Darwin e Deus https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas Mon, 15 Nov 2021 14:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Movimento Cientistas Engajados sai em defesa do Inpe e da Amazônia https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/07/20/movimento-cientistas-engajados-sai-em-defesa-do-inpe-e-da-amazonia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/07/20/movimento-cientistas-engajados-sai-em-defesa-do-inpe-e-da-amazonia/#respond Mon, 20 Jul 2020 21:18:20 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/marcos-pontes-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6315 O movimento Cientistas Engajados, formado por pesquisadores que buscam dar mais representatividade política à ciência no Brasil, divulgou um manifesto em defesa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em meio ao complicado contexto de reestruturação e desprestígio do órgão, encurralado pela política antiambiental do governo Bolsonaro. É com prazer que reproduzo o texto aqui no blog. Confira abaixo.

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Em julho de 2019, após reagir tecnicamente às acusações sem base factual feitas ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais pelo presidente Bolsonaro e seus colaboradores, o diretor Ricardo Galvão foi exonerado do cargo. Restando ainda por cumprir 13 meses de mandato, o Senhor Ministro nomeou como Diretor Interino um militar. Após dois meses de gestão, o diretor, num movimento atípico para um interino, convocou a comunidade interna do Inpe para informar que pretendia promover uma reestruturação do instituto. Segundo ele, essa reestruturação se daria a partir de supostos “profundos estudos” sobre a atuação, objetivos e fins dos diversos segmentos da instituição.

Como não apresentou nenhuma documentação que comprovasse o uso de um método reconhecido nos estudos realizados, nem tampouco apresentou evidências da suposta insuficiência de desempenho que justificassem a necessidade de uma reestruturação, o Diretor Interino foi, nas semanas seguintes, amplamente criticado pela atitude amadora e autoritária com que pretendia conduzir as mudanças por ele anunciadas.

Nesse meio tempo, a permanência do Diretor Interino no cargo foi se estendendo, não obstante a necessidade de busca pela normalidade na gestão do INPE, com estabelecimento rápido de um processo seletivo de Diretor mediante comitê de busca. Foram meses de espera para que o Ministro designasse o comitê de busca para escolha do novo diretor, mantendo no cargo um militar que não havia passado pelo escrutínio da comunidade científica, sem o qual não tinha credibilidade perante os colegas.

Somente no início de 2020, e após muitas críticas dos servidores do INPE e da comunidade científica nacional e internacional, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Marcos Pontes, entendeu por designar um Comitê de Busca para selecionar a lista tríplice que é usada como base para a seleção do Diretor. Para quem não conhece essa forma de escolha, é dessa lista que deve sair o futuro diretor do INPE, após um minucioso processo de seleção, com debates, questionamentos e exposições públicas. Os candidatos são selecionados para a lista tríplice, que depois é submetida ao Ministro, conforme os critérios e requisitos explicitados no Edital No 75/2020, publicado no DOU, 14 de abril de 2020, cujo prazo foi encerrado em 05/07/2020.

Ao transcorrer do tempo foi ficando clara a incapacidade do Diretor Interino de agregar e liderar qualquer processo de reestruturação interna, uma vez que está enfraquecido pela forma imprópria, do ponto de vista acadêmico, pela qual foi levado ao cargo.

Essa incapacidade foi ficando cada vez mais evidente, dado que, a partir de uma avalanche de críticas técnicas à forma de condução do processo, o diretor interino se recolheu e não mais voltou a apresentar proposta alguma de reestruturação.

Ao se dizer isso, constata-se um fato que não está vinculado a qualquer ilação sobre ausência de qualidades profissionais do Diretor Interino, o qual tem reputação ilibada e contribuições para o setor. No entanto, ao aceitar o papel que lhe foi prescrito pelo Ministro, na forma que lhe foi imposta, é natural que essa falta de legitimidade dificulte um trabalho eficaz à frente do INPE, gerando crises contínuas que atrapalham o bom andamento dos trabalhos. Qualquer reestruturação séria precisaria ocorrer de forma colegiada, cabendo ao Diretor apenas o papel de organizar e avaliar os debates, principalmente no caso de um Diretor com tão pouco tempo de casa e com pouca experiência de gestão de unidades de pesquisa do porte do INPE.

Não obstante a situação insustentável de uma gestão não legitimada pelos pares, recentemente, pesquisadores do INPE voltaram a descrever rumores de que novamente se gestava, desta vez em segredo, a tal propalada reestruturação, uma situação de falta de transparência impensável no ambiente acadêmico. Mais do que rumores, havia evidências de que o diretor interino não mais se reunia com os alguns dos responsáveis por postos estratégicos, preferindo tratar de assuntos relativos àquelas áreas com pessoas outras, não investidas legalmente em cargos públicos. Sobre isso, cabe invocar o princípio da publicidade, entre outros: a sociedade só consegue fiscalizar o governo se o responsável pela atividade estiver devidamente investido no cargo público, com nomeação formal e amplamente divulgada. Os princípios do Art. 37 da Constituição Federal e as demais previsões legais indicam que o gestor, com competência para tal, deve dar publicidade à escolha do servidor público que realizará uma determinada atividade.

Ignorando também a instância maior de assessoramento do INPE, o Conselho Técnico-Científico, prosseguiu o Diretor Interino com seu processo seletivo fora dos regulamentos e da publicidade, razão pela qual pode ser, inclusive, referido como autoritário, causando preocupação entre os pesquisadores da instituição principalmente no que se refere ao atendimento das previsões regimentais, outro instrumento de publicidade que explicita a forma como o órgão público se organiza.

Nesse ponto, cabe enfatizar que é OBRIGAÇÃO do servidor público representar contra uma possível ilegalidade, para que uma investigação possa transcorrer. Por essa razão, os membros da comunidade interna não se furtaram a divulgar documento público subscrito por todos os membros eleitos do CTC, do qual pode ser extraído o seguinte recorte: “Somente o Diretor Interino e poucos  servidores que fazem parte da atual estrutura de gestão participaram da elaboração do novo Regimento Interno e das diretrizes do novo Plano Diretor, tendo, assim, conhecimento de seu conteúdo. Entendemos que, do ponto de vista organizacional e de sua interface com o MCTI, tanto o Regimento Interno quanto o Plano Diretor contêm informações relevantes para que cada candidato a diretor possa exprimir com clareza ‘sua visão de futuro e seu projeto de gestão’. Assim sendo, tanto o discurso de candidatos a diretor quanto a análise do referido discurso por parte do Comitê devem estar respaldados em informações disponíveis nos documentos acima. Entretanto, a ausência de informações sobre as novas versões destes documentos limita e/ou distorce a análise da ‘visão de futuro e projeto de gestão’”.

O texto do CTC traz evidência da existência de um processo de reestruturação em andamento, bem como de alterações estatutárias que, em condições de normalidade, se dariam dentro dos bem conhecidos ritos das decisões colegiadas que regem as unidades federais civis e, em particular, as de pesquisa, a saber: notas técnicas, apresentação de projetos, discussão pública, submissão às competentes instâncias internas e externas para avaliação, parecer jurídico e, finalmente, aprovação pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações. Porém, agindo em desacordo com o processo regular, em apenas 11 meses após sua nomeação como Diretor Interino do INPE, está prestes a concluir a primeira fase de um projeto de transformação institucional, sem que o devido controle interno, representado no caso pelas decisões colegiadas, pudesse se manifestar. Muito menos houve oportunidade de submeter à comunidade científica interna e externa os novos desígnios, que saíram de um grupo muito pequeno e sem representatividade.

Sem opção de manter escondida por mais tempo a intempestiva reestruturação, principalmente a partir da exposição pública da exoneração súbita da Dra. Lúbia Vinhas, tal propósito foi finalmente publicado no site do INPE no dia 13/07/2020 e ratificado pelo ministro Pontes na coletiva de imprensa que concedeu em 14/07/2020, para surpresa dos técnicos do INPE, que são, em última análise, os especialistas que detém, verdadeiramente, o conhecimento de décadas sobre o funcionamento institucional.

Em agosto, o INPE completará 59 anos. Desde a sua criação tem se mantido e comportado como uma instituição civil do Estado brasileiro e não a serviço de governos. Passou pelos turbulentos anos pré-golpe civil-militar de 1964, produziu com independência e autonomia científica durante todo o período da ditadura e chegou aos anos da redemocratização íntegro na sua missão científica. Nesse período, o INPE construiu espaços de transparência e maior participação de sua comunidade em órgãos colegiados e nas escolhas de seus dirigentes e gestores, uma forma moderna de gestão que garante o controle interno e qualidade de suas decisões.

Porém, nos últimos dois meses vive o INPE uma situação peculiar e única na sua história: convive com uma estrutura administrativa oficial, a que está no regimento atual e válido, e uma estrutura paralela, que opera, governa e decide sobre o INPE, mas que não existe na regulação administrativa e, portanto, não pode ser fiscalizada. Isso, por si só, já configura um problema a ser analisado no campo da probidade administrativa, pois coloca em risco a capacidade da sociedade de auditar o INPE. É importante ressaltar que essa estrutura paralela de gestão incluiu a verticalização e unificação de comando aos moldes das estruturas militares, claramente na contramão das tendências atuais de atuação matricial e em redes colaborativas, com liberdade acadêmica e autonomia científica.

A falta de transparência com que o assunto vem sendo conduzido tem outros desdobramentos além dos administrativos-legais, sobressaindo-se os éticos. Ao centralizar as informações institucionais em um pequeno grupo, sem transparência, o Diretor Interino passa a ter informações privilegiadas sobre a instituição, prejudicando a competitividade de outras candidaturas a Diretor. Essa situação é claramente antiética e um recurso de quem não estaria preparado para os processos de escolha típicos da academia, o que não se deseja acreditar que seja o caso do atual diretor. A sociedade em geral, e os os demais candidatos em particular, não tiveram acesso às propostas urdidas em silêncio e, aparentemente sob a anuência do MCTI. É impossível um concurso com igualdade de condições quando há falta de transparência sobre a nova estrutura de trabalho, que só foi apresentada após o final do prazo de inscrição de candidatos, quando seus documentos já estavam com o Comitê. Evidente que os candidatos sem o mesmo trânsito nos meios militares como o do Diretor Interino apresentaram Planos de Trabalho com base no Regimento Interno vigente, já que este é o Regimento Interno oficial e legalmente válido. É possível também que os membros do Comitê de Busca ignorem estes arranjos infralegais promovidos pelo diretor interino, promovendo uma indevida interferência no processo seletivo, que perde, por isso, a isonomia imprescindível aos princípios da Administração Pública previstos no Art. 37 da C.F.

Para uma instituição do porte e tradição do INPE, não há dúvidas de que a forma como o processo de reestruturação está sendo conduzido traz grande risco para o seu futuro. Também não faz sentido uma injustificada  reestruturação num órgão que tem cumprido seus termos de compromisso de gestão.

Toda essa movimentação extemporânea, intempestiva, açodada e amadora corrobora com a percepção de que pode estar em curso uma tentativa de impedir que o INPE continue desempenhando seu papel de vigilância sobre o desmatamento da Amazônia, razão pela qual, nós, do Movimento Cientistas Engajados, solicitamos:

a) que o MCTI adote medidas de investigação sobre as condutas praticadas, principalmente no que tange ao estabelecimento de uma estrutura paralela. Esta investigação deve ter como meta tornar públicos todos os documentos referentes à estruturação em curso;

b) que o MCTI interrompa imediatamente o processo de reestruturação até que a investigação mencionada seja finalizada;

c) que o Comitê de Busca, durante o processo de escolha do novo Diretor, utilize como parâmetro para a seleção exclusivamente o regimento interno público e válido;

d) que o MPF abra investigação para avaliar condutas da Direção da instituição, visando garantir que as boas práticas de gestão colegiada, previstas no âmbito das Unidades Gestoras do Governo Federal, sejam observadas, interrompendo qualquer atuação da Direção fora do contexto do Regimento Interno válido;

e) que o Ministério exclua do Comitê de Busca membros cuja titulação
acadêmica esteja abaixo das requeridas dos candidatos no Edital.
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Pesquisa decifra causas de aumento de enchentes na Amazônia https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/09/19/pesquisa-decifra-causas-de-aumento-de-enchentes-na-amazonia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/09/19/pesquisa-decifra-causas-de-aumento-de-enchentes-na-amazonia/#respond Wed, 19 Sep 2018 19:06:56 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/boizinho-ilhado-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5372 Grandes episódios de seca têm atormentado os moradores da Amazônia nas últimas décadas, mas um novo estudo, usando dados que remontam ao início do século 20, indica que a frequência de enchentes também cresceu de forma assustadora na região de lá para cá – com uma provável conexão entre o fenômeno e as mudanças climáticas globais.

Para ser exato, as cheias intensas na Amazônia agora estariam cinco vezes mais frequentes. Em vez de acontecer uma vez a cada 20 anos, como era a regra até a primeira metade do século passado, agora afetam cidades como Manaus uma vez a cada quatro anos – isso desde o começo dos anos 2000. E as cheias também ficaram mais severas – as de 2009 e 2012 não têm precedentes históricos, por exemplo.

Foram dados históricos de Manaus, com efeito, que possibilitaram a análise do problema coordenada por Jonathan Barichivich, da Universidade Austral do Chile, que acaba de ser publicada na revista especializada Science Advances. Também assina o estudo Jochen Schöngart, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, localizado na capital amazonense, entre outros pesquisadores.

A equipe usou informações sobre o nível das águas do rio Negro em Manaus, compiladas diariamente entre 1903 e 2015, e do rio Amazonas em Óbidos, no Pará, entre 1970 e 2015, bem como registros de índices de chuva e análises atmosféricas. Pelo que os pesquisadores verificaram, há alta correlação entre o nível da água medido nos dois locais durante quase todo o período – em geral, se há enchente em Manaus, o mesmo se verifica em Óbidos.

De maneira geral, o clima amazônico nos últimos anos, em especial o que se pode medir a partir da precipitação (chuva) parece um exemplo de livro didático do que a maioria dos cientistas espera das mudanças climáticas globais: um aumento da frequência dos chamados eventos climáticos extremos, com estações secas mais secas que o normal e estações chuvosas ainda mais “molhadas” que o esperado.

No caso do aumento das enchentes, Barichivich e companhia identificaram uma correlação entre esse processo e o fortalecimento da chamada circulação de Walker (também conhecida como célula de Walker). Essa circulação de ar, típica da camada mais baixa da atmosfera nos trópicos, está ligada a diferenças de temperatura no mar e na terra, envolvendo tanto trechos do Pacífico quanto do Atlântico tropical num sistema de evaporação, formação de nuvens e chuva.

Com o oceano Atlântico ficando mais quente nos trópicos, enquanto o Pacífico tem ficado mais frio, a circulação de Walker se fortalece – e despeja mais água sobre a Amazônia, segundo os pesquisadores. Esse processo parece estar associado a uma série de mudanças na circulação dos oceanos e dos ventos – e, em última instância, com o aumento das temperaturas médias da terra causado pela queima de combustíveis fósseis.

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A treta da mudança climática https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/07/26/a-treta-da-mudanca-climatica/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/07/26/a-treta-da-mudanca-climatica/#respond Wed, 26 Jul 2017 17:57:15 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/07/clima-antartida-180x135.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4410 A força da ciência, como vocês sabem, é a sua praticamente infinita capacidade de autocorreção. Não existem dogmas eternos: toda hipótese científica pode e dever ser revisada e corrigida, ou às vezes simplesmente esquecida, se novas observações mostrarem que ela não descrevia a realidade de modo preciso. Tudo muito lindo — mas às vezes movimentos claramente anticientíficos tentam usar essa grande virtude da ciência contra ela, semeando confusão e desinformação, às vezes com consequências sociais muito sérias, porque todos dependemos do conhecimento científico acurado para tomar decisões bem informadas sobre o nosso futuro.

Tudo o que eu disse acima poderia estar se referindo à galera imprudente que acha que tudo bem parar de vacinar seus filhos de repente, ou ao povo que acha que HIV não causa Aids. Mas vale muito bem para quem nega o papel preponderante da ação humana sobre as mudanças climáticas do último século. A gente ainda tem muito o que aprender sobre como essas alterações no clima vão ocorrer, mas uma coisa não está mais sob discussão: a influência da ação humana. É muito improvável que as bases que levaram a essa conclusão estejam erradas, porque uma massa enorme de conhecimento prático sobre o funcionamento do planeta, tudo coisa já comprovada, depende delas.

Mesmo assim, tem gente que tenta negar esses fatos — e esse pessoal tem atacado sistematicamente o paleontólogo e divulgador de ciência Pirula simplesmente porque ele está do lado dos fatos. No vídeo do nosso canal do YouTube de hoje, explico dois pontos básicos em defesa da lógica e do consenso científico. Confiram.

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Fé no clima https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/08/24/fe-no-clima/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/08/24/fe-no-clima/#respond Mon, 24 Aug 2015 19:30:36 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=2778 À primeira vista, a diversidade de participantes faz até a gente pensar naquelas piadas clássicas (“um padre, um rabino e um pastor evangélico entram num boteco e…”), mas a conversa é séria. Nesta terça, dia 25 de agosto, um grupo variado e bastante representativo de lideranças religiosas do Brasil e do exterior vai se reunir no Rio de Janeiro para manifestar o apoio de suas denominações à luta contra as mudanças climáticas causadas pela ação humana.

Estou falando do Encontro Internacional Fé no Clima, organizado pelo Iser (Instituto de Estudos da Religião), em parceria com o GIP (Gestão de Interesse Público). Como os leitores mais assíduos deste blog devem imaginar, a ação conjunta interreligiosa se inspira no exemplo da encíclica “Laudato Si'”, uma espécie de chamado às armas do papa Francisco para evitar os piores efeitos da mudança climática, e tem a intenção de influenciar os debates da Conferência do Clima da ONU em Paris, que acontece no fim deste ano.

Os 12 participantes devem falar tanto da visão que suas tradições religiosas possuem sobre a necessidade de respeitar o ambiente quanto das ações concretas que suas comunidades estão tomando em relação aos problemas ambientais. No fim das contas, deverão assinar um documento de consenso, a Declaração Fé no Clima, que será encaminhada ao governo federal.

Confira a lista de participantes: André Trigueiro (espírita e jornalista), Ariovaldo Ramos (pastor evangélico), Mãe Beata de Yemanjá (Iyalorixá do Ilê Omi Ojuarô), Dolores (Inkaruna) Ayay Chilón, professor de Quechua, da tradição Andina, Mãe Flávia Pinto (umbandista), Rv. Fletcher Harper (pastor episcopal norte americano), Pe. Josafá Carlos de Siqueira S.J (Igreja Católica), Kola Abimbola (Babalorixá Yorubá e acadêmico nigeriano), Léo Yawabane (tradição indígena Huni Kuin, do Acre), Lama Padma Samten (monje budista), Rabino Nilton Bonder (tradição judaica) e Timóteo Carriker (pastor presbiteriano).

Espero voltar a esse assunto em breve, até porque algumas das visões expressas pelo papa Francisco em sua encíclica ambiental chegam perto de ser revolucionárias. De qualquer modo, conseguir juntar tantas crenças juntas em favor de um objetivo no qual a ética e o conhecimento científico caminham lado a lado já merece comemoração.

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Uma encíclica, dois Franciscos https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/06/11/uma-enciclica-dois-franciscos/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/06/11/uma-enciclica-dois-franciscos/#respond Thu, 11 Jun 2015 12:45:16 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=2636 A capa da futura encíclica. (Crédito: Reprodução)
A capa da futura encíclica. (Crédito: Reprodução)

Já abordamos por aqui a vindoura encíclica do papa Francisco, a primeira da história do papado voltada exclusivamente para a questão ambiental. Bem, o Vaticano acaba de confirmar a data de lançamento e o título do documento. O texto sai no dia 18, próxima quinta-feira, e recebeu um nome pra lá de significativo: “Laudato si'” — “Louvado sejas” em italiano medieval. Hein? Italiano medieval? Sim, porque o papa chamado Francisco resolveu usar como mote um poema composto por seu xará e inspirador são Francisco de Assis, o chamado Cântico das Criaturas, composto por volta de 1220 — é o texto poético mais antigo da literatura italiana.

Sabe aquela música (e aquele filme) “Irmão Sol, Irmã Lua”? É exatamente do Cântico das Criaturas que vem a ideia. Trata-se de um louvor extremamente carinhoso e delicado do Universo e do que existe na Terra, dos astros à água e ao fogo. No mínimo, dá pra dizer que a encíclica começou bem, até porque o subtítulo é “sobre o cuidado com a casa comum” — e “ecologia”, pra quem não sabe, é “o estudo da casa”, do lugar onde vivemos, em grego.

Enquanto a gente aguarda o documento papal, vale a pena conferir este gráfico do Centro de Pesquisas Pew, uma espécie de Datafolha dos EUA. Ele mostra quais os papas mais prolíficos na produção de encíclicas desde o fim do século 19. Para alguém que está no começo do pontificado, Francisco até que anda escrevendo bastante, embora ele dificilmente vá bater recordes, na idade provecta em que está.

Encíclicas publicadas por papado desde o fim do século 19 (Crédito: Centro de Pesquisas Pew)
Encíclicas publicadas por papado desde o fim do século 19 (Crédito: Centro de Pesquisas Pew)

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O papa do clima https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/05/04/o-papa-do-clima/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/05/04/o-papa-do-clima/#respond Mon, 04 May 2015 18:45:14 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=2535 Leio no “Crux”, site do jornalão americano “Boston Globe” dedicado à cobertura da Igreja Católica nos EUA e no mundo, que membros da direita secular estadunidense, e também alguns grupos mais conservadores dentro do catolicismo, andam se descabelando por antecipação a respeito da futura encíclica ambiental do papa Francisco, que deve sair neste mês de junho. (Eis aqui um bom e sucinto texto do vaticanista John L. Allen Jr. sobre o tema.). As críticas desse pessoal são duas, basicamente:

1)O papa teria comprado a “falsa ciência” do aquecimento global e agora quer enfiá-la goela abaixo dos pobres católicos (essa é a crítica, digamos, secularizada);

2)A “agenda ambientalista” seria essencialmente uma agenda contrária à fé católica por identificar os problemas ambientais com o crescimento populacional e, portanto, por advogar o uso de anticoncepcionais, o aborto e outras supostas técnicas que “querem acabar com a pobreza impedindo que os pobres nasçam”.

O clima não tá fácil, hein, Chicão? (Giampiero Sposito/Reuters)
O clima não tá fácil, hein, Chicão? (Giampiero Sposito/Reuters)

(Parêntese: embora ainda não esteja claro que o principal tema da encíclica será a mudança climática, trata-se de uma suposição razoável porque Francisco já declarou em outras ocasiões que deseja que seu documento influencie positivamente as discussões diplomáticas sobre o tema que ocorrerão em Paris no fim do ano, sob os auspícios da ONU. O sumo pontífice portenho já declarou em outras ocasiões que para ele estava claro que a maior parte da mudança climática era causada pela ação humana e que achava as estratégias para combatê-la pouco ambiciosas. De quebra, há poucos dias o Vaticano foi palco de uma conferência internacional que defendeu justamente a necessidade de atuar contra o aquecimento global.)

Sem meias-palavras: de todas as coisas boas que Francisco tem feito nestes poucos anos de pontificado, tornar-se um paladino da ação contra a mudança climática é uma das melhores. A crítica à suposta falta de confiabilidade científica dos estudos sobre aquecimento global não se sustenta de jeito nenhum — e, em geral, é feita por grupos que têm todo o interesse do mundo em manter o status quo (tipo gente do lobby do carvão e do petróleo nos EUA). Existem alguns cientistas que duvidam sinceramente da validade do fenômeno? Existem, mas o peso das evidências não parece estar do lado deles por enquanto.

E quanto aos supostos impactos da “agenda ambientalista” contra a doutrina católica?

Tá, é verdade que muitos grupos ambientalistas são defensores do acesso amplo a métodos anticoncepcionais artificiais. No entanto, mesmo que a Igreja se oponha a esses métodos (e obviamente ao aborto), isso não deveria ser impedimento diante da necessidade de reconhecer que as questões ambientais são problemas sérios e reais, que representam uma ameaça séria à sobrevivência humana, em especial a das populações mais pobres. Além disso, a doutrina católica atual pode até se opor aos métodos artificiais de contracepção, mas dá liberdade aos pais que considerem ter uma razão moral séria para restringir o número de filhos para decidir qual será o tamanho da família, desde que usem métodos naturais.

A divergência, portanto, é muito mais de método do que de objetivos. E, obviamente, qualquer movimento ambientalista decente e com a cabeça no lugar sabe que o desperdício e o consumismo desenfreado do Primeiro Mundo é um problema ambiental tão grande quanto, e provavelmente até maior que, as massas famintas do Terceiro Mundo — e fazer as pessoas encararem as consequências éticas do abismo entre ricos e pobres tem sido um dos pontos centrais da mensagem de Francisco.

É claro que é difícil saber se a encíclica ambiental terá algum efeito prático. Mas afirmar com clareza que nem todas as opiniões sobre esse tema são igualmente válidas, no clima atual (com o perdão do trocadilho), não deixa de ser corajoso.

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