Darwin e Deus https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas Mon, 15 Nov 2021 14:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Design Inteligente: vícios de origem do neocriacionismo https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/design-inteligente-vicios-de-origem-do-neocriacionismo/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/design-inteligente-vicios-de-origem-do-neocriacionismo/#respond Thu, 13 Feb 2020 15:49:53 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/Sahelanthropus_tchadensis_-_TM_266-01-060-1-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6098 Estamos de volta com mais uma série de fôlego no blog. Desta vez, meu objetivo é apresentar uma crítica da defesa do DI (Design Inteligente) feita recentemente, em artigo nesta Folha, pelo professor Marcos Eberlin, químico da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Para quem não sabe, a hipótese do Design Inteligente é uma vertente do pensamento criacionista que busca usar métodos da ciência moderna (com ênfase especial na bioquímica) para identificar sinais de um projeto inteligente ou “design” nos seres vivos. A ideia é mostrar que a teoria da evolução se assenta sobre bases empíricas frágeis e, portanto, deveria ser abandonada em favor da hipótese da ação de um designer cósmico que pode ou não ser identificado com o Deus das religiões tradicionais.

O texto do professor Marcos, como eu já disse pessoalmente a ele por meio de nossas redes sociais, pareceu-me uma simples lista de nomes e conceitos que apoiariam o DI, sem uma tentativa de argumentação. Pretendo mostrar aqui que essa lista nem de longe fortalece a posição do DI — aliás, revela que ele jamais se sustentou nem dá sinais de que algum dia há de se sustentar como alternativa CIENTÍFICA à teoria da evolução.

Como a lista do artigo original é gigantesca e não diz quase nada para o leitor que não está familiarizado com o (suposto) debate, precisarei fazer uma série de posts, mas tentarei compensar a falta de concisão com o máximo possível de clareza explicativa. Contudo, antes de mergulhar nos exemplos propriamente ditos, acho que é importante passar a limpo alguns pressupostos básicos:

1)O Design Inteligente não nasceu como um movimento científico

É isso o que estou chamando de “vício de origem” no título do post. Podem ou não existir cientistas sérios que abraçam a ideia hoje (daí a abraçá-la por boas razões é outra história), mas é público e notório que o DI foi pensado como estratégia da “guerra cultural” americana, com o objetivo de oferecer à população dos EUA o que seus criadores consideram uma alternativa filosófica e espiritual ao “materialismo” da ciência moderna. Os dados científicos que supostamente apoiam o DI não vieram primeiro: o que veio primeiro foi a visão filosófica — e, em larga medida, religiosa.

Essa lógica está por trás da chamada “Estratégia da Cunha” gestada pelo Instituto Discovery (parceiro do trabalho do professor Marcos no Mackenzie) ao longo dos anos 1990. A tal “cunha” é a própria ideia de DI, que serviria para abrir caminho, dentro da ciência, a um retorno à visão cristã tradicional de que os seres humanos e o Universo foram criados diretamente por Deus, derrotando assim os “males do materialismo científico”. Como disse um dos arquitetos da estratégia, o professor de direito Phillip Johnson, que morreu em 2019:

“Se compreendermos nossa própria época, saberemos que é preciso afirmar a realidade de Deus desafiando o domínio do materialismo e do naturalismo no mundo da mente. Com a ajuda de muitos amigos, desenvolvi uma estratégia para fazer isso, que chamamos de ‘cunha’.”

Ou como diz o matemático William Dembski, outro expoente do movimento:

“Cristo é indispensável para qualquer teoria científica, mesmo se os que trabalham com ela não tenham a menor ideia sobre Jesus. O lado pragmático de uma teoria científica pode, é claro, ser seguido sem recorrer a Cristo. Mas a correção conceitual da teoria só pode, no fim das contas, ser encontrada em Cristo.”

É claro que isso, por si só, não mostra que os argumentos do DI estão errados. Mostra apenas que ele não é um movimento científico desinteressado que toma os dados experimentais como ponto de partida. Pelo contrário, seu ponto de partida é filosófico e religioso.

2)A relação entre o DI e o criacionismo tradicional é de parentesco estreito

A maioria dos membros do DI nos EUA e no mundo defendeu posições do criacionismo tradicional (em geral, o da Terra jovem, segundo o qual a Terra e o Universo têm poucos milhares de anos, conforme a leitura literal da Bíblia). O livro didático americano “Of Pandas and People”, cujas versões publicadas defendem o DI e foram objeto de decisões judiciais contrárias a elas nos EUA na década passada, inicialmente usava a palavra “criacionismo” no lugar de “design inteligente” em seus rascunhos.

Seria, portanto, interessante que os defensores do DI esclarecessem exatamente em qual modelo das origens do Universo, da Terra e da vida realmente acreditam antes de apenas lançar dúvidas sobre a teoria da evolução. Não adianta muito dizer que agnósticos ou ateus ou defensores da teoria dos Deuses Astronautas também se dizem defensores do DI. Essas exceções não mudam o fato de que, em geral, há uma relação estreita entre o teísmo literalista (em geral literalista bíblico cristão) e o movimento.

Por enquanto é isso. Voltaremos em breve com mais posts sobre o tema.

————–

Conheça o canal do blog no YouTube

Siga-me nas redes sociais: Facebook (do blog), Facebook (pessoal), Twitter, Instagram

Meu Currículo Lattes

]]>
0
Em vez do Future-se, um futuro para o ensino superior https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/10/em-vez-do-future-se-um-futuro-para-o-ensino-superior/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/10/em-vez-do-future-se-um-futuro-para-o-ensino-superior/#respond Tue, 10 Sep 2019 18:15:21 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/abrãão-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5902 É com muito orgulho que recebo no blog mais um texto importante para a discussão da atual encruzilhada na qual se encontram as universidades e instituições de pesquisa do Brasil, massacradas pela falta de verbas e por um governo federal incapaz de compreender a importância da ciência.

O professor Renato de Oliveira, ex-presidente do Andes-SN (Sindicato Nacional de Docentes do Ensino Superior), ex-diretor-presidente da Fapergs (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul) e ex-secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, faz um diagnóstico propositivo do chamado projeto Future-se, do governo Bolsonaro, rejeitando-o, ao mesmo tempo em que advoga uma reforma ousada do ensino superior no Brasil. Vale a leitura. Com formação em sociologia, Oliveira também é professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

————

Um futuro para o ensino superior brasileiro

As forças econômicas e políticas que estão por trás do projeto Future-se têm nomes e CNPJ. São as empresas privadas de educação, que dominam amplamente a oferta de ensino superior no Brasil.

Nos últimos 15 anos, elas foram cevadas com a generosidade de recursos públicos, beneficiadas com iniciativas de governo que aboliram o risco de inadimplência dos seus alunos, garantindo taxas de lucratividade e confiabilidade financeira ao seu negócio que lhes permitiram abrir seus capitais na Bolsa de Valores. Resultado dessa política, o ensino superior brasileiro é um dos mais privatizados do mundo: 7 de cada 10 estudantes estão em instituições privadas, a imensa maioria com fins lucrativos.

Hoje, essas empresas, através de um governo que lhes representa em tudo e por tudo, apresentam sua grande cartada: transferir o núcleo virtuoso das universidades públicas – sua qualidade acadêmica e sua capacidade de pesquisa – para elas próprias, através da mediação de Organizações Sociais que elas próprias constituirão. Realizada essa operação, sem dúvida delicada, as atuais universidades federais serão carcaças vazias, que poderão ser eliminadas sem maiores problemas.

Esse é o projeto. Como enfrentá-lo? Certamente não o será através da defesa do status quo das universidades públicas. Independentemente dos descasos governamentais, as universidades públicas têm problemas graves, e devemos reconhecê-los se quisermos ganhar o apoio da sociedade – que, diga-se de passagem, conhece muito mais as instituições privadas do que as públicas.

Em primeiro lugar, precisamos mudar seu regime jurídico. O regime atual, de autarquias, não serve, pois conceitualmente uma autarquia é um órgão de governo, o que automaticamente anula a autonomia que as universidades devem ter. Uma universidade deve ser uma instituição autônoma destinada à realização de uma função pública, e devemos buscar um conceito jurídico que lhe seja próprio.

Em segundo lugar, devemos reconhecer que o atual modelo de financiamento é inadequado. Querer expandir o ensino superior público com base neste modelo de financiamento é inviável. Assim, ou aceitamos que a expansão do ensino superior, absolutamente necessária, significa a privatização cada vez maior do sistema, ou buscamos fontes alternativas de financiamento. Aliás, os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, que geram recursos significativos, partiram de uma proposta apresentada pela diretoria da Andes no final dos anos 1990 para aumentar os recursos das universidades públicas.

Em terceiro lugar, precisamos acabar com a ilusão de unicidade institucional das universidades. Devem-se criar modelos institucionais distintos baseados na definição de missões institucionais específicas. Por exemplo, está na hora de definirmos um modelo de universidades voltadas ao desenvolvimento regional, que prioritariamente pesquisem e desenvolvam tecnologias aplicadas à solução de problemas regionais. Esse modelo já existe em inúmeros países – o caso mais célebre é o das Universidades de Ciências Aplicadas da Alemanha – e seu sucesso, medido em termos de impacto social e econômico, é indiscutível.

Finalmente, devemos discutir, elaborar e aprovar uma Lei Orgânica do Ensino Superior. Um estatuto legal que estabeleça os princípios básicos para todo o sistema, público e privado, de forma a garantir o interesse público numa atividade que é essencial para garantir a soberania de uma nação no mundo atual.

————–

Conheça o canal do blog no YouTube

Siga-me nas redes sociais: Facebook (do blog), Facebook (pessoal), Twitter, Instagram

Meu Currículo Lattes

]]>
0
Governo Bolsonaro esmaga a ciência brasileira, diz pesquisador https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/03/governo-bolsonaro-esmaga-a-ciencia-brasileira-diz-pesquisador/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/09/03/governo-bolsonaro-esmaga-a-ciencia-brasileira-diz-pesquisador/#respond Tue, 03 Sep 2019 14:51:52 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/marcos-pontes-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5882 Pela terceira vez, é com prazer que recebo aqui no blog um texto do professor Marcelo Lima, do Departamento de Fisiologia e do Laboratório de Neurofisiologia da Universidade Federal do Paraná. O professor Marcelo apresenta abaixo um diagnóstico lúcido e, infelizmente, um bocado triste da ciência brasileira sob a égide de Bolsonaro. Sem mais delongas, vamos ao texto.

———————

Sim, o governo Bolsonaro esmaga a ciência brasileira

Escrevi, meses atrás, por ocasião dos 100 dias do novo governo federal, um texto fazendo um breve balanço acerca das expectativas da comunidade científica brasileira sobre as políticas de Bolsonaro para a área.

Descrevi o panorama de cortes de recursos tanto para o MEC (Ministério da Educação) quanto para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e manifestei minha estupefação a respeito da (agora consolidada) retórica obscurantista disseminada que víamos. O fato novo, e que começa a ganhar um contorno bastante vívido, ao olharmos para nossos pares, é que tal postura de confrontação absoluta e de pauperização de recursos começa a esmagar, dia a dia, a moral e a motivação de nossos pesquisadores, docentes e alunos.

Confesso nunca ter visto, dentro da universidade, tamanha frustração, sentimento de impotência, depressão e resignação. Minha percepção é que o governo está sendo bem sucedido nessa empreitada de desmantelamento, uma vez que agride além da esfera profissional.

A carreira científica nunca foi de grande atratividade para nossos jovens, fruto principalmente das poucas oportunidades de colocação profissional, mas esse quadro se torna cada vez mais precário, uma vez que não teremos condições nem mesmo de oferecer formação científica para nossos jovens. O CNPq, em sua página eletrônica, já coloca em letras garrafais “O CNPq informa a suspensão de indicações de bolsistas, uma vez que recebemos indicações de que não haverá a recomposição integral do orçamento de 2019”.

Há ainda outros alertas: “Informamos que está suspensa, até 30/09/2019, a seleção de bolsistas relativa à Chamada CNPq 22/2018 – segundo período, tendo em vista o disposto no item 16.2 do instrumento convocatório e a indisponibilidade de recursos orçamentários no corrente exercício” e “Informamos que, devido ao atual cenário orçamentário e ao Decreto no. 9.741 de 29 de março de 2019, está suspensa, temporariamente, a implementação de novas bolsas referentes à chamada Universal MCTIC/CNPq no. 28/2018”.

Essas suspensões orçamentárias tem caráter temporário apenas por força de validade do referido decreto, refletindo clara e definitivamente a falta de apreço do governo pela ciência brasileira de hoje e, principalmente, de amanhã, que poderá nem mesmo existir.

Essa crise é repercutida internacionalmente pelas mais renomadas revistas da literatura científica mundial, como a Science e a Nature, em artigos que resumem a situação.

Ironicamente, nesse ambiente infértil, estamos discutindo, em conjunto com a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), a nova formatação de avaliação dos programas de pós-graduação do Brasil, em que se pesam critérios como planejamento estratégico, qualidade e adequação das teses e dissertações, da produção intelectual e dos docentes, destino e atuação dos egressos, internacionalização e impactos na sociedade.

Embora constante e sempre salutar, tal discussão, no ambiente atual, desfruta da inata cientificidade de nossa comunidade. Explico: dê-nos um aspecto técnico para discutirmos que o faremos a exaustão, até chegarmos a alguma conclusão, mesmo que esse aspecto seja referente a como construirmos o melhor e mais eficiente telhado sem ao menos sabermos se haverá tijolos para as paredes.

Pergunto: até quando fará sentido pensarmos em métricas de aumento da qualidade se nossa atividade está à beira do cadafalso? Será que a sociedade brasileira tem uma percepção clara das consequências e dos impactos dessas escolhas para a soberania do Brasil? Parece-me cristalino que, quando um governo vende a ideia de ser patriota “acima de tudo”, contradiz-se gravemente ao impingir tamanha penúria à ciência e às universidades federais.

A proposta do “Future-se” foi à resposta do governo federal à crise, sem trazer nenhuma solução que já não tenha sido contemplada, por exemplo, pela Lei do Marco Legal da Ciência e Tecnologia (Lei No. 13.243 de 11 de janeiro de 2016), e carregando ainda um autoritarismo típico da atual gestão.

Não é à toa que a esmagadora maioria das universidades federais, após longas semanas de discussões e audiências públicas, tem produzido relatórios e pareceres que rejeitam a adesão ao projeto. O projeto chama a atenção também por se fundamentar em ideias fantasiosas de que se poderá arrecadar, por meio de um fundo de gestão obscura, cerca de R$ 50 bilhões através de investidores privados, sendo que atualmente já não há barreiras legais para tais parcerias.

Portanto, já deveríamos contar com um significativo aporte de recursos por meio de parcerias público-privadas, mas não as temos. É possível concluir que a pesquisa científica não gera atratividade para o empresariado brasileiro, que está imerso em impostos e majoritariamente dedica-se à sobrevivência de seus negócios, em sua maioria voltados à prestação de serviços. Além disso, não temos uma cultura formada, aos moldes americanos, de fomento a doações por parte de ex-alunos economicamente bem sucedidos. Há, porém, exemplos de situações em que grandes empresários brasileiros doam fortunas para universidades ou institutos de pesquisa dos Estados Unidos, mas não do Brasil.

Mas o golpe mais duro, no momento, está sendo dado no CNPq, que necessita da liberação de mais R$ 330 milhões de reais para conseguir honrar seus compromissos em 2019. Lembremos que essa situação já tinha sido antecipada em março deste ano pelo presidente do órgão, João Luiz Filgueiras de Azevedo.

A consequência disso será concretizada num corte de 84 mil bolsas de pesquisa que correspondem aos salários de alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado que compõem o grande volume produtivo da ciência brasileira. Para que se entenda isso, devemos imaginar que um laboratório de pesquisa funciona como uma pequena empresa. O gerente equivaleria ao pesquisador principal, que é um docente com amplo domínio daquela área do conhecimento, sendo, portanto, o responsável pela captação de recursos e orientação intelectual e metodológica dos alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado envolvidos.

Esses alunos, portanto, corresponderiam aos funcionários da empresa, sendo remunerados com bolsas de pesquisa e gerando inúmeros produtos como artigos científicos, livros, softwares, medicamentos, vacinas, novos métodos diagnósticos e terapêuticos, entre tantos outros. A própria formação desses recursos humanos altamente qualificados já corresponde a um produto elementar para qualquer país que se propõe a galgar degraus em escalas de desenvolvimento social e econômico.

Tal cenário de desmantelamento é compatível com uma eventual extinção do CNPq ou mesmo fusão com a Capes, para desespero também de seus dirigentes, que se mostram frontalmente contrários a isso, devido a missões e orçamentos distintos das respectivas agências.

Nesse ínterim, não se vê nenhuma ação resolutiva por parte do ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, que também se revelou omisso frente à truculência e boçalidade do presidente Bolsonaro a respeito dos dados sobre as queimadas levantados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Somado a tudo isso, devemos lembrar que estamos à beira de um colapso das universidades federais, considerando o corte orçamentário sem previsão de restabelecimento.

A incapacidade de negociação, ou mesmo de reflexão e autocrítica, por parte do governo, é compatível com essa postura beligerante. Ao debater com um dirigente de alto escalão do governo federal, ligado ao MEC, e com extensa formação acadêmica, fiquei consternado ao ouvir que as críticas que nós, docentes/cientistas, fazemos a essas políticas deletérias servem apenas para reforçar as convicções portadas pelo governo.

Portanto, concluo que a atual gestão federal em momento algum será sensível às nossas causas, já que mesmo os “supostamente” mais bem-intencionados de seus integrantes viram as costas para a ciência e para a universidade pública. Iremos, cada vez mais, ter nossas atividades de produção de conhecimento sendo paralisadas por inanição, removendo assim o nosso país de um honroso e arduamente conquistado décimo-terceiro lugar em produção científica mundial e colocando-o num patamar de ostracismo científico e intelectual que não merecemos e do qual não nos recuperaremos em uma ou duas gerações.

]]>
0
Os 100 dias de governo Bolsonaro e seu impacto para a ciência no Brasil https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/04/22/os-100-dias-de-governo-bolsonaro-e-seu-impacto-para-a-ciencia-no-brasil/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2019/04/22/os-100-dias-de-governo-bolsonaro-e-seu-impacto-para-a-ciencia-no-brasil/#respond Mon, 22 Apr 2019 14:35:38 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/marcos-pontes-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5694 Mais uma vez, é com prazer que abro espaço neste blog para o professor Marcelo Lima, do Departamento de Fisiologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná), coordenador do Laboratório de Neurofisiologia da instituição. Ele traça uma análise precisa — e bastante desalentadora — dos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro, do ponto de vista da ciência nacional. Recomendo a leitura do texto abaixo.

————–

Os 100 dias que deixam sem perspectiva a ciência brasileira

Os 100 primeiros dias do governo Bolsonaro nos permitem rascunhar um prognóstico muito desalentador para a ciência brasileira. O novo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, João Luiz Filgueiras de Azevedo, engenheiro aeronáutico, pesquisador titular do Instituto de Aeronáutica e Espaço da Força Aérea Brasileira e bolsista produtividade 1A do CNPq (membro da elite dos pesquisadores do país, portanto), tem se mostrado muito claro em entrevistas, afirmando que o CNPq só dispõe de recursos para honrar seus compromissos, no melhor cenário, até o mês de setembro próximo.

Um breve histórico mostra um corte de 33% imposto ao orçamento do CNPq, para 2019, comparado ao ano anterior, portanto, caindo para R$ 1 bilhão de reais, sendo que o orçamento de 2018 já possuía uma redução de 11% em relação ao de 2017. Para tornar a situação ainda mais dramática, depara-se também com um contingenciamento orçamentário de R$ 2,13 bilhões que fulmina em cheio o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o segundo mais impactado, representando 42% do orçamento da pasta.

Ainda, considerando o volume de recursos, o ministério mais afetado foi o da Educação (MEC) sofrendo um bloqueio de R$ 5,83 bilhões (25% do total da pasta). Não por acaso, ambos compõem o arcabouço primordial que sustenta o modelo de ciência produzida em nosso país, sempre com forte vinculação à formação de recursos humanos qualificados por intermédio dos programas de pós-graduação das universidades públicas. Isso significa que praticamente toda a produção científica nacional, em todas as áreas do conhecimento, sustenta-se em pilares, já há muito trêmulos, das universidades públicas brasileiras.

Para demonstrar isso, vejamos o panorama de produtividade brasileira, em seus últimos números, segundo a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (para conferir a fonte, clique aqui): das 20 universidades líderes em produção científica 15 são federais e 5 estaduais.

Em conjunto elas produziram (entre 2011 e 2016) 222.858 artigos científicos registrados na base de dados Web of Science, a maior e mais importante existente. Esse número representa 89% de toda a produção científica nacional, no mesmo período, que foi de 250.680 artigos, a sétima mundial, logo atrás da Coréia do Sul (323.460) e a frente de Holanda (242.266) e Rússia (194.126).

Outro parâmetro a ser observado é a qualidade dessas publicações, aferido por um índice chamado pelo relatório de “impacto de citação” que mede o quão valiosa foi aquela produção para sua área, a partir do número de citações que o estudo obteve. Observa-se que a produção brasileira apresenta uma curva ascendente de qualidade, com um crescimento de 18% quando se compara 2011 (0,73) com 2016 (0,86), porém abaixo da média mundial normalizada que é de 1,0. A título de comparação, o impacto médio de citação dos países do bloco do BRICS é de 0,8. O estudo encomendado pela CAPES prevê que devemos atingir esse patamar de qualidade em 2021. Entretanto, o cenário que se desenha à nossa frente parece desvelar um enorme potencial para frustrar essa expectativa.

As evidências que demonstram a forte vocação para produção de conhecimento nas universidades públicas brasileiras, embora numericamente incontestáveis, parecem não estar claras para o governo federal. Não observamos, até então, nenhuma movimentação ou iniciativa que seja favorável a uma melhoria do panorama atual. Nada foi exposto ou discutido com a comunidade acadêmica brasileira, nenhum plano de ação, de metas ou propostas de reestruturação.

A única sinalização mais concreta, feita pela presidência do CNPq, foi a indicação de cancelamento da chamada Universal, tal como ocorreu em 2015 e 2017. Essa chamada pública, supostamente de periodicidade anual, corresponde à maior e mais abrangente fonte de financiamento à pesquisa científica no país (ínfimos R$ 200 milhões em 2018), atendendo a todas as áreas do conhecimento.

Foram 5.572 projetos aprovados em 2018, que receberam, em média, R$ 35 mil para serem gastos no triênio de vigência, ou seja, permitindo um gasto anual médio de R$ 11,6 mil por projeto, incluindo despesas com bens de capital, custeio e serviços. São números que, se comparados aos valores de financiamentos recebidos por pesquisadores europeus, asiáticos ou norte-americanos, de currículos semelhantes aos nossos contemplados, equivalem à verba de material de escritório daqueles pesquisadores estrangeiros.

Portanto, fazer ciência no Brasil é uma arte de produzir muito com muito pouco, pouquíssimo! Com enorme frequência, nossos cientistas tiram dinheiro do próprio bolso para garantirem uma manutenção mínima de seus laboratórios. Além desse tipo de situação, temos, à nossa frente, inúmeras e crescentes barreiras burocráticas, impostas pela máquina pública, e que tornam o processo de compra, mesmo de itens simples como lâmpadas, por exemplo, algo insano.

Somos reféns de um sistema paquidérmico, opressor (pois nunca conseguimos alçar voos mais altos por falta de recursos) e desestimulante. Não é à toa que muitos colegas veem a possibilidade de se transferirem para universidades ou institutos de pesquisa estrangeiros como uma alternativa libertadora. De maneira geral, vejo que essa saída resolve o problema individual do pesquisador que opta por essa saída, mas deixa-se para trás uma deficiência estrutural crescente que precisa ser entendida, exposta e sanada, sob pena de despencarmos nos rankings de produtividade científica mundial.

Na tentativa de contornar essas graves limitações, uma estratégia sempre fomentada por nossas agências é a de realizar cooperações internacionais, via de regra com grupos de pesquisa muito mais bem equipados e com mais dinheiro em caixa para os projetos. No interstício 2011-2016, o número de publicações brasileiras com esse formato colaborativo chegou a 32% (80.291) do total geral produzido, e com impacto de citação médio de 1,31. A China produziu 25% (343.455) de seus trabalhos dessa forma, com impacto de citação médio de 1,43, enquanto a Índia alcançou 23% (81.289) com impacto de citação médio de 1,24. Nossa vizinha de continente, a Argentina, produziu 47% (25.338) de seus artigos em colaboração internacional e com impacto de citação médio de 1,34.

Mas simplesmente terceirizar a produção científica nacional para países mais ricos e estruturados não resolve, de fato, nosso problema de financiamento e até mesmo de soberania em geração de conhecimento. Nesse sentido, uma outra estratégia que emerge como uma possibilidade de política em prol da ciência é aquela que se baseia na descentralização federal com concomitante fortalecimento das fundações de pesquisa estaduais.

Uma proposta, aqui levantada, seria de promover legislações estaduais próprias (muitos estados já as têm) que garantissem orçamentos constitucionais de 1% a 2% de suas receitas tributárias, a essas fundações. Caso os estados não pudessem arcar com esses percentuais mínimos o governo federal, por meio do MCTIC faria a recomposição. Um exemplo bem sucedido, que sempre caminhou nessa direção, embora com recentes cortes, é o da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

A título de comparação, a FAPESP contou, em 2017, com um orçamento de R$ 1,34 bilhão, isto é, 32% maior que o do CNPq, e em 2018 com R$ 1,37 bilhão, que foi 27% maior que o do CNPq, para o mesmo ano. O resultado dessa política de estado é que São Paulo concentra a maior e mais qualificada produção científica do país, detendo a maior rede de centros, institutos e laboratórios de pesquisa que dispomos, sendo referência mundial em várias áreas temáticas.

Mas o modelo de estímulo ao fortalecimento das fundações também tem seus problemas, como os entraves legais, frequentemente impostos pelas assembleias legislativas, tribunais de contas e pelo próprio Poder Executivo, que tornam o fluxo de recursos um caminho tortuoso até as agências de fomento. Nessa ponta, o exemplo que coloco é o da Fundação Araucária (Paraná) que é mantida pelo Fundo Paraná, este, por sua vez, oriundo da captação de 1% das receitas tributárias do estado, porém, servindo a diferentes propósitos, menos caracterizados com ciência, como a complementação da folha de pagamento dos docentes das universidades estaduais. O pretexto aqui é que o recurso seria sim usado para ciência pois paga o salário de docentes que fazem pesquisa.

Abaixo dessa espessa neblina acinzentada que nos sufoca, observamos, aturdidos, a uma série de manifestações, por parte do governo federal, que põem em xeque o próprio papel formativo que temos desempenhado, ao longo dos anos, uma vez que parece haver uma flagrante carência de raciocínio lógico por parte de algumas figuras públicas. Argumentos infundados questionando a teoria da evolução, a ocorrência da ditadura militar e a promoção de um inédito revisionismo histórico em livros didáticos fazem diminuir, e muito, as nossas expectativas, como comunidade científica, de conseguir encontrar, junto ao governo, algum eco favorável a nossas pautas.

Qualquer um de nós, pesquisadores, sabe que uma hipótese deve ser fundamentada em evidências sólidas, comprovada por metodologias complementares, trazendo assim um avanço real para a área em questão. Ao que tudo indica, não temos, nem de longe, essa abordagem metodológica sendo colocada em prática pelo atual governo.

Entretanto, alguma expectativa positiva ainda pode ser depositada nos ombros do ministro Pontes. Ao final do ano passado, pouco antes da eleição em segundo turno, pude assistir a uma palestra do atual ministro, que é tenente-coronel da reserva da Força Aérea Brasileira e engenheiro aeronáutico pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Durante cerca de uma hora, Pontes, vestindo um já apertado macacão nas cores de nossa bandeira, descreveu sua vida de garoto pobre do interior, vencendo na vida por esforço próprio, até chegar à agência espacial americana (NASA) para se tornar o primeiro astronauta brasileiro.

Mas um detalhe fundamental não pode nos escapar aos olhos, e que independe de esforço pessoal, por maior que ele seja para uma empreitada dessas. E esse detalhe é o financiamento. Vale destacar que o período de treinamento, bem como a participação brasileira na missão espacial foram custeados, pelo governo brasileiro, a valores cotados entre US$ 25 milhões e US$ 30 milhões, segundo a Agência Espacial Brasileira. Configurando assim um dos maiores projetos de pesquisa de nosso país, porém com um retorno não maior do que outros tantos que custam R$ 11,6 mil ao ano, considerando à produção e impacto científicos, formação de recursos humanos e nucleação, alcançados. Ou seja, parece que o benefício maior parece ter ficado mesmo com Pontes e a NASA.

Voltando ao otimismo. Percebi que Pontes sabe muito bem a importância das universidades públicas para a produção científica brasileira. Seu discurso deixou isso muito claro. Além disso, ele se mostrou alinhado ao pensamento, que defendemos, de fomentar a inovação sem pressionar a ciência básica que, por definição, pavimenta o conhecimento essencial para o desenvolvimento de métodos e ferramentas de aplicação prática. É importante perceber que nem sempre há uma relação linear entre ciência básica e inovação, mas a segunda, necessariamente, sempre dependerá da primeira.

Essa lógica precisa ser reafirmada justamente para evitar uma euforia de direcionamento de ações voltadas majoritariamente para áreas do conhecimento que tenham uma maior vocação intrínseca para a inovação, como é o caso das engenharias, por exemplo. Ainda sob esse prisma, a captação de recursos por meio de parcerias público-privadas parece ser um meio, em tese, promissor de se buscar financiamentos de maneira independente de recursos públicos.

Porém, o que se percebe é que áreas da ciência de cunho mais abstrato, e de ciência básica, sempre serão preteridas por essa lógica, inevitavelmente voltada para o mercado. E mesmo áreas temáticas de inclinação mais aplicada padecem desse aporte de recursos, muito em função de todo um cenário desfavorável ao setor produtivo somado à falta de cultura empresarial que fomente esse tipo de iniciativa.

O ministro Pontes e o próprio presidente Bolsonaro manifestaram, ainda em campanha, a intenção de elevar a 3% a participação da ciência no PIB, supostamente, reconhecendo a relevância da ciência para o desenvolvimento do país. Mas, considerando todas as evidências de desempenho econômico ruim, manutenção das elevadíssimas taxas de desemprego e subemprego, aliadas as discussões, ainda em construção, sobre a reforma da previdência, vejo que de concreto não teremos nada que pontue a favor de uma recomposição de financiamento público para a ciência brasileira.

As perspectivas de sucateamento e desvalorização de nossas atividades de ensino e pesquisa não são novidade, já ocorreram fortemente nos governos de Dilma Rousseff e de Michel Temer, apenas para ficar nesse breve recorte histórico.

Minha leitura é que estamos diante de um momento histórico de absoluto questionamento de nossa relevância para o país. Até as mais sólidas demonstrações empíricas são colocadas na berlinda como se a construção científico-filosófica que as consolidou fosse fruto de uma paranoide teoria da conspiração.

A título de exemplo deixo aqui os constantes ataques ao fenômeno do aquecimento global. Sem ciência estaremos fadados a nos tornarmos um país plenamente dogmático, que por falsa orientação ideológica, pirraça, ou algo semelhante, mas nunca racional, justifique queimar, em praça pública virtual, a “Origem das Espécies” de Charles Darwin ou patrocinar mudanças historiográficas absurdas. A pavimentação desse caminho é ainda retroalimentada por crenças ilógicas que questionam a eficácia das vacinas, incitam ao remapeamento do planeta por terraplanistas e chancelam, juridicamente, prisões respaldadas em provas mais voláteis que éter.

As políticas voltadas para a ciência precisam ter eficiência para detectar os núcleos de excelência e apoiá-los devidamente, mas também fomentar a nucleação de novos grupos e auxiliar o desenvolvimento daqueles que se encontram no meio ou no início do caminho e que são a maioria. O transcurso desses 100 primeiros dias do governo Bolsonaro não foi capaz de fazer nada disso, tampouco indicar algum outro caminho.

]]>
0
As boas (e péssimas) propostas dos candidatos que podem afetar a ciência https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/22/as-boas-e-pessimas-propostas-dos-candidatos-que-podem-afetar-a-ciencia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/22/as-boas-e-pessimas-propostas-dos-candidatos-que-podem-afetar-a-ciencia/#respond Mon, 22 Oct 2018 17:17:37 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/bolsonarovski-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5477 Na semana que passou tivemos boas notícias sobre os projetos dos presidenciáveis para a ciência no país — e duas notícias péssimas. Neste vídeo do nosso canal no YouTube, faço um resuminho de tudo isso pra vocês.

Em velozes tópicos pra quem não gosta de vídeo:

1)Equipe de Bolsonaro propôs aumentar o investimento em ciência no país para 2,5% do PIB em quatro anos, somando investimentos públicos e privados na área;

2)Falou também em priorizar áreas estratégias (sem detalhar quais);

3)General assessor de Bolsonaro para educação, ciência e tecnologia se disse a favor de conviverem evolução e criacionismo nas aulas de ciência;

4)Aliado de Bolsonaro cotado para o Ministério da Agricultura disse que o aquecimento global “foi exagerado pela esquerda para tentar dominar o mundo”. Sério.

———————

Visite o novo canal do blog no YouTube!

Conheça meus livros de divulgação científica!

Conheça e curta a página do blog Darwin e Deus no Facebook

Quer saber quem sou? Confira meu currículo Lattes

Siga-me no Twitter ou no Facebook

]]>
0
Neste domingo, um apelo para que você vote com ciência https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/05/neste-domingo-um-apelo-para-que-voce-vote-com-ciencia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/05/neste-domingo-um-apelo-para-que-voce-vote-com-ciencia/#respond Fri, 05 Oct 2018 16:38:44 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/marcha-da-ciência-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5399 É o que peço no mais recente vídeo no nosso canal no YouTube. Ei-lo abaixo.

Pra quem é mais de texto, eis a coluna que fiz seguindo mote parecido não faz muito tempo nesta Folha. Boa eleição a todos!

——————

Iniciemos a temporada dos slogans fofos e bregas com um trocadilho, mui gentil leitor. Muita gente por aí vai te pedir para votar consciente nas eleições vindouras. Legal (apesar da frequente cara-de-pau de quem faz o pedido), mas não basta: que tal votar com ciência?

É sério. Dá um certo medo pensar no seguinte fato: embora as pessoas costumem cobrar “propostas” de seus candidatos, no que aliás fazem muito bem, é bastante raro que elas tentem checar se há algum tipo de encaixe entre propostas e um detalhezinho desagradável chamado realidade.

Ou, pior ainda, as tais propostas frequentemente servem apenas como teste de alinhamento ideológico ou pessoal. O candidato Fulano não merece confiança porque “tem ideias de esquerda” ou porque “liberal nem é gente”, ou então o eleitor se põe a aplaudir o que o candidato Sicrano defende só porque “eu sempre achei isso também”. E lá isso é motivo? Tá, você sempre achou isso, mas com base em quê?

Um dos principais jeitos de sair desse eterno achismo autorreferente é usar evidências científicas. Exemplo banal dos últimos dias: quem apoiou a greve dos caminhoneiros (inacreditáveis 87% dos entrevistados pelo Datafolha) pode estar fulo da vida com o diesel caro, mas uma coisa está demonstrada além de qualquer dúvida: queimar diesel a rodo por aí faz muito mal para a saúde humana.

Ou seja, a não ser que você tenha especial predileção por problemas cardiovasculares e respiratórios, em vez de aderir ao “vem pra rua” em favor dos combustíveis fósseis baratos, deveria votar em candidatos que defendam biocombustíveis inovadores e/ou carros elétricos —e, de preferência, que advoguem deixar o pré-sal no fundo do mar pelos séculos dos séculos. (Isso teria o benefício adicional de minimizar a contribuição do Brasil a níveis perigosos de mudança climática. Outro fato científico, aliás —aceita que dói menos.)

A lista poderia continuar indefinidamente. Um mundaréu de gente anda se descabelando por causa de segurança pública, dispondo-se até a votar em mula-sem-cabeça por conta disso, mas relativamente poucos se perguntam se uma política de guerra funciona para coibir o tráfico de drogas (spoiler: não funciona), ou qual o impacto da falta de saneamento básico e de escolaridade sobre o risco de uma criança virar um adulto criminoso (outro spoiler: alto).

Evidências científicas ajudariam muito a saber quem está falando bobagem, propondo políticas que só vão gastar dinheiro público para piorar as coisas.

Como sou confessamente ingênuo, mas não de todo bobo da cabeça, sei que o que estou propondo acima é só o começo. Fatos são importantes, mas escolhas políticas dependem também, em grande medida, do projeto de sociedade que você tem na cabeça: vale dizer, daquilo que desejamos ser coletivamente.

De qualquer modo, não consigo deixar de achar um alento que cientistas brasileiros estejam tentando entrar na política.

Pode ser que eles se revelem um desastre como políticos, mas o tipo de pensamento que eles representam precisa se infiltrar cada vez mais na consciência do país.

———————

Visite o novo canal do blog no YouTube!

Conheça meus livros de divulgação científica!

Conheça e curta a página do blog Darwin e Deus no Facebook

Quer saber quem sou? Confira meu currículo Lattes

Siga-me no Twitter ou no Facebook

]]>
0
Os problemas sérios das propostas de Bolsonaro (e de outros liberais) para a ciência https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/04/os-problemas-serios-das-propostas-de-bolsonaro-e-de-outros-liberais-para-a-ciencia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/10/04/os-problemas-serios-das-propostas-de-bolsonaro-e-de-outros-liberais-para-a-ciencia/#respond Thu, 04 Oct 2018 15:16:01 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/Jair_Bolsonaro_cropped-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5394 O programa de governo do candidato Jair Bolsonaro (e também de outros candidatos de viés liberal, como João Amôedo) defende que a ciência brasileira tem de ser financiada pela iniciativa privada porque o modelo de investimento público “está totalmente esgotado”. Será mesmo? Em algum lugar do mundo existe ciência de ponta sem investimento público? A resposta é um retumbante “Não!”, como tento explicar neste vídeo.

Convido a todos os leitores a conferirem excelentes explanações sobre o tema, que me ajudaram muito, neste link e também neste aqui, ambos do site Direto da Ciência, editado pelo mestre do jornalismo científico Mauricio Tuffani. O primeiro foi escrito pela colega Cinthia Leone.

Para quem não gosta de vídeo, uma brevíssima explanação em texto:

1)A ideia de que investimentos privados vão produzir ciência de alto nível e grandes inovações tecnológicas tem muito de falácia. Embora haja muitas empresas inovadoras no mundo desenvolvido, a ciência básica continua a ser financiada pelo Estado, a fundo perdido, no planeta inteiro;

2)É justamente a ciência básica a responsável por gerar as novas tecnologias — atenção para o palavrão adorado pelo mundo do coaching — realmente “disruptivas”, que criam novas indústrias, novas áreas de economia que ninguém sonhava antes. Foi assim com o laser, com a nanotecnologia, está sendo assim com a edição de DNA;

3)É irônico Bolsonaro mencionar o grafeno e o nióbio em seu programa de governo porque são justamente exemplos de coisas que a gente só sabe aplicar em produtos porque houve a ciência básica — aquela que “não serve pra nada” — antes.

———————

Visite o novo canal do blog no YouTube!

Conheça meus livros de divulgação científica!

Conheça e curta a página do blog Darwin e Deus no Facebook

Quer saber quem sou? Confira meu currículo Lattes

Siga-me no Twitter ou no Facebook

]]>
0
O que significa a “autoridade” da ciência? Participação no podcast Oxigênio https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/03/11/o-que-significa-a-autoridade-da-ciencia-participacao-no-podcast-oxigenio/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/03/11/o-que-significa-a-autoridade-da-ciencia-participacao-no-podcast-oxigenio/#respond Sun, 11 Mar 2018 11:25:36 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/Oxigênio-Banner-Site-320x213.png http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4876 Não faz muito tempo, tive o prazer de ser convidado para participar do podcast Oxigênio, organizado pelo pessoal do Labjor da Unicamp — para quem não sabe, uma das poucas iniciativas sérias voltadas para o treinamento de novos jornalistas científicos e comunicadores de ciência no país. Coube a mim falar sobre a dureza que é enfrentar devotos da Terra plana, negadores das mudanças climáticas causadas pelo homem, criacionistas e outros sequazes da pseudociência. Ouçam, por favor, ficou bacana. Também é possível baixar o podcast em aplicativos das plataformas Android e Apple, caso a ideia seja ouvir no celular no caminho para o trabalho, entre outras possibilidades.

———————

Visite o novo canal do blog no YouTube!

Conheça meus livros de divulgação científica!

Conheça e curta a página do blog Darwin e Deus no Facebook

Quer saber quem sou? Confira meu currículo Lattes

Siga-me no Twitter ou no Facebook

]]>
0
Nem Exu salva https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/08/11/nem-exu-salva/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/08/11/nem-exu-salva/#respond Fri, 11 Aug 2017 19:28:55 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/08/exu-e1502479989968-180x147.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4461 Esses dias, ouvi de um cientista brasileiro a seguinte declaração (na base da brincadeira, claro, mas aquela brincadeira amarga, gosto-de-cabo-de-guarda-chuva, com fundo de verdade):

“Acho que vou fazer um despacho pra ver se algum Exu se compadece e arranja uma verba pra gente continuar pesquisando.”

A situação não tá feia, pessoal — tá horrenda.

]]>
0
Tesourômetro da ciência https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/07/18/tesourometro-da-ciencia/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/07/18/tesourometro-da-ciencia/#respond Tue, 18 Jul 2017 20:26:55 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/07/Impostometro-Foto-Pietro-Sitchin-SBPC-180x120.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4391 Tem gente que se indigna ao ver o impostômetro (com ou sem razão, a gente pode discutir em outra oportunidade) que mostra o quanto o governo “come” da renda nacional por meio das mais variadas taxas. Aqui na reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), os pesquisadores resolveram criar uma variação desse conceito que mostra o tamanho do buraco para o qual a pesquisa brasileira tem rolado lenta e tragicamente nos últimos anos.

Falo do Tesourômetro do Conhecimento na foto acima, inaugurado nesta quarta (18) aqui na UFMG, na capital mineira, onde ocorre a reunião da SBPC. O número é portentoso, senhoras e senhores: quase R$ 11,5 bilhões subtraídos aos orçamentos dedicados à pesquisa nacional e às universidades públicas em dois anos. A foto é de Pietro Sitchin.

Sim, já sabemos que a coisa tá feia e cortes são inevitáveis. Mas certeza que não tinha outro lugar de onde arrancar tanta grana? Entre impostômetro e tesourômetro, o que é pior mesmo?

——————-

Visite o novo canal do blog no YouTube!

Conheça meus livros de divulgação científica

Conheça e curta a página do blog Darwin e Deus no Facebook

Quer saber quem sou? Confira meu currículo Lattes

Siga-me no Twitter ou no Facebook

]]>
0