Darwin e Deus https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas Mon, 15 Nov 2021 14:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Dicas para navegar nos 12 livros da série A História da Terra-média https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/10/29/dicas-para-navegar-nos-12-livros-da-serie-a-historia-da-terra-media/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/10/29/dicas-para-navegar-nos-12-livros-da-serie-a-historia-da-terra-media/#respond Fri, 29 Oct 2021 20:52:31 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/morgs-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6675 Estou participando de um esforço hercúleo: a tradução dos 12 volumes, cada um deles com 400 páginas ou mais, da série “A História da Terra-média”, que documenta toda a evolução do universo ficcional de J.R.R. Tolkien, criador de “O Senhor dos Anéis”.

O que o leitor brasileiro pode esperar em relação ao conteúdo dessas obras? É o que tento explicar no nosso novo vídeo.

Como de costume, agradeço as curtidas, comentários e inscrições no canal!

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Fantasia, maturidade e como crescer ou não com os personagens de uma história https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/05/21/fantasia-maturidade-e-como-crescer-ou-nao-com-os-personagens-de-uma-historia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/05/21/fantasia-maturidade-e-como-crescer-ou-nao-com-os-personagens-de-uma-historia/#respond Fri, 21 May 2021 14:14:33 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/earthseacomplete.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6622 Uma passada rápida por aqui apenas para compartilhar uma pepita de ouro da sabedoria da maga-escritora Ursula K. Guin (1929-2018), autora da série Earthsea/Terramar, de “A Mão Esquerda da Escuridão” e de tantos outros clássicos da fantasia e da ficção científica:

“A ideia de que a fantasia é apenas para os imaturos surge de uma incompreensão obstinada tanto da maturidade quanto da imaginação. Assim, conforme meus protagonistas ficavam mais velhos, tive a confiança de que meus leitores mais jovens iriam acompanhá-los, ou não, como e quando o escolhessem. Num mundo editorial guiado pela publicidade, isso representava um risco real, e sou muito grata aos editores que assumiram esse risco comigo.”

Se o leitor me permite, aqui vai mais uma frase lapidar de nossa feiticeira sobre o tema:

“Quanto à acusação de escapismo, o que o escape significa? O escape da vida real, da responsabilidade, da ordem, do dever, da reverência – é isso o que a acusação implica. Mas ninguém, exceto os mais criminalmente irresponsáveis ou pateticamente incompetentes, escapa para a prisão. A direção do escape é rumo à liberdade.”

Volto em breve com posts mais substanciais, espero.

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Reis neandertais na Idade Média em livro de fantasia alternativa https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/01/11/reis-neandertais-na-idade-media-em-livro-de-fantasia-alternativa/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/01/11/reis-neandertais-na-idade-media-em-livro-de-fantasia-alternativa/#respond Mon, 11 Jan 2021 17:36:56 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/neanderthal-king-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6518 Por essa eu não esperava: guerreiros neandertais na Idade Média (?!).

Ao menos é o que diz o resumo do livro do escritor americano Matt Ward, batizado de “Neanderthal King” (“Rei Neandertal”):

“O ano é 1107, e o império neandertal, antes poderoso, agora não existe mais, destruído pelo sombrio rei sapien, Isaac, o mesmo bastardo que massacrou os jovens herdeiros da rainha thal. Um revés brutal do poder medieval, forjado em sangue e alimentado pela ingenuidade sap.

Mas um bebê escapou da ira do rei louco.

Criado como filho de um simples pastor thal, Maralek é um rapaz durão com o temperamento e orgulho ferozes de seu povo arruinado, um desprezo por regras e governantes, e menos do que um pouco de criatividade em seu crânio espesso. Numa palavra, o típico neandertal.”

Achei especialmente divertido o jeito como o autor usa versões curtas dos nomes de espécies — “sap” para “sapiens” (ou “sapien”, sem s — dica, o “s” aí não é plural), “thal” para neandertal e assim vai.

Não tem como esse negócio ser bom, certo? Mas parabéns ao autor pela coragem, pelo menos.

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Os gêneros do jornalismo científico e a gênese das distopias https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/10/21/os-generos-do-jornalismo-cientifico-e-a-genese-das-distopias/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/10/21/os-generos-do-jornalismo-cientifico-e-a-genese-das-distopias/#respond Wed, 21 Oct 2020 15:40:55 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/oryx-and-crake-atwood-featured-e1580262840758-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6441 Mais uma passada veloz aqui pelo blog para recomendar modestamente aos leitores dois vídeos dos quais participei. No primeiro, foi convidado pela grande Mariluce Moura, um dos nomes mais influentes do jornalismo científico brasileiro, para falar com seus alunos do Labjor, na Unicamp, sobre como é escrever sobre ciência pra diferentes formatos, dos blogs aos livros. Eis aqui a pequena palestra e a sessão de perguntas e respostas:

E foi com muito gosto que participei do programa Metrópolis, da TV Cultura, para falar de distopias. Sabe como é, esse negócio que estamos vivendo hoje e parecia ficção pura.

Espero que gostem!

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Como a mitologia inventada de J.R.R. Tolkien conquistou o mundo https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/10/31/como-a-mitologia-inventada-de-j-r-r-tolkien-conquistou-o-mundo/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/10/31/como-a-mitologia-inventada-de-j-r-r-tolkien-conquistou-o-mundo/#respond Thu, 31 Oct 2019 15:56:13 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/silma-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6000 Alguns meses atrás, tive a felicidade de fazer uma palestra sobre uma das minhas grandes paixões, a obra de J.R.R. Tolkien, o autor de “O Senhor dos Anéis”, para um belo teatro lotado durante a Rio2C, conferência sobre criatividade realizada na Cidade Maravilhosa.

Meu objetivo foi explicar a receita que permitiu a Tolkien conquistar o mundo com suas obras. Eis o vídeo da palestra na íntegra.

Mas qual seria a receita tolkieniana? Eis o top 5:

1)Crie em detalhes idiomas inventados;

2)Ressuscite mitos e lendas esquecidos;

3)Nenhum detalhe é demais: arquitete um mundo que pareça real;

4)Medo de spoilers é para os fracos;

5)Aposte na compaixão.

Para saber mais detalhes e acompanhar a enriquecedora discussão que tive com o pessoal presente, é só assistir ao vídeo.

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Fantasia versus ficção científica e as duas culturas: um debate nerd https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/14/fantasia-versus-ficcao-cientifica-e-as-duas-culturas-um-debate-nerd/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/14/fantasia-versus-ficcao-cientifica-e-as-duas-culturas-um-debate-nerd/#respond Sat, 14 Sep 2019 13:41:55 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Dont_Panic_towel-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5926 Já faz bastante tempo, mas no último Dia da Toalha, ou Dia do Orgulho Nerd, participei de um bate-papo com o físico e entusiasta da ficção científica Osame Kinouchi, da USP de Ribeirão Preto, sobre o suposto abismo entre fantasia e ficção científica, ou entre ciência e mitologia, como queiram. Conversamos com o pessoal na Livraria da Travessa de Ribeirão, um espaço muito bacana. Será que a fantasia é inimiga da ciência? Ou sua aliada? As opiniões divergem, mas o papo foi bom. Confira a íntegra no misto de vídeo e podcast abaixo.

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A Origem das Histórias: evolução humana, ficção, fantasia e ciência https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/11/a-origem-das-historias-evolucao-humana-ficcao-fantasia-e-ciencia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/11/a-origem-das-historias-evolucao-humana-ficcao-fantasia-e-ciencia/#respond Wed, 11 Sep 2019 13:01:57 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Raven_Rattle_19th_century_05.588.7292-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5910 Seres humanos, em todas as épocas e lugares, são apaixonados por contar histórias imaginadas, tanto as “realistas” quanto as que envolvem fantasia ou ficção científica. Como diabos isso aconteceu conosco ao longo da evolução, e como ciência e ficção podem dialogar? Tentei abordar brevemente esses temas numa palestra que proferi durante a 23a. Jornada de Letras da UFSCar, aqui em São Carlos (SP). Abaixo, temos a íntegra do áudio da minha fala, em formato de vídeo do YouTube (é, eu sei que é estranho).

Abaixo, os trechos de livros lidos durante a palestra.

J.R.R. Tolkien, Sobre Estórias de Fadas (a tradução é minha, deve sair no ano que vem):

“A mente encarnada, a língua e a estória são, no nosso mundo, coevas. A mente humana, agraciada com os poderes da generalização e da abstração, vê não apenas grama-verde, discriminando-a de outras coisas (e achando-a bela de contemplar), mas vê que é verde bem como é grama. Mas quão poderosa, quão estimulante para a própria faculdade que a produziu, foi a invenção do adjetivo: nenhum feitiço ou encantamento em Feéria é mais potente. E isso não é surpreendente: tais encantamentos poderiam, de fato, ser considerados apenas outra visão dos adjetivos, uma classe de palavras numa gramática mítica. A mente que pensou em leve, pesado, cinza, amarelo, parado, veloz também concebeu magia que tornaria as coisas pesadas leves e capazes de voar, transformaria chumbo cinza em ouro amarelo, e a pedra parada em água veloz. Se podia fazer uma coisa, podia fazer a outra: inevitavelmente fez ambas. Quando conseguimos abstrair o verde da grama, o azul do céu e o vermelho do sangue, temos já um poder encantatório – em certo plano; e o desejo de empunhar esse poder no mundo externo às nossas mentes desperta.”

Sidarta Ribeiro, O Oráculo da Noite: A História e a Ciência do Sonho:

“Os mitos sobre a origem do mundo, muito recentes na evolução da espécie, derivam da expansão sem precedentes da nossa capacidade de representar entidades reais e imaginárias, humanas e feras, sincretizadas aos nossos ancestrais. Foi quase inevitável a mistura com outros seres, plantas e acidentes geográficos, pois durante o sonho nada impede que essas representações se fundam. Naturalmente essa fabulosa fauna mental se apresentou em inúmeras manhãs à consciência vígil de nossos ancestrais boquiabertos. A consequência foi a ampla prevalência do zoomorfismo na cultura humana. Desde que somos gente, somos bicho.”

Edward Osborne Wilson, O Futuro da Vida:

“Legamos a vocês as selvas sintéticas do Havaí e a vegetação rasteira onde antes vicejava a prodigiosa Floresta Amazônica, junto com alguns remanescentes de habitats selvagens aqui e ali, que escolhemos não destroçar. O seu desafio é criar novos tipos de plantas e animais por meio da engenharia genética e, de algum modo, encaixá-los juntos em ecossistemas artificiais de vida livre. Entendemos que um feito desses pode se mostrar impossível. Estamos certos de que, para muitos de vocês, o mero fato de pensar nisso provocará repugnância. Boa sorte. E, se forem em frente e tiverem sucesso em tal empreitada, lamentamos que aquilo que manufaturarem nunca poderá ser tão satisfatório quanto a criação original. Aceitem nossas desculpas e esta biblioteca audiovisual que ilustra o mundo maravilhoso que costumava existir.”

Robert Sapolsky, Memórias de Um Primata:

“E a peste levou Saul, que morreu em meus braços, como descrevi numa história anterior.
E a peste levou Davi.
E Daniel.
E Gideão.
E Absalão.
E a peste levou Manassés, que morreu na frente de um grupo de funcionários do hotel, que gargalharam ao vê-lo sofrer.
E a peste levou Jessé.
E Jônatas.
E Sem.
E Adão.
E a peste levou meu Benjamim.”

Reinaldo José Lopes, 1499: O Brasil Antes de Cabral:

“Acho impossível que um habitante das primeiras décadas do século 21 tenha ficado imune à atual onda de narrativas de ficção (nas livrarias, no cinema, na TV, na internet) que andam nos soterrando com imagens “pós-fim do mundo”. São quadrinhos que viram série de televisão, best-sellers para adolescentes que viram filme e incontáveis outras variações do mesmo tema: Jogos Vorazes, The Walking Dead, Divergente e até a ressurreição de Mad Max (sou capaz de apostar que você consegue ao menos dobrar o número de itens dessa lista sem muito esforço). De repente, a chamada distopia pós-apocalíptica – ou seja, a ideia de que, para todos os efeitos, o mundo como o conhecíamos acabou, e os sobreviventes da catástrofe vivem num ambiente assustador e brutalmente transformado – parece ter ganhado o status de gênero narrativo dominante de nosso tempo. O que direi agora pode soar como maluquice, mas esse tipo de cenário talvez seja um excelente jeito de entender, em termos imaginativos, o significado do “fim da pré-história” (coloque muitas aspas aí, é claro) para os povos nativos das Américas e, em particular, do Brasil.

Não se trata apenas de frase de efeito. Como este é o momento de amarrar as pontas da nossa história, peço que você recorde um ponto que abordamos nas distantes primeiras páginas da introdução deste livro: a ideia, ainda muito influente, de que as sociedades nativas do futuro Brasil eram simples, pouco populosas, móveis, isoladas e presas num “eterno presente” no qual nunca havia mudanças significativas. Esse retrato poderia até fazer certo sentido se a intenção fosse descrever alguns dos grupos que travaram contato com exploradores ocidentais na Amazônia entre o fim do século 19 e os anos 1970 do século 20, mas ainda assim ele é tremendamente enganoso porque, no fundo, refere-se a sobreviventes de um apocalipse em miniatura. Nesse filme de época, infelizmente, os zumbis devoradores de gente são os brasileiros de origem europeia, enquanto o papel das tribos amazônicas não é muito diferente do dos mocinhos de The Walking Dead; vale dizer, o de gente tentando manter algum simulacro do funcionamento original de sua sociedade quando as estruturas políticas forjadas por seus ancestrais e a maior parte da população à qual pertenciam já tinham virado fumaça.”

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Zoologia e mito se encontram no livro “Em Busca de Watership Down” https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/02/07/zoologia-e-mito-se-encontram-no-livro-em-busca-de-watership-down/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/02/07/zoologia-e-mito-se-encontram-no-livro-em-busca-de-watership-down/#respond Wed, 07 Feb 2018 13:24:06 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/02/Watership-Down_Classic-Book-Cover-design-150x150.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4808 Retomamos o canal do blog no YouTube com série nova! “Clássicos da fantasia e da ficção científica” vai analisar grandes obras dessas duas tradições literárias. Pra começar, vamos de “Em Busca de Watership Down”, do britânico Richard Adams, um livro de 1972 que só chegou ao Brasil no ano passado. É sensacional — nada menos que a Eneida, só que com coelhinhos no lugar dos guerreiros troianos. O vídeo está logo aqui embaixo.

E, pra quem prefere a versão escrita, abaixo temos a minha resenha do livro que saiu na Folha impressa.

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É mais ou menos como a “Eneida”, só que com coelhinhos no lugar dos guerreiros troianos que tentam escapar da destruição anunciada de seu antigo lar.

Colocando as coisas nesses termos, aventurar-se a ler “Em Busca de Watership Down” pode parecer coisa de doido de pedra. Não se deixe enganar pela aparente incongruência, porém: os heróis felpudos criados pelo britânico Richard Adams (1920-2016) são, à sua maneira, tão épicos quanto Eneias.

Ou quanto Cassandra, a princesa de Troia condenada a profetizar o fim de sua cidade e não ser ouvida por ninguém. Na saga de Adams, Cassandra se metamorfoseia em Quinto, um coelho pequenino e assustadiço cujas visões lhe mostram o viveiro de Sandleford (onde o bichinho vive com seu irmão Avelã) transformado num campo de sangue.

Ao contrário da profetisa troiana, Quinto consegue convencer Avelã e um punhado de outros jovens coelhos da verdade de suas visões, e esse grupo de desajustados tem de abrir caminho à força para deixar o viveiro natal e encontrar uma nova morada na zona rural inglesa – o pequeno monte conhecido como Watership Down (todos os lugares da história podem ser identificados no mapa do Reino Unido do mundo real).

MAIS DO QUE HOBBITS

Sim, estamos falando de uma “jornada do herói” clássica, em certo sentido – a situação que descrevi no último parágrafo poderia ser aplicada, em grande medida, ao hobbit Bilbo Bolseiro, ou ao “caipira espacial” Luke Skywalker nos primeiros minutos da série “Star Wars”.

Mas Adams acrescenta alguns ingredientes especiais a essa receita aparentemente comum. O mais importante deles é – para usar uma palavra que anda perdendo conteúdo semântico de um jeito alarmante nos últimos tempos – “empatia”.

Empatia em doses cavalares, aliás, o que confere ao autor (e, de carona, ao leitor) a capacidade de enxergar o mundo pelos olhos de um bando de coelhos. É verdade que os aventureiros orelhudos de Adams, quando estão entre si, pensam e falam como seres humanos, mas não conseguem manipular objetos com destreza, construir ferramentas ou entender a linguagem do Homo sapiens. Sabem que podem ser presas de praticamente qualquer predador, de duas ou quatro pernas, se não utilizarem ao máximo a astúcia e a coesão social que o Senhor Frith lhes deu.

“Senhor Frith”, o Sol, é o Criador da mitologia dos coelhos, e um dos personagens lendários das histórias primordiais que interrompem a narrativa em momentos estratégicos, ajudando não apenas a entender o universo mental dos pequenos heróis como também a lançar luz sobre cenas e motivos da ação vindoura. É como se cada ponto de virada da vida dos coelhos de carne e osso fosse transfigurado por um comentário mítico – frequentemente cômico e, ao mesmo tempo, mortalmente sério.

O grande astro desses mitos não é Frith, mas El-ahrairah, o Príncipe dos Mil Inimigos, patriarca e protetor dos coelhos que é uma figura clássica de “trickster”, ou trapaceiro (no romance, Adams o compara a Robin Hood). Tratado com humor indulgente pelo Criador, El-ahrairah é dono de astúcia invencível, mas carrega em seu próprio nome o perigo que paira o tempo todo sobre as cabeças de qualquer coelho, cujos predadores são conhecidos como “Elil” – “os Mil”, ou seja, os de número infinito na língua lapina, ou “coelhês”, esboçada pelo escritor britânico. (Em lapino, qualquer número maior do que cinco vira infinito, aliás.)

Profundamente enraizada na cultura e na história natural da Inglaterra rural, num universo linguístico em que o folclore e a tradição clássica viram parceiras, essa narrativa aparentemente despretensiosa tem um poder transcendente difícil de explicar. Leia – e, se possível, aproveite para ler Homero e Virgílio logo depois.

EM BUSCA DE WATERSHIP DOWN
AUTOR Richard Adams
TRADUTOR Rogério Galindo
EDITORA Planeta
QUANTO R$ 41,90 (464 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo *****

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