Cabral:

“Acho impossível que um habitante das primeiras décadas do século 21 tenha ficado imune à atual onda de narrativas de ficção (nas livrarias, no cinema, na TV, na internet) que andam nos soterrando com imagens “pós-fim do mundo”. São quadrinhos que viram série de televisão, best-sellers para adolescentes que viram filme e incontáveis outras variações do mesmo tema: Jogos Vorazes, The Walking Dead, Divergente e até a ressurreição de Mad Max (sou capaz de apostar que você consegue ao menos dobrar o número de itens dessa lista sem muito esforço). De repente, a chamada distopia pós-apocalíptica – ou seja, a ideia de que, para todos os efeitos, o mundo como o conhecíamos acabou, e os sobreviventes da catástrofe vivem num ambiente assustador e brutalmente transformado – parece ter ganhado o status de gênero narrativo dominante de nosso tempo. O que direi agora pode soar como maluquice, mas esse tipo de cenário talvez seja um excelente jeito de entender, em termos imaginativos, o significado do “fim da pré-história” (coloque muitas aspas aí, é claro) para os povos nativos das Américas e, em particular, do Brasil.

Não se trata apenas de frase de efeito. Como este é o momento de amarrar as pontas da nossa história, peço que você recorde um ponto que abordamos nas distantes primeiras páginas da introdução deste livro: a ideia, ainda muito influente, de que as sociedades nativas do futuro Brasil eram simples, pouco populosas, móveis, isoladas e presas num “eterno presente” no qual nunca havia mudanças significativas. Esse retrato poderia até fazer certo sentido se a intenção fosse descrever alguns dos grupos que travaram contato com exploradores ocidentais na Amazônia entre o fim do século 19 e os anos 1970 do século 20, mas ainda assim ele é tremendamente enganoso porque, no fundo, refere-se a sobreviventes de um apocalipse em miniatura. Nesse filme de época, infelizmente, os zumbis devoradores de gente são os brasileiros de origem europeia, enquanto o papel das tribos amazônicas não é muito diferente do dos mocinhos de The Walking Dead; vale dizer, o de gente tentando manter algum simulacro do funcionamento original de sua sociedade quando as estruturas políticas forjadas por seus ancestrais e a maior parte da população à qual pertenciam já tinham virado fumaça.”

————–

Conheça o canal do blog no YouTube

Siga-me nas redes sociais: Facebook (do blog), Facebook (pessoal), Twitter, Instagram

Meu Currículo Lattes

]]>
0
Cinco apostas para os estudos sobre evolução humana em 2019 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/01/01/cinco-apostas-para-os-estudos-sobre-evolucao-humana-em-2019/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/01/01/cinco-apostas-para-os-estudos-sobre-evolucao-humana-em-2019/#respond Tue, 01 Jan 2019 13:39:27 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/Sahelanthropus_tchadensis_-_TM_266-01-060-1-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5556 Já que estamos em época de retrospectivas e prospectivas, eu também resolvi fazer minhas apostas para o ano que se inicia. Eis cinco temas da pesquisa sobre evolução humana que, com alguma sorte, podem bombar em 2019, organizados temporalmente dos mais antigos para os mais recentes:

1)Quem é Toumaï, afinal? Oficialmente, o crânio batizado com o nome científico Sahelanthropus tchadensis e apelidado de “Toumaï”, ou “esperança de vida”, é o mais antigo hominídeo, ou seja, membro da linhagem humana depois da separação entre esta e os ancestrais dos chimpanzés. (O crânio é a imagem acima.) O problema é que o bicho é muito antigo — talvez com 7 milhões de anos — e vem do Chade, um lugar considerado “fora de mão” para o cenário principal da evolução do homem, que aconteceu principalmente no leste e no sul da África em suas fases mais recuadas.

Por isso, há quem duvide que ele integre mesmo a linhagem dos ancestrais dos seres humanos. Descobertas de novos fósseis no Chade ou em regiões vizinhas, ou quiçá novas análises comparativas dos fósseis já disponíveis, podem sanar essa dúvida.

2)O mistério dos hobbits indonésios! Não, eles não tinham o sobrenome Bolseiro nem viviam na Terra-média — eram habitantes da ilha de Flores, na Indonésia, o que lhes deu o apelido de Homo floresiensis. Teriam vivido até poucas dezenas de milhares de anos atrás. De estatura (1 m) e cérebro diminutos, também dividem opiniões: há quem os ache uma espécie arcaica que encolheu por viver numa ilha, há quem os classifique como seres humanos modernos com doenças genéticas. De novo, a resposta definitiva pode vir com achados de novos fósseis — ou com análises genômicas (o que é difícil por causa do clima tropical indonésio, mas está ficando menos improvável — veja o item 5 abaixo).

3)Quando teremos o próximo genoma de hominídeos? Os cientistas estão avançando cada vez na obtenção e análise do DNA dos ancestrais do ser humano. Já temos rascunhos bastante abrangentes do genoma de neandertais e denisovanos (misteriosos hominídeos da Sibéria). Humanos arcaicos da Espanha com idade de 400 mil anos também integram a lista, mas de modo mais modesto — só foi possível, até agora, obter pedacinhos de seu DNA mitocondrial (presente nas mitocôndrias, as usinas de energia das células). Será que teremos genomas completos de novas espécies de hominídeos em 2019?

4)Quando e como surgiu o Homo sapiens? Até pouco tempo atrás, 200 mil anos atrás parecia ser a data-limite para a gênese africana da nossa espécie. Novos achados fizeram essa data recuar, segundo alguns pesquisadores, para 300 mil anos antes do presente. Será que ela é ainda mais antiga? E por que o Homo sapiens surgiu quando surgiu? E, se me permite mais uma pergunta, por que demorou tanto pra se expandir mundo afora?

5)Genômica antiga made in Brazil! Sim, por aqui também devemos ter ótimas notícias pela frente. A equipe coordenada pelo arqueólogo André Strauss, da USP, obteve financiamento da Fapesp, a fundação estadual paulista de apoio à pesquisa, para montar o primeiro laboratório de genômica pré-histórica do país. Grandes mistérios populacionais do passado brasileiro — a origem dos construtores de sambaquis do litoral, as grandes disputas entre etnias guerreiras da Amazônia antes de Cabral etc. — têm tudo para ficar um pouco menos obscuros. No ano que passou, um trabalho deles já lançou luz sobre o misterioso povo de Luzia em Lagoa Santa (MG), mostrando que eles têm parentesco distante com os indígenas atuais, diferentemente do que se pensava.

E é isso — em 2020, podem vir aqui me dizer o quanto eu estava errado 😉 Feliz Ano Novo a todos!

————–

Conheça o canal do blog no YouTube

Siga-me nas redes sociais: Facebook (do blog), Facebook (pessoal), Twitter, Instagram

Meu Currículo Lattes

]]>
0
Como a Copa de 1994 ajudou a entender a testosterona https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/16/como-a-copa-de-1994-ajudou-a-entender-a-testosterona/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/16/como-a-copa-de-1994-ajudou-a-entender-a-testosterona/#respond Tue, 16 Oct 2018 19:05:57 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/copa-1994-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5441 Se você acha que a Copa do Mundo nunca ajudou a ciência, pense de novo. Todo mundo já ouviu falar da testosterona, o mais conhecido hormônio masculino. É uma substância de efeitos complexos e multifacetados no organismo, bastante envolvida em situações de “desafio” — quando um homem se vê na situação de competir por alguma coisa, por exemplo.

Acontece que ela também está bastante relacionada a competições envolvendo grupos, mesmo que de forma totalmente indireta. E foi a histórica final entre Brasil e Itália na Copa do Mundo de 1994, nos EUA (vitória do Brasil nos pênaltis, pra quem não se lembra), que ajudou a revelar isso.

O psicólogo americano Paul Bernhardt e seus colegas saíram coletando saliva de torcedores do Brasil e da Itália antes e depois do jogo. Resultado: o teor de testosterona contido na saliva dos brasileiros subiu depois do jogo, enquanto despencou na saliva dos italianos.

E olha que ninguém estava em campo, é claro. Membros da nossa espécie têm uma capacidade de se identificar com o grupo a que pertencem tão apurada que sentem ter “ganhado” a Copa, mesmo quando não dão um único chute. E isso explica boa parte do lado sombrio — e também do lado luminoso — do que significa ser humano.

———————

Visite o novo canal do blog no YouTube!

Conheça meus livros de divulgação científica!

Conheça e curta a página do blog Darwin e Deus no Facebook

Quer saber quem sou? Confira meu currículo Lattes

Siga-me no Twitter ou no Facebook

]]>
0
Os conflitos de interesse entre pais e mães dentro do genoma https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/11/os-conflitos-de-interesse-entre-pais-e-maes-dentro-do-genoma/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/11/os-conflitos-de-interesse-entre-pais-e-maes-dentro-do-genoma/#respond Thu, 11 Oct 2018 17:11:28 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/camundonguio-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5419 Se você está boquiaberto com a notícia de que cientistas chineses produziram camundongos que têm “duas mães” e “dois pais”, acredite, eu também estou. É um feito biotecnológico impressionante, não há dúvida, mas ele foi realizado não como parte de algum plano malévolo para acabar com a heterossexualidade, mas sim, em grande parte, para tentar entender como funciona o desenvolvimento embrionário dos mamíferos. De modo especial, os resultados dão mais peso à ideia de que há uma Guerra Fria molecular entre os genes do seu pai e os da sua mãe quando você é concebido.

Como expliquei na reportagem linkada acima, tudo começa com o conceito de estampagem genômica ou “imprinting” genômico:

Grosso modo, esse processo pode ser descrito como uma espécie de carimbo molecular que acompanha as cópias de DNA vindas da mãe e do pai quando elas se juntam para dar origem a um embrião. Certos trechos de DNA materno são ativados, enquanto outros, paternos, são desativados, e vice-versa. É como se o carimbo dissesse algo como “cópia do gene paterno; favor desconsiderar e usar apenas a cópia materna”.

O curioso é que existem algumas doenças genéticas raras nas quais há uma bagunça nesse processo. E aí emerge um padrão: se um bebê teve a estampagem genômica materna “apagada”, ele tende a crescer exageradamente; se a estampagem paterna se perder, ele cresce de menos.

Isso começa a fazer muito sentido quando se considera que há um conflito de interesses evolutivo entre os sexos. Pais, é claro, não gestam seus filhos em mamíferos como nós — isso é tarefa das mães. Faz sentido, portanto, que os genes herdados do pai ajudem o bebê a “sugar” o máximo possível de recursos do organismo materno durante a gravidez.

Já a mãe, cujo sucesso reprodutivo talvez dependa da chance de ter outros filhos mais tarde, vai contrabalançar esse impulso tentando tirar alguns recursos do embrião/feto e assim guardar energia para mais tarde. Em situações normais, essas tendências se contrabalançam — mas às vezes o cabo-de-guerra termina em problemas sérios.

Voltando ao estudo divulgado hoje, o dado curioso é que o corpo e os órgãos dos camundongos gerados por dois pais são grandalhões, enquanto os dos gerados por duas fêmeas são menores que a média. Esses experimentos malucos, portanto, dão mais peso à hipótese do conflito genômico entre os sexos.

———————

Visite o novo canal do blog no YouTube!

Conheça meus livros de divulgação científica!

Conheça e curta a página do blog Darwin e Deus no Facebook

Quer saber quem sou? Confira meu currículo Lattes

Siga-me no Twitter ou no Facebook

]]>
0
O que distingue uma espécie inteligente de um animal? Compaixão https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/02/o-que-distingue-uma-especie-inteligente-de-um-animal-compaixao/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/02/o-que-distingue-uma-especie-inteligente-de-um-animal-compaixao/#respond Tue, 02 Oct 2018 16:33:59 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/1024px-Scott_Card-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5378 Ou, pelo menos, é o que creio que aprendi ao ler “Speaker for the Dead” (em português do Brasil ficou “Orador dos Mortos”), do escritor de ficção científica americano Orson Scott Card (em primeiro plano na foto acima). O sujeito lançou uma série de polêmicas nos últimos anos com declarações homofóbicas e uma oposição meio biruta ao governo Obama, mas “Speaker for the Dead” é um primor. É o que a ficção científica realmente deveria ser: força narrativa e profundidade filosófica mescladas num todo viciante. Mas o que me pegou pelos colarinhos foi a pseudoepígrafe do livro, um trecho de outro “livro ficcional dentro do livro” que é uma reflexão sobre o que significa ser humano, e ser uma criatura racional, num Universo tão vasto quanto o nosso:

“Já que ainda não estamos totalmente confortáveis com a ideia de que pessoas do vilarejo vizinho são tão humanas quanto nós mesmos, é presunçoso ao extremo supor que algum dia seríamos capazes de observar criaturas sociáveis e criadoras de ferramentas que surgiram de outras trajetórias evolutivas e ver não feras, mas irmãos, não rivais, mas companheiros de peregrinação rumo ao santuário da inteligência.

Contudo, é isso o que vejo, ou o que anseio por ver. A diferença entre ‘raman’ [criatura racional] e ‘varelse’ [animal não racional] não está na criatura julgada, mas na criatura que julga. Quando declaramos que uma espécie diferente é ‘raman’, não significa que eles atravessaram um limiar de maturidade moral. Significa que nós o atravessamos.”

Em dias como estes que vivemos, pensar nisso me conforta um pouco. Quem não mira no alto não acerta nem no meio.

]]>
0
Brasileiro cria ‘minicérebros’ com gene de neandertais nos EUA https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/06/21/brasileiro-cria-minicerebros-com-gene-de-neandertais-nos-eua/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/06/21/brasileiro-cria-minicerebros-com-gene-de-neandertais-nos-eua/#respond Thu, 21 Jun 2018 14:48:44 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/Sapiens_neanderthal_comparison-320x213.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5194 É difícil evitar o clichê: parece coisa de ficção científica. Hoje, já temos informações detalhadas sobre como era o genoma dos neandertais (Homo neanderthalensis), primos de primeiro grau dos seres humanos de hoje que sumiram há cerca de 30 mil anos. Também sabemos como usar células-tronco para produzir versões em miniatura e muito simplificadas do córtex cerebral (a camada mais externa do cérebro). E sabemos como alterar genes com relativa precisão. Junte tudo isso e você tem o quê? “Minicérebros neandertalizados”, propõe um pesquisador brasileiro que trabalha nos EUA.

Isso significa que agora “temos cérebros de neandertais em laboratório”? NÃO, definitivamente não. O trabalho de Alysson Muotri, biólogo paulista que hoje é professor da Universidade da Califórnia em San Diego, investiga apenas um pequeno aspecto de como seria o sistema nervoso de nossos parentes arcaicos — mas ainda assim é interessantíssimo, claro.

Recapitulando, a coisa funciona da seguinte maneira:

1)Muotri e seus colegas fizeram uma comparação da “biblioteca” de genes de humanos e neandertais. A semelhança entre os dois genomas é altíssima, de modo geral, mas aqui e ali existem diferenças, incluindo em trechos do DNA que estão associados ao desenvolvimento do sistema nervoso. Os pesquisadores pinçaram inicialmente um desses genes, o NOVA1. Ele contém a receita para a produção de uma proteína que se liga ao RNA — a molécula-irmã do DNA — apenas em neurônios. Como a presença do RNA é uma medida de como e quando genes estão mesmo “ativos” nas células, a proteína do NOVA1 na verdade atua como uma espécie de chave-mestra para vários outros genes, daí o interesse por ela. E o interessante é que a diferença entre os genomas neandertal e humano nesse gene é de apenas UMA letra química de DNA. Fácil de mexer, em tese.

2)Eles empregaram a técnica de edição de genomas Crispr para fazer justamente essa alteração em células derivadas da pele de pacientes humanos modernos normais (até porque não tinha pele de neandertal pra isso, certo?).

3)As alterações, além de dar a essas células a versão neandertal do gene, também as reverteram a um estudo similar ao embrionário, que permitiu que o desenvolvimento delas fosse direcionado para a formação de células do sistema nervoso.

4)Isso feito, eles usaram técnicas de laboratório bem estabelecidas para fazer com que elas formassem os tais minicérebros ou organoides cerebrais — “neanderoides”, segundo Muotri. Esses órgãos de laboratório possuem uma série de propriedades interessantes, entre as quais a possibilidade de simular as conexões entre as células, ou seja, como elas “conversam”.

5)E, de fato, há uma série de diferenças curiosas entre os minicérebros dos neandertais e os gerados a partir de células humanas. Até o formato é um pouco diferente — e a interação entre os neurônios com o gene neandertal é menos intensa do que entre as células humanas.

Vale ressaltar, e muito, que isso é só o começo. Alterar um único gene está muito, muito longe de nos dizer qual seria a diferença essencial entre neandertais e humanos, ou “o que nos faz humanos”, como diriam os mais grandiloquentes. As condições dos minicérebros em laboratório são muito úteis, mas estão muito distantes de simular um cérebro vivo real. De qualquer modo, podemos aprender muito com eles.

]]>
0
Um guia para entender as civilizações perdidas da Amazônia https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/06/20/um-guia-para-entender-as-civilizacoes-perdidas-da-amazonia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/06/20/um-guia-para-entender-as-civilizacoes-perdidas-da-amazonia/#respond Wed, 20 Jun 2018 18:28:16 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/09/xingucity-180x135.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5189 Pois é, “civilizações”, no plural. Arqueólogos do Brasil e do exterior estão mostrando que o passado da Amazônia foi muito mais complexo do que se imaginava até poucas décadas atrás. Escrevi um resumão desses achados fascinantes para a revista Aventuras na Históriaque também serve de aperitivo para meu livro “1499, o Brasil Antes de Cabral” (disponível na Livraria da Folhaentre outros lugares, por um precinho camarada). Confira a reportagem abaixo — e, se possível, o livro também!

—————

O paulista Antônio Pires de Campos era um sujeito esquisito: um bandeirante que sabia escrever, e até bem. Em 1723, ele pôs no papel um relato sobre suas aventuras em Mato Grosso, nas quais chegou até as cabeceiras do rio Tapajós, incluindo uma passagem deslumbrada sobre a região que apelidara de “Reino dos Parecis”. Vale a pena lê-la:

“É esta gente em tanta quantidade, que se não podem numerar as suas povoações ou aldeias, muitas vezes em um dia de marcha se lhe passam dez e doze aldeias (…) estes todos vivem de suas lavouras, no que são incansáveis, e as lavouras em que mais se fundam são mandiocas, algum milho e feijão, batatas, muitos ananases, e singulares em admirável ordem plantados (…) muito asseados e perfeitos em tudo que até as suas estradas fazem muito direitas e largas, e as conservam tão limpas e consertadas que se lhe não achará nem uma folha.”

Em 27 de março deste ano, arqueólogos do Brasil e do Reino Unido publicaram dados na revista científica Nature Communications mostrando que não, Pires de Campos não tinha tomado algumas cachaças a mais quando enxergou esse cenário de organização agrícola quase alemã em plena Amazônia. Imagens de satélite e escavações permitiram que os pesquisadores identificassem 81 sítios arqueológicos até então desconhecidos no Alto Tapajós (um pouquinho ao norte da região visitada pelo bandeirante). As aldeias dessa região, provavelmente construídas alguns séculos antes do contato com os europeus, abrigavam uma população combinada que ficaria entre 500 mil e 1 milhão de habitantes, calculam eles.

Os povoamentos, que chegavam a ocupar até 20 hectares (cada hectare corresponde à área de um campo de futebol) eram circulares, cercados por valas e diques defensivos, possivelmente completados com muralhas de troncos de madeira. Monumentos feitos com montes artificiais de terra (chamados de mounds, em inglês) estavam presentes em várias das aldeias, assim como estradas.

As descobertas são importantes, mas não passam de uma pecinha num quebra-cabeças que está ficando cada vez mais coerente conforme as pesquisas arqueológicas se intensificam na Amazônia. “O mais importante é que os nossos dados fecham um buraco no mapa”, diz Jonas Gregorio de Souza, pesquisador brasileiro da Universidade de Exeter (Reino Unido) que é um dos autores do novo estudo. De fato, super-aldeias que mais pareciam cidades foram identificadas na década passada a leste dos novos achados, no Alto Xingu; a oeste, no Acre, já foram achados mais de 500 geoglifos – desenhos geométricos no chão que, ao que tudo indica, são os restos de centenas de centros cerimoniais pré-colombianos.

Repare que todos os complexos arqueológicos que citei até agora ficam na periferia sul da região amazônica. Há achados igualmente intrigantes na calha principal do rio Amazonas e de seus afluentes, em lugares como a ilha de Marajó, a região de Santarém (PA) e a Amazônia Central, perto de Manaus e do célebre “encontro das águas” dos rios Negro e Solimões. Embora a presença de amazonas de verdade (as mulheres guerreiras da mitologia grega, que extirpavam um de seus seios para usar melhor o arco e só se encontravam com homens para fins reprodutivos) muito provavelmente seja fruto da imaginação hiperativa de frei Gaspar de Carvajal, dominicano espanhol que foi o primeiro cronista europeu a atravessar a região em 1542, muitos outros dados relatados por Carvajal e outros autores dos primeiros séculos são verdadeiros. Cheia de gente e de monumentos, culturalmente vibrante e economicamente dinâmica: essa era a Amazônia pré-colombiana.

Tangas e cobras

O exemplo mais bem estudado dessas civilizações amazônicas talvez seja o da região leste da ilha de Marajó. Uma série de acasos geográficos fez com que essa área fosse repleta de campos alagáveis que lembram mais o Pantanal do que a imagem que normalmente temos da Amazônia. Mais ou menos a partir do ano 500 d.C., os moradores da região desenvolveram um sistema de construção de mounds (conhecidos por lá como “tesos”) e de represas que lhes permitia escapar enxutos à fase das cheias, de janeiro a junho, e controlar o suprimento de peixes que saíam do curso normal dos rios para desovar durante a inundação.

Tudo indica que, no alto dos tesos, desenvolveu-se uma cultura aristocrática baseada no controle dos recursos pesqueiros. A arte funerária em cerâmica feita para os senhores de Marajó é uma das mais requintadas das Américas, com motivos estilizados da fauna – em especial as curvas e as escamas de serpentes como a sucuri. Tangas de cerâmica com diferentes decorações parecem ter sido usadas em cerimônias ligadas aos diferentes estágios da vida feminina, levando em conta a simbologia da fertilidade nesses desenhos. A disposição geográfica dos mounds marajoara parece ter sido cuidadosamente planejada para proteger certos tesos maiores, que seriam centros cerimoniais e de moradias aristocráticas, e cercar as represas nas quais alevinos eram criados.

Subindo o rio, nas regiões das atuais Santarém (mais a leste) e Manaus (mais a oeste), os últimos séculos antes da chegada dos europeus viram um grande crescimento demográfico, a intensificação da atividade agrícola e, principalmente, do uso dos ricos recursos pesqueiros amazônicos. Santarém, em particular, tinha “complexidade e escala urbanas”, segundo a arqueóloga americana Anna Roosevelt (sim, parentes daqueles Roosevelt presidenciais), da Universidade de Chicago em Illinois. Seriam 15 quilômetros quadrados de área construída, com a produção intensiva de cerâmica ritual e dos famosos muiraquitãs, amuletos de pedra semipreciosa esverdeada (muitas vezes no formato de anfíbios) que circulavam por boa parte da América do Sul e até pelo Caribe como objetos de alto valor – mal comparando, como se fossem iPhones mágicos.

Mas, por enquanto, as marcas mais impactantes da presença humana na floresta vêm do Alto Xingu. Michael Heckenberger, antropólogo da Universidade da Flórida em Gainesville, junto com Carlos Fausto e Bruna Franchetto, do Museu Nacional da UFRJ, mostraram que, em primeiro lugar, havia cerca de dez vezes mais povoados indígenas na região antes do século 16 e que, de quebra, as maiores entre essas aldeias eram dez vezes mais populosas que suas equivalentes modernas, chegando a ter milhares de habitantes, similares a pequenas cidades medievais ou da Grécia Antiga.

Dados de satélite mostram estruturas cuidadosamente planejadas ordenando a antiga paisagem do Alto Xingu. As maiores aldeias, que provavelmente eram centros religiosos com até dois “terreiros” para festas sagradas, serviam como ponto de partida para uma rede de estradas que as cortava nos sentidos leste-oeste, norte-sul e direções secundárias em ângulos de 45 graus. Tais estradas chegavam a ter 50 metros de largura, estendiam-se por vários quilômetros e contavam com pontes e “acostamentos” feitos com terra. Esses grandes povoados contavam ainda com muralhas de toras de madeira, controlavam o cultivo de grandes lavouras de mandioca e pomares de pequi e, tal como em outros lugares da Amazônia, lagoas artificiais para a prática da piscicultura e a criação de tartarugas, cobiçadas por sua carne e seus ovos. Levando em conta todas essas evidências, estima-se que a população amazônica na época do contato com os europeus pudesse chegar a 8 milhões de habitantes (conta que inclui as áreas do ecossistema nos países vizinhos do Brasil). Como comparação, o Brasil só chegou perto da casa dos 10 milhões de habitantes no fim do século 19.

Sementes de línguas

Uma pista crucial da importância da Amazônia como berço de civilizações vem da linguística. Entre os povos nativos da América do Sul, a diversidade de idiomas é a regra. Nosso pedaço do continente tem cerca de uma centena de famílias linguísticas, o que dá pouco menos de um quarto do total mundial. Desse conjunto, nada menos que 50% corresponde a famílias de um único membro, as chamadas línguas isoladas, que não possuem parentes conhecidos.

E daí? Bem, a comparação com o Velho Mundo pode ser instrutiva nesse aspecto. Na Europa inteira, há uma única língua isolada (o basco, na Espanha), e quase todas as falas por lá descendem do tronco linguístico indo-europeu, o qual, como o nome indica, também ocorre na Índia, no Irã e em outros lugares da Ásia. Acredita-se que as línguas indo-europeias tenham alcançado tamanho sucesso graças a alguma vantagem competitiva de que gozavam seus falantes originais – hoje, a hipótese mais aceita é a de que esse “algo a mais” em favor deles tenha sido a domesticação do cavalo, conferindo aos primeiros indo-europeus o equivalente pré-histórico de tanques de guerra.

Expansões linguísticas similares podem ser vistas no Extremo Oriente – caso dos vários dialetos chineses, falados numa área gigantesca por mais de 1 bilhão de seres humanos – e na África, onde os idiomas bantos se espalham de Camarões à África do Sul. Nesses dois exemplos, a vantagem de tais grupos parece ter vindo do desenvolvimento de pacotes agrícolas pré-históricos muito eficientes, que permitiram que os ancestrais dos Han (grupo étnico dominante da China) e dos bantos se multiplicassem mais do que seus concorrentes, derrotando e/ou assimilando as populações que estavam no seu caminho.

A diversidade linguística sul-americana indicaria que nada parecido jamais aconteceu por aqui? Mais ou menos. Por um lado, de fato, nenhum grupo talvez tenha tido vantagens competitivas tão avassaladoras quanto os indo-europeus. Mas algumas famílias linguísticas, por outro lado, têm distribuições que abarcam milhares de quilômetros e dezenas de idiomas. “Quando a gente olha com mais calma, percebe que ocorreram expansões sul-americanas que não ficam nada a dever a esses processos do Velho Mundo”, diz Jonas de Souza. E é nesse ponto que a coisa fica interessante: quase todos esses grupos têm origem amazônica.

O mais famoso é um velho conhecido de qualquer pessoa no Brasil: os Tupi e Guarani, que se espalhavam por quase toda a costa brasileira (e um bom pedaço da uruguaia), bem como por pedaços substanciais do Paraguai e trechos da Amazônia, no começo do século 16. É praticamente certo, com base nos dados de diversidade linguística, que esse grupo tenha surgido na atual Rondônia alguns milênios antes do nascimento de Cristo.

Já as etnias da família linguística Aruak (que pode ter surgido no noroeste da Amazônia ou em outros locais da bacia) têm distribuição geográfica ainda mais ampla, da Bolívia ao Caribe. Os Taino, primeiros indígenas com quem Colombo topou em 1492, pertenciam a esse grande grupo; aliás, um estudo genético recente mostrou que eles eram parentes próximos dos Palikur, uma tribo que ainda vive no Amapá. E, a propósito, os mares caribenhos ganharam esse nome graças aos Carib, membros de outra família linguística de ampla distribuição e raízes amazônicas que também acabou navegando para a América Central e colonizou certas ilhas por lá. As alianças multiétnicas que hoje caracterizam o Alto Xingu envolvem principalmente grupos Aruak e Carib; acredita-se que um sistema parecido com o que existe hoje, mas numa escala muito maior, teria sido o responsável pela criação dos monumentos xinguanos da Idade Média, talvez sob coordenação original dos Aruak, grupo com tradição em comércio de longa distância e diplomacia em outros pontos da bacia amazônica.

A única grande família linguística nativa do atual Brasil que não tem essa associação próxima com a Amazônia é a Macro-Jê, mais típica da região central do país e de áreas do interior das regiões Sul e Sudeste (exemplos são, respectivamente, os Xavante e os Kaingang). “Mesmo assim, tenho colegas que trabalham com linguística que enxergam a maior diversidade Macro-Jê na fronteira sul da Amazônia”, aponta Souza – e essa é uma pista crucial a respeito do local de origem de uma família de idiomas: em geral, a área com a maior diversidade costuma ser o berço de um grupo, basicamente porque ele existiu ali por mais séculos e, com isso, teve mais tempo para se diversificar.

Considerando o que sabemos sobre outras expansões linguísticas mundo afora, faz sentido imaginar que as etnias amazônicas saíram na frente graças às suas práticas agrícolas, ao menos em parte. E, de fato, várias plantas importantes parecem ter sido domesticadas inicialmente na Amazônia ou em regiões próximas, espalhando-se de lá para o resto do continente. A lista inclui a mandioca, o abacaxi, o cacau, o amendoim e uma série de palmeiras frutíferas, como a pupunha – no total, calcula-se que mais de 80 espécies amazônicas acabaram sendo adaptadas para o uso humano. Além disso, o milho, vindo do México, obrigatoriamente teve de passar pelo território amazônico antes de chegar às demais regiões sul-americanas. Com tanta diversidade nas mãos, os grupos que deixaram o berço amazônico carregavam consigo um pacote tecnológico adaptado a diversos ambientes de floresta tropical – o que teria ajudado os Tupi e Guarani a colonizar regiões de mata atlântica, análogos costeiros da Amazônia, argumenta Souza.

Mistérios do colapso

Explicar o abismo entre o passado revelado pela arqueologia e o chamado presente etnográfico – ou seja, as condições relativamente modestas das sociedades amazônicas nos últimos séculos – envolve certa dose de conjecturas. Mais uma vez, é importante não enxergar a Amazônia como um único grande bloco civilizacional: até onde sabemos, cada região tinha sua própria dinâmica econômica e política, e não faz sentido esperar que todas caminhassem juntas.

Em Marajó, por exemplo, os aristocratas construtores de tesos parecem ter deixado de controlar os recursos pesqueiros e a vida ritual do leste da ilha cerca de dois séculos antes do primeiro contato com os europeus. Nessa época, cessam tanto o planejamento de novas estruturas monumentais quanto a produção em massa da arte marajoara “clássica”. Por quê?

Não está claro – há quem fale em flutuações climáticas que poderiam ter alterado o regime das cheias e, portanto, o controle dos recursos ligados a esses eventos do qual dependiam as chefias de Marajó. Mais ou menos na mesma época, as pistas trazidas pela cerâmica apontam para a chegada de forasteiros de idioma Aruak à ilha, o que pode ter ocasionado conflitos (apesar da fama de bonzinhos dos canoeiros Aruak) e alguma forma de caos político. Por outro lado, alguém mais cético e mal-humorado poderia observar que mudança climática e tribos invasoras são os mais tradicionais curingas da pesquisa arqueológica, invocados de modo meio genérico toda vez que algum processo catastrófico misterioso precisa ser explicado. Sem mais e melhores dados, fica difícil apontar o que é mais provável.

Da mesma forma, o trabalho de arqueólogos como Eduardo Góes Neves, da USP, indica que o auge das grandes aldeias da Amazônia Central veio pouco depois do ano 1000 do nosso calendário. Nos séculos seguintes, há sinais sinistros de conflito e de declínio: a área ocupada em alguns sítios arqueológicos encolhe, outros ganham paliçadas, valas e até sistemas defensivos que tentam transformar a ponta de uma península em ilha, separada da terra firme. Para Neves e seus colegas, em vez de uma progressão constante rumo a uma complexidade social cada vez maior, várias regiões da Amazônia passavam por processos de natureza mais cíclica, alternando crescimento populacional e centralização política com fases de população menor, mais dispersa e mais igualitária.

Essas ressalvas são importantes, mas o fato é que, no momento do contato com os europeus, todas as evidências apontam para uma região amazônica com população relativamente densa em quase todos os lugares. Como explicar, então, as transformações que levaram à feição atual das etnias da Amazônia, com suas sociedades relativamente móveis, igualitárias e de pequena escala? Se o que vemos em outros lugares das Américas pode servir de guia, a resposta para o enigma é simples: doenças infecciosas. Com efeito, um paradoxo muito similar ao amazônico também ocorreu no vale do rio Mississipi, nos atuais Estados Unidos. Os relatos de exploradores espanhóis do século 16, confirmados pela arqueologia, também falam em grandes populações e monumentos – muitos deles são mounds, vagamente similares aos de Marajó –, mas o cenário muda radicalmente do século 18 em diante, com o desaparecimento quase completo da monumentalidade e das organizações sociais complexas. A ideia é que os primeiros contatos com os invasores ibéricos, em ambos os lugares, teriam sido suficientes para desencadear a transmissão de micróbios do Velho Mundo contra os quais não tinham defesas biológicas.

Sarampo, varíola, gripe e outros assassinos microscópicos dizimaram os povos que encontraram as primeiras expedições – e também outros grupos que nem chegaram a ver um europeu, mas tinham contatos comerciais, diplomáticos ou bélicos com os visitados por espanhóis ou portugueses. Esse telefone sem fio epidemiológico está comprovado, aliás, no caso mais documentado do Império Inca. Antes que Francisco Pizarro e seu bando de aventureiros espanhóis iniciasse a conquista desse Estado andino, uma epidemia de varíola vinda dos territórios já conquistados pela Espanha ao norte matou milhares de habitantes dos domínios incas, incluindo possivelmente o próprio imperador Huayna Capac e outros membros da família real.

Algo muito parecido deve ter acontecido na Amazônia brasileira. É inegável que os povos indígenas atuais são herdeiros de milhares de anos da adaptação humana à floresta, mas a ironia é que suas sociedades atuais também podem ser descritas como sobreviventes de um apocalipse em miniatura. Ainda vai ser preciso muito trabalho para recuperar um quadro mais completo do mundo que esses povos perderam depois de 1500.

]]>
0