Darwin e Deus https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas Mon, 15 Nov 2021 14:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A mitologia no mais espetacular mosaico já descoberto no Império Romano https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/05/13/a-mitologia-no-mais-espetacular-mosaico-ja-descoberto-no-imperio-romano/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/05/13/a-mitologia-no-mais-espetacular-mosaico-ja-descoberto-no-imperio-romano/#respond Thu, 13 May 2021 20:24:51 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/Páris-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6610 Um tuíte de um arqueólogo que sigo acabou de me revelar a maravilha acima, que compartilho com vocês: um mosaico do século 4 d.C. achado em 2005 em Villa de Noheda, perto de Cuenca, região central da Espanha, que media um total de 300 metros quadrados (ou o dobro da minha casa).

Seu dono certamente era um bilionário do Império Romano tardio, que resolveu decorar o assoalho de sua sala de banquetes com cenas clássicas da mitologia grega. Acima temos a narrativa de Pélops, o herói que emprestou seu nome ao Peloponeso (sul da Grécia) e enfrentou o próprio futuro sogro numa corrida mortal de bigas.

Há também as tradicionais imagens da Guerra de Troia e ainda uma procissão do deus Dioniso/Baco, com direito à presença de centauros, sátiros e outros monstros fantásticos.

Depois de restaurado, o lugar está aberto à visitação desde 2019. Confiram mais imagens — vale a pena! — neste link

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A mitologia do roubo do fogo e a teoria da evolução numa só obra https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/05/04/a-mitologia-do-roubo-do-fogo-e-a-teoria-da-evolucao-numa-so-obra/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2021/05/04/a-mitologia-do-roubo-do-fogo-e-a-teoria-da-evolucao-numa-so-obra/#respond Tue, 04 May 2021 13:48:39 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/alberto-mussa-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6601 Chegou por aqui um livro que tem tudo para ser uma das leituras mais instigantes que farei neste ano. O escritor Alberto Mussa gentilmente me enviou o exemplar acima de “A Origem da Espécie: O roubo do fogo e a noção de humanidade”.

Na maior parte do tempo, Mussa escreve ficção, mas eu já conhecia sua aguçada capacidade de transformar o conhecimento antropológico e etnográfico em algo gostoso de ler quando topei com “Meu Destino É Ser Onça”, sua recriação e análise da mitologia tupinambá.

No novo livro, o autor é ainda mais ambicioso: usa dados sobre a trajetória evolutiva humana e a mitologia comparativa das mais variadas regiões do planeta para analisar as histórias do roubo do fogo primordial. Aliás, ele recolheu centenas de histórias diferentes relativas a esse mitologema (como dizem os especialistas) numa das seções do livro.

Assim que terminar a leitura, conto mais aqui.

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A descida de Odin ao Inferno nórdico, recontada em versos https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/09/10/a-descida-de-odin-ao-inferno-nordico-recontada-em-versos/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/09/10/a-descida-de-odin-ao-inferno-nordico-recontada-em-versos/#respond Thu, 10 Sep 2020 19:11:12 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/odin-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6402 A UFPB (Universidade Federal da Paraíba) abriga um grupo de estudos muito ativo sobre a antiga Escandinávia e a cultura dos chamados vikings. Uma das pesquisadoras do grupo, a doutoranda Susan Sanae Tsugami, fez a grande gentileza de me convidar para colaborar com ela num artigo sobre um poema curiosíssimo do século 18. Nele, o autor britânico Thomas Gray reimagina a jornada de Odin, o chefão dos deuses nórdicos, rumo a Hel, o lar dos mortos sem honra. A Susan me convidou para traduzir o poema (que pra mim soou bastante similar aos dos nossos árcades de Minas, na verdade) para o português. Abaixo, convido o gentil leitor a ler o resultado. E aqui está o artigo completo com a arguta análise da Susan sobre como o poema setecentista recriou a mitologia escandinava. Está na revista especializada Scandia.

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A Descida de Odin. Uma Ode

(Da língua nórdica), in Bartholinus, de causis contemnendae mortis; Hafniae, 1689, Quarto.

Upreis Odinn allda gautr, etc.

1 Ergueu-se o Rei dos Homens em tropel
2 E a sela pôs em seu negro corcel;
3 Desceu larga ravina em cavalgada
4 Buscando de Hela fera a vil morada.
5 Lançou-lhe o cão das trevas espiadela,
6 Diante dele abriu pilosa goela,
7 Carniça transbordando na queixada,
8 Com saliva e imundície destilada:
9 Rouco latido faz horrendo alarde,
10 Presas que escarnecem, olhar que arde;
11 Persegue longamente a gritaria
12 Ao pai da potente feitiçaria.
13 Segue ele avante ainda pela via
14 (Debaixo dele a terra que gemia)
15 Até que enfim seus olhos sem temor
16 Veem do inferno as nove portas de horror.

17 Bem defronte ao oriental portão,
18 Sentou-se junto ao musgo ali no chão,
19 Lá onde há muito estão os restos dela,
20 O pó que foi profética donzela.
21 Voltado para a direção do norte,
22 Três vezes traçou ele a runa forte;
23 Três vezes pronunciou, em tom atroz,
24 O verso que aos defuntos cede voz;
25 Até que ouviu-se vir do solo oco
26 Um hálito mortal e som mui rouco.

27 Pr[ofetisa]. Que voz ignota e bruxa tem por cúmulo
28 Assim romper a paz deste meu túmulo?
29 Quem ousa afligir este pobre espectro
30 E me arranca de onde a noite tem cetro?
31 Há muito que estes ossos podres vão,
32 Roem-nos a neve e o calor do verão,
33 O copioso orvalho, a chuva, a lama!
34 Deixai, deixai enfim que eu volte à cama.
35 Quem é esse que, com profano peito,
36 Convoca-me a deixar repouso e leito?

37 O[din]. Um viandante, a ti desconhecido,
38 É quem chama, de um guerreiro nascido.
39 Ora os feitos da luz conhecerás;
40 Dize então o que lá embaixo se faz,
41 De quem é aquela mesa fulgurante,
42 Serve a quem a cama d’ouro brilhante?

43 Pr. Vê, pois, do rico cálice a guarida,
44 A taça que d’abelha traz bebida,
45 Sobre ela pende dourado broquel;
46 Eis, pois, d’ousado Balder o hidromel:
47 De Balder morte fera já fez seu.
48 A dor alcança até os filhos do Céu!
49 De mau grado faço a boca descerrar:
50 Deixa, deixa que eu volte a repousar.

51 O. Ouve outra vez meu grito sem demora.
52 Profetisa, levanta e dize agora
53 Que perigo ao filho de Odin segue,
54 A quem a sua sina está entregue.

55 Pr. Nas mãos de Hoder vai o fim do herói:
56 O irmão o manda à tumba que corrói.
57 Ora os lábios cansados vou fechar:
58 Deixa, deixa que eu volte a repousar.

59 O. Profetisa, obedece ao meu feitiço,
60 Levanta outra vez o peito enfermiço
61 E diz quem vingará tal transgressão,
62 Lançando o sangue de Hoder ao chão.

63 Pr. Nas cavernas que se abrem no oeste,
64 Após gozar de Odin o abraço agreste,
65 Rinda há de parir um magno varão:
66 Pente não tocará seus fios de carvão,
67 Não lavará as fauces na torrente,
68 Nem verá sol partindo no Ocidente:
69 Até que Hoder morto tenha em mira
70 Ardendo enfim na funerária pira.
71 Ora os lábios cansados vou fechar:
72 Deixa, deixa que eu volte a repousar.

73 O. À minha voz mais um pouco obedece.
74 Vai, dize, profetisa que não esquece,
75 Quem são as virgens cuja dor molesta
76 Faz com que inclinem rumo ao chão a testa,
77 Que vão suas tranças louras destroçar,
78 E os níveos véus, que flutuam no ar?
79 Dize quem lhes causou tal mal-estar:
80 E então deixar-te-ei a repousar.

81 Pr. Ah! Sei enfim que não és viandante,
82 ó Rei dos Homens, pai do Trovejante,
83 De magna linhagem e magna sina –

84 O. E tu não és moça d’arte divina
85 E de bom nunca profetizas nada;
86 Mas és a mãe da gigante ninhada!

87 Pr. Vai-te, não quero ouvir vanglórias tais,
88 Cá suplicantes não virão jamais
89 Romper do meu sono de ferro a peia,
90 ‘Té que Lok quebre a eterna cadeia;
91 Jamais, até que a Noite elemental
92 Retome o seu antigo cabedal;
93 Até que, em chama e ruína disperso,
94 Afunde-se o tecido do Universo.

Anotações de Gray

2 [corcel] Sleipner era o Cavalo de Odin, que tinha oito patas. [Nota em C(ommonplace) B(ook).]

4
[Hela, forma latinizada do n[órdico] a[ntigo] Hel]
Niflheimr, o inferno das nações góticas, consistia em nove mundos, aos quais eram entregues todos aqueles que morriam de doença, velhice ou por quaisquer outros meios que não em batalha: ele era presidido por Hela, a Deusa da Morte.
Hela é descrita como apresentando um semblante horrendo, & seu corpo tendo metade cor de carne & metade esbranquiçado. [Nota em C(ommonplace) B(ook).]

24
A palavra original é Vallgaldr; de Valr, “mortuus”, & Galdr “incantatio”. [Nota em C(ommonplace) B(ook).]

90
Lok é o Ser maligno que continua acorrentado até que o Crepúsculo dos Deuses se aproxime, quando ele há de quebrar suas cadeias; a raça humana, as estrelas e o sol hão de desaparecer; a terra afundará no mar, e o fogo consumirá os céus; até o próprio o Odin e as deidades de sua raça hão de perecer. Para uma explanação mais completa dessa mitologia, ver Introdução à História da Dinamarca, de Mallet, 1755, Quarto. [(Um esboço ligeiramente mais detalhado dessa nota está em C[ommonplace] B[ook].)]

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Como a mitologia inventada de J.R.R. Tolkien conquistou o mundo https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/10/31/como-a-mitologia-inventada-de-j-r-r-tolkien-conquistou-o-mundo/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/10/31/como-a-mitologia-inventada-de-j-r-r-tolkien-conquistou-o-mundo/#respond Thu, 31 Oct 2019 15:56:13 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/silma-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6000 Alguns meses atrás, tive a felicidade de fazer uma palestra sobre uma das minhas grandes paixões, a obra de J.R.R. Tolkien, o autor de “O Senhor dos Anéis”, para um belo teatro lotado durante a Rio2C, conferência sobre criatividade realizada na Cidade Maravilhosa.

Meu objetivo foi explicar a receita que permitiu a Tolkien conquistar o mundo com suas obras. Eis o vídeo da palestra na íntegra.

Mas qual seria a receita tolkieniana? Eis o top 5:

1)Crie em detalhes idiomas inventados;

2)Ressuscite mitos e lendas esquecidos;

3)Nenhum detalhe é demais: arquitete um mundo que pareça real;

4)Medo de spoilers é para os fracos;

5)Aposte na compaixão.

Para saber mais detalhes e acompanhar a enriquecedora discussão que tive com o pessoal presente, é só assistir ao vídeo.

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As origens mitológicas da desigualdade, segundo os nórdicos https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/10/24/as-origens-mitologicas-da-desigualdade-segundo-os-nordicos/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/10/24/as-origens-mitologicas-da-desigualdade-segundo-os-nordicos/#respond Thu, 24 Oct 2019 17:00:37 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/Rig_in_Great-grandfathers_Cottage-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5978 Imagino que pouca gente no Brasil tenha ouvido falar do poema escandinavo “Rígsthula”, que teria sido composto por volta do século 10 d.C. Como muitos outros mitos, o “Rígsthula” tem certa função didática, tentando explicar por que certo aspecto do mundo à nossa volta adquiriu a feição que tem hoje — e o tema desse texto específico é a desigualdade social ou “de classe” na antiga sociedade da Era Viking.

Conta o poema que o deus de nome Ríg (aparentemente outra designação do célebre Heimdall, guardião de Bifröst, a Ponte do Arco-Íris que une o reino dos deuses à Terra — quem assistiu os filmes do Thor sabe do que estou falando) resolve, um belo dia, visitar a terra e vai se hospedando na morada de um casal diferente a cada noite.

Só que, a cada noite, ele dorme entre o marido e a mulher que o acolheram, o que significa que, nove meses depois, acaba nascendo um menino em cada lugar. Na primeira casa, uma choupana muito pobre, a visita de Ríg é seguida pelo nascimento de um bebê chamado Thrael (algo como “servo”). Quando cresceu, ele tinha “pele enrugada, dedos nodosos e grossos, de feio rosto, curvas costas, longos calcanhares”. Thrael se casou com Thír (“serva”) e teve filhos destinados ao trabalho pesado.

Na noite seguinte, o deus foi acolhido numa casa espaçosa e bem cuidada, que pertencia a um casal bem apessoado. Acabou nascendo ali um menino chamado Karl (“homem livre”). “Suas faces brilhavam, seus olhos reluziam. Aprendeu a amansar o boi, a fazer o arado, a construir casas e erguer celeiros.” Karl se casou com Snör (“nora”) e teve filhos que levavam uma vida decente em sua propriedade.

Na terceira noite, o deus Ríg chegou à mansão de um casal extremamente bem-vestido, que lhe ofereceu um jantar no qual serviçais cuidaram de tudo. O encontro levou ao nascimento de Iarl (“homem nobre, conde”). “Belo era seu cabelo, ferozes seus olhos como jovens serpentes”, diz o poema. Iarl tornou-se um guerreiro, um caçador e o dono de vastas propriedades. Ele e sua mulher tiveram 12 filhos homens. O mais novo era conhecido como Konr Ungr (Kon, o Jovem), um trocadilho com a palavra “konungr”, que significa “rei” (tal como “king” em inglês).

Gostaria de ler sobre outros mitos pouco conhecidos e interessantes do mundo aqui no blog? Mande sua sugestão mitológica para darwinedeus@gmail.com!

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A Origem das Histórias: evolução humana, ficção, fantasia e ciência https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/11/a-origem-das-historias-evolucao-humana-ficcao-fantasia-e-ciencia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/11/a-origem-das-historias-evolucao-humana-ficcao-fantasia-e-ciencia/#respond Wed, 11 Sep 2019 13:01:57 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Raven_Rattle_19th_century_05.588.7292-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5910 Seres humanos, em todas as épocas e lugares, são apaixonados por contar histórias imaginadas, tanto as “realistas” quanto as que envolvem fantasia ou ficção científica. Como diabos isso aconteceu conosco ao longo da evolução, e como ciência e ficção podem dialogar? Tentei abordar brevemente esses temas numa palestra que proferi durante a 23a. Jornada de Letras da UFSCar, aqui em São Carlos (SP). Abaixo, temos a íntegra do áudio da minha fala, em formato de vídeo do YouTube (é, eu sei que é estranho).

Abaixo, os trechos de livros lidos durante a palestra.

J.R.R. Tolkien, Sobre Estórias de Fadas (a tradução é minha, deve sair no ano que vem):

“A mente encarnada, a língua e a estória são, no nosso mundo, coevas. A mente humana, agraciada com os poderes da generalização e da abstração, vê não apenas grama-verde, discriminando-a de outras coisas (e achando-a bela de contemplar), mas vê que é verde bem como é grama. Mas quão poderosa, quão estimulante para a própria faculdade que a produziu, foi a invenção do adjetivo: nenhum feitiço ou encantamento em Feéria é mais potente. E isso não é surpreendente: tais encantamentos poderiam, de fato, ser considerados apenas outra visão dos adjetivos, uma classe de palavras numa gramática mítica. A mente que pensou em leve, pesado, cinza, amarelo, parado, veloz também concebeu magia que tornaria as coisas pesadas leves e capazes de voar, transformaria chumbo cinza em ouro amarelo, e a pedra parada em água veloz. Se podia fazer uma coisa, podia fazer a outra: inevitavelmente fez ambas. Quando conseguimos abstrair o verde da grama, o azul do céu e o vermelho do sangue, temos já um poder encantatório – em certo plano; e o desejo de empunhar esse poder no mundo externo às nossas mentes desperta.”

Sidarta Ribeiro, O Oráculo da Noite: A História e a Ciência do Sonho:

“Os mitos sobre a origem do mundo, muito recentes na evolução da espécie, derivam da expansão sem precedentes da nossa capacidade de representar entidades reais e imaginárias, humanas e feras, sincretizadas aos nossos ancestrais. Foi quase inevitável a mistura com outros seres, plantas e acidentes geográficos, pois durante o sonho nada impede que essas representações se fundam. Naturalmente essa fabulosa fauna mental se apresentou em inúmeras manhãs à consciência vígil de nossos ancestrais boquiabertos. A consequência foi a ampla prevalência do zoomorfismo na cultura humana. Desde que somos gente, somos bicho.”

Edward Osborne Wilson, O Futuro da Vida:

“Legamos a vocês as selvas sintéticas do Havaí e a vegetação rasteira onde antes vicejava a prodigiosa Floresta Amazônica, junto com alguns remanescentes de habitats selvagens aqui e ali, que escolhemos não destroçar. O seu desafio é criar novos tipos de plantas e animais por meio da engenharia genética e, de algum modo, encaixá-los juntos em ecossistemas artificiais de vida livre. Entendemos que um feito desses pode se mostrar impossível. Estamos certos de que, para muitos de vocês, o mero fato de pensar nisso provocará repugnância. Boa sorte. E, se forem em frente e tiverem sucesso em tal empreitada, lamentamos que aquilo que manufaturarem nunca poderá ser tão satisfatório quanto a criação original. Aceitem nossas desculpas e esta biblioteca audiovisual que ilustra o mundo maravilhoso que costumava existir.”

Robert Sapolsky, Memórias de Um Primata:

“E a peste levou Saul, que morreu em meus braços, como descrevi numa história anterior.
E a peste levou Davi.
E Daniel.
E Gideão.
E Absalão.
E a peste levou Manassés, que morreu na frente de um grupo de funcionários do hotel, que gargalharam ao vê-lo sofrer.
E a peste levou Jessé.
E Jônatas.
E Sem.
E Adão.
E a peste levou meu Benjamim.”

Reinaldo José Lopes, 1499: O Brasil Antes de Cabral:

“Acho impossível que um habitante das primeiras décadas do século 21 tenha ficado imune à atual onda de narrativas de ficção (nas livrarias, no cinema, na TV, na internet) que andam nos soterrando com imagens “pós-fim do mundo”. São quadrinhos que viram série de televisão, best-sellers para adolescentes que viram filme e incontáveis outras variações do mesmo tema: Jogos Vorazes, The Walking Dead, Divergente e até a ressurreição de Mad Max (sou capaz de apostar que você consegue ao menos dobrar o número de itens dessa lista sem muito esforço). De repente, a chamada distopia pós-apocalíptica – ou seja, a ideia de que, para todos os efeitos, o mundo como o conhecíamos acabou, e os sobreviventes da catástrofe vivem num ambiente assustador e brutalmente transformado – parece ter ganhado o status de gênero narrativo dominante de nosso tempo. O que direi agora pode soar como maluquice, mas esse tipo de cenário talvez seja um excelente jeito de entender, em termos imaginativos, o significado do “fim da pré-história” (coloque muitas aspas aí, é claro) para os povos nativos das Américas e, em particular, do Brasil.

Não se trata apenas de frase de efeito. Como este é o momento de amarrar as pontas da nossa história, peço que você recorde um ponto que abordamos nas distantes primeiras páginas da introdução deste livro: a ideia, ainda muito influente, de que as sociedades nativas do futuro Brasil eram simples, pouco populosas, móveis, isoladas e presas num “eterno presente” no qual nunca havia mudanças significativas. Esse retrato poderia até fazer certo sentido se a intenção fosse descrever alguns dos grupos que travaram contato com exploradores ocidentais na Amazônia entre o fim do século 19 e os anos 1970 do século 20, mas ainda assim ele é tremendamente enganoso porque, no fundo, refere-se a sobreviventes de um apocalipse em miniatura. Nesse filme de época, infelizmente, os zumbis devoradores de gente são os brasileiros de origem europeia, enquanto o papel das tribos amazônicas não é muito diferente do dos mocinhos de The Walking Dead; vale dizer, o de gente tentando manter algum simulacro do funcionamento original de sua sociedade quando as estruturas políticas forjadas por seus ancestrais e a maior parte da população à qual pertenciam já tinham virado fumaça.”

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Venha conversar sobre mitologia, arqueologia e Tolkien no Sesc Jundiaí! https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/07/16/venha-conversar-sobre-mitologia-arqueologia-e-tolkien-no-sesc-jundiai/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/07/16/venha-conversar-sobre-mitologia-arqueologia-e-tolkien-no-sesc-jundiai/#respond Tue, 16 Jul 2019 10:38:55 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/SESC-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5823 Mais uma passada rápida por aqui pra fazer um novo convite: quem estiver em Jundiaí e adjacências amanhã, quarta-feira, dia 17/07, está convidadíssimo a vir bater um papo com este humilde escriba sobre as origens do mundo de J.R.R. Tolkien, o autor de “O Senhor dos Anéis”, “O Hobbit”, “O Silmarillion” e muitas outras obras. Minha ideia é contar como a mitologia, a linguística e a arqueologia do mundo real inspiraram a nova mitologia moderna engendrada pelo Professor Tolkien.

O bate-papo acontece às 19h30 no Sesc Jundiaí e a entrada é franca. O endereço é Av. Antônio Frederico Ozanam, 6600, Jardim Botânico. Ah, e teremos livros de Tolkien para quem quiser adquiri-los. Espero a todos por lá!

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Debate sobre a nova edição de ‘O Silmarillion’, de Tolkien https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/05/29/debate-sobre-a-nova-edicao-de-o-silmarillion-de-tolkien/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/05/29/debate-sobre-a-nova-edicao-de-o-silmarillion-de-tolkien/#respond Wed, 29 May 2019 17:50:55 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/silma-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5763 Algumas semanas atrás, tive a alegria de participar de um debate sobre o lançamento da nova edição brasileira de “O Silmarillion”, de J.R.R. Tolkien (traduzida, pra quem não sabe, por este escriba que vos fala). O convite partiu da colega estudiosa de Tolkien Cristina Casagrande, e da conversa no Lugar de Ler, em São Paulo, também participaram Gabriel Oliva Brum, colega tradutor de Tolkien, e nosso editor na HarperCollins Brasil, Samuel Coto. A íntegra do longo porém divertido papo vocês podem conferir no “videocast” abaixo.

Em breve, a íntegra da minha palestra sobre a Ciência da Terra-média no evento Pint of Science!

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Veredicto coletivo sobre o filme biográfico ‘Tolkien’! https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/05/28/veredicto-coletivo-sobre-o-filme-biografico-tolkien/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/05/28/veredicto-coletivo-sobre-o-filme-biografico-tolkien/#respond Tue, 28 May 2019 17:33:21 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/IMG_0157-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5758 O amigo Rafael Bolseiro convidou a mim e ao mestre Erick Carvalho, da Toca-RJ, para debater os pontos positivos e negativos do filme biográfico “Tolkien”, que acabou de estrear e conta os anos de formação do criador de “O Senhor dos Anéis”. Eis a gravação da live do nosso bate-papo. COM SPOILERS!

Não se esqueçam de se inscrever no canal do Rafa, recomendo!

 

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As raízes mitológicas e literárias de ‘O Silmarillion’, de Tolkien https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/03/27/as-raizes-mitologicas-e-literarias-de-o-silmarillion-de-tolkien/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/03/27/as-raizes-mitologicas-e-literarias-de-o-silmarillion-de-tolkien/#respond Wed, 27 Mar 2019 19:54:12 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/silma-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5659 Continuemos com os temas mitológicos aqui compartilhando um texto que escrevi originalmente para o fanzine Diário de Bordo, da comunidade de fãs de Star Trek, a pedido do mano e colega Salvador Nogueira, o Mensageiro Sideral desta Folha. Meu desafio: explicar “O Silmarillion”, texto mais fascinante e difícil de J.R.R. Tolkien, o autor de “O Senhor dos Anéis”. É nele que Tolkien depositou suas reflexões mais profundas sobre mitologia, teologia e literatura. Confiram o texto abaixo.

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É impressionante a quantidade de leitores iniciantes (ou mesmo não tão iniciantes assim) da obra de J.R.R. Tolkien (1892-1973) que, depois de amar O Hobbit e/ou O Senhor dos Anéis, os livros escritos em vida pelo britânico que são quase unanimidade entre os amantes da fantasia, acabam levando uma sova das poucas centenas de páginas da principal obra póstuma dele, O Silmarillion. “Cadê o fio da meada da história?”, questiona um, prestes a arrancar os cabelos. “Mano, é muito nome! Só de gente com o sufixo –fin no epíteto são uns 30”, queixa-se outro.

Sim, sou o primeiro a admitir que o livro é “difícil”. Aliás, foi escrito para ser difícil, em certo sentido. Por outro lado, confesso que sou parte mais do que interessada no destino desse texto esquisito e fascinante. Fui encarregado recentemente de produzir uma nova tradução do livro para o português do Brasil e fiz meu mestrado e doutorado sobre a obra de Tolkien, com ênfase justamente na massa interminável de rascunhos que acabariam dando origem à versão “canônica” de O Silmarillion.

Por isso, na melhor tradição do proselitismo (quase) religioso, ouso dizer: regozijai-vos, irmãos! O livro vale a pena. É, na verdade, uma pedra preciosa que precisa ser lapidada pela paciência do leitor para que brilhe em toda a sua glória, como faziam os elfos ou os anões de outrora com suas gemas mágicas. Encare este artigo como um guia para os perplexos: espero que você passe a enxergar o livro com outros olhos depois de lê-lo.

O Silmarillion, para quem não conhece, é uma espécie de Antigo Testamento do mundo criado por J.R.R. Tolkien (embora a analogia não seja tão boa assim; eu já explico). Do ponto de vista literário e narrativo, trata-se de um livro com uma das abordagens mais take no prisoners do século 20, talvez apenas comparável – por motivos totalmente diferentes, claro – a clássicos modernistas que praticamente ninguém leu, como Finnegans Wake, de James Joyce.

Nessa obra na qual trabalhou durante quase 60 anos de sua vida, e que não chegou a terminar para valer, Tolkien basicamente dá uma banana para as convenções novelísticas tradicionais, aquelas que dizem que é importante você desenvolver de forma equilibrada a psicologia de cada personagem, que é preciso construir conflitos e solucionar os ditos cujos de forma relativamente linear e lógica ou que, horror dos horrores para a geração das maratonas do Netflix, jamais se deve soltar spoilers se você deseja prender a atenção do leitor da primeira à última página.

Bem, não há quase nada dessas regras de boa conduta ficcional no livro. O sujeito que resolver ler O Silmarillion antes de O Hobbit ou de O Senhor dos Anéis (foi esse o meu caso nos idos de 1998) terá diante de si uma seção inteira do volume, a última, batizada de “Dos Anéis de Poder e da Terceira Era”, que não passa de um grande spoiler do que ocorrerá nos dois romances mais famosos de Tolkien. E, mesmo nas seções anteriores do livro, a narrativa é constantemente afetada pela “sombra do futuro”: em alguma medida, já fica claro em que direção caminham os personagens (rumo a quantidades cavalares de sangue, suor e lágrimas, resumindo).

Teogonia, cosmogonia e guerra

Como escrevi alguns parágrafos atrás, a questão é que faz sentido que o livro tenha essa cara aparentemente tão esquisita e dificultosa, porque, atenção para o ponto crucial, ele não é um romance. O Silmarillion é a pedra fundamental do que Tolkien deseja que fosse sua “mitologia para a Inglaterra” (expressão usada por ele em uma de suas cartas a um possível editor, que acabou não publicando seus livros).

Como toda boa mitologia do mundo real, a nova mitologia inglesa criada pelo autor começa com uma teogonia e uma cosmogonia, ou seja, um relato das origens dos seres divinos e do Cosmos. Trata-se, a rigor, de uma visão reimaginada do nosso próprio Universo, no qual a única verdadeira divindade – Eru Ilúvatar, identificado com o Deus judaico-cristão – delega sua tarefa de Criador a “poderes angélicos” que se assemelham superficialmente aos deuses das mitologias que conhecemos.

Esses seres, os Valar, precisam enfrentar seu confrade mais poderoso, Morgoth, que se rebela contra o desígnio do Criador (qualquer semelhança com Lúcifer não é mera coincidência) e tenta dominar Arda, a Terra, e seus habitantes – elfos, anões, seres humanos e hobbits, entre outros.

Embora os elementos que citei tenham paralelos fáceis de enxergar com mitos pré-existentes e com a Bíblia, a combinação específica deles no livro dá à criação de Tolkien um sabor único. Como estudioso de línguas, manuscritos e narrativas antigas da Europa, ele conseguiu estruturar os ciclos de histórias de O Silmarillion de tal modo que eles parecem refletir uma longa história de transmissão cultural, com grande número de versões e variantes em prosa e verso (se você não gosta de poesia, a boa notícia é que quase não há poemas espalhados ao longo do texto em prosa, ao contrário do que acontece na Saga do Anel ou em O Hobbit).

De fato, a qualidade do texto em si está entre os grandes atrativos do livro: longe das descrições detalhadas de lugares e construções de O Senhor dos Anéis, a narrativa é econômica, às vezes seca, de um lirismo arcaico como os mitos que a inspiraram.

Cor-de-rosa? Sério?

Um ponto que vale a pena salientar está ligado a outra crítica recorrente, e altamente injusta, à visão de mundo de Tolkien. De novo, quem só conhece superficialmente O Hobbit e O Senhor dos Anéis por vezes se sente tentado a classificar o filólogo britânico como um otimista incorrigível, um sujeito doido para relatar finais felizes a qualquer custo.

O leitor que diz isso no caso dos livros mais conhecidos se apega ao fato de que “o Bem” vence neles, embora claramente não tenha prestado atenção no preço altíssimo que a Demanda do Anel cobra de Frodo; no fato de que o heroicamente leal Sam, com sua falta de tato, também é o responsável por eliminar a última chance de redenção de Gollum; e por aí vai.

As coisas são muito mais sombrias em O Silmarillion, porém. Uma frase enigmática da rainha élfica Galadriel na Saga do Anel – a de que ela e seu esposo Celeborn passaram milênios lutando “a longa derrota” contra as forças das trevas – fica abundantemente clara com a leitura do livro póstumo.

A narrativa principal da obra registra tantas desgraças e resistências heroicas fadadas ao fracasso que o leitor fica esperando que a qualquer momento apareça a frase “E todos morreram. FIM.” Os elfos retratados em tons quase sempre róseos em O Senhor dos Anéis se revelam perfeitamente capazes de guerras fratricidas, megalomania, incesto e genocídio durante a Primeira Era.

Os seres humanos incrivelmente longevos, poderosos e sábios da ilha de Númenor, a Atlântida tolkieniana, acabam embarcando numa carreira nada edificante de imperialismo e “satanismo” (ou “morgothismo”, para usarmos uma terminologia mais adequada ao mundo ficcional do autor, já que Morgoth é o equivalente de Satanás na obra) que os conduz à ruína. Há algo de podre no reino de Arda, em suma.

Tal retrato da “longa derrota” combina com o forte veio de pessimismo da personalidade de Tolkien, para quem a história humana do mundo real funcionava de acordo com mais ou menos esses mesmos princípios. Mas também é um veículo para que ele exponha uma das grandes lições que costumava depreender das antigas mitologias do norte da Europa.

Segundo o escritor, o conceito unificador desses mitos, de origem germânica/escandinava, era a “teoria da coragem do Norte”. Naquelas mitologias, vai acontecer uma espécie de Apocalipse, como nas narrativas judaico-cristãs, mas as profecias dizem que as forças das trevas vão vencer no final. É o que preveem, por exemplo, os textos sobre o Ragnarök (“destruição dos deuses” em nórdico antigo).

Mesmo assim, diz Tolkien num de seus textos teóricos mais famosos, os deuses escandinavos continuam lutando até o fim, e jamais acham que o fato de estarem fadados ao fracasso significa que deveriam mudar de lado. Essa lógica trágica e heroica está condensada de modo admirável em O Silmarillion. Só isso já faz valer a pena encarar as linhas mais complicadas do livro.

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