Darwin e Deus https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas Mon, 15 Nov 2021 14:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Joshua Greene e o cérebro moral: entrevista na íntegra https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/07/04/joshua-greene-e-o-cerebro-moral-entrevista-na-integra/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/07/04/joshua-greene-e-o-cerebro-moral-entrevista-na-integra/#respond Wed, 04 Jul 2018 16:54:02 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/joshua-greene-foto-320x213.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=5221 Saiu no caderno Ilustríssima deste domingo minha entrevista com o psicólogo e filósofo americano Joshua Greene, que tem feito uma junção provocativa de psicologia evolutiva, neurociência e utilitarismo para tentar achar novos caminhos para o raciocínio moral que escapem das divisões tribais. É com prazer que divido com vocês a íntegra da entrevista abaixo. Boa leitura!

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O americano Joshua Greene começou sua carreira científica tentando entender o que acontecia no cérebro das pessoas diante de um dilema inusitado: usar ou não usar um rapaz muito gordo como breque de bonde?

Ocorre que esse tipo de cenário, por mais estapafúrdio que pareça, virou uma das bases do estudo do funcionamento das nossas noções de certo e errado, em grande parte graças a Greene e seus colegas. Nos dois principais estudados pelo psicólogo e filósofo, o corpo do pobre sujeito só é prensado pelo bonde porque tem o tamanho exato para impedir que o veículo mate outras cinco pessoas. Troca-se uma vida por cinco, portanto.

Greene e seus colaboradores descobriram que as pessoas reagem de modo específico a contextos diferentes desse cenário. É mais fácil que alguém tope sacrificar o pobre obeso se, para isso, tiver de apertar um botão ou uma alavanca para desviar o bonde, mas as pessoas relutam muito em empurrar a vítima na direção do veículo com as próprias mãos, ainda que o resultado de ambas as ações seja o mesmo.

O cérebro levado a imaginar esses cenários reage de forma muito diversa – no segundo caso, ativando áreas ligadas às emoções. Os dados levaram o psicólogo e filósofo da Universidade Harvard a formular suas ideias sobre a origem dual dos nossos sistemas morais: eles teriam uma profunda base emocional, a qual só mais tarde ganha elementos de racionalidade.

Em seu livro “Moral Tribes” (ainda sem versão brasileira), Greene propõe que isso está na raiz de boa parte das desavenças políticas e culturais do mundo moderno. Nossa moralidade emocional funcionaria bem quando lidamos com membros de nossa própria “tribo”, mas patinaria diante de pessoas ligadas a grupos muito diferentes. Para sair desse impasse, ele propõe uma adesão pragmática ao utilitarismo, ou seja, a tentativa de priorizar o mínimo de sofrimento e o máximo de bem-estar para o maior número possível de pessoas. Convidado do ciclo de palestras “Fronteiras do Pensamento”, Greene falou à Folha por telefone durante sua visita ao Brasil.

Folha – É cada vez mais frequente ver cientistas argumentando que, agora que temos grandes avanços na neurociência, na teoria dos jogos, na psicologia evolutiva e em outras áreas, a filosofia está se tornando supérflua ou inútil. O que pensa a esse respeito?

Joshua Greene – Não, a filosofia ainda é muito útil. É claro que ela precisa aprender a incorporar os achados da ciência, mas as descobertas científicas, se vistas de forma isolada, jamais vão ser capazes de lidar com as questões normativas, ou seja, não vão nos dizer o que deveríamos fazer ou não com nossas vidas. A ciência é capaz de nos dizer que tipos de ações têm uma probabilidade maior de produzir esse ou aquele resultado; mas, em última instância, nós é que temos de decidir quais os parâmetros para seguir um curso de ação.

O problema de alguns filósofos morais é que eles ainda tentam enxergar a filosofia como se fosse matemática: vamos ignorar esse monte de fatos bagunçados e tentar obter respostas substanciais a partir do raciocínio puro. Acho que esse projeto está fadado ao fracasso. Temos de seguir adiante incorporando os fatos científicos.

Quando o sr. propõe o “pragmatismo profundo” ou utilitarismo como uma “metamoralidade”, a sensação é que ideias como essa sempre vão ter dificuldades para ser aceitas porque lhes faltam os elementos intuitivos que fazem as pessoas aceitarem outros tipos de princípios morais de modo natural. Há algum jeito de sair desse dilema?

Concordo que não existe nenhuma saída muito fácil. A grande força – e a grande fraqueza – do utilitarismo é que ele vai além da simples intuição. Como explico em meu livro, quando você tem duas “tribos” diferentes com interesses conflitantes, não há como você apelar para as intuições morais delas, que podem ser bem diferentes entre si. Digamos que o utilitarismo é como uma segunda língua que todos nós podemos aprender a falar de um jeito desajeitado.

Não é o idioma no qual nós conseguiríamos expressar naturalmente os nossos instintos morais, mas é algo que podemos acessar se estivermos dispostos a fazer esse esforço, porque todos nos importamos com as consequências das nossas ações. Seria um nível básico de imparcialidade cuja fundação é o fato de que todos temos algum compromisso com a justiça, com a ideia de evitar o sofrimento e buscar a felicidade, mesmo que não tenhamos um sentimento profundo no nosso coração que crie um apego por esse ponto de vista.

Desse ponto de vista, o pensamento religioso, que muitas pessoas associam às bases da moralidade, acaba sempre sendo tribal, independentemente do conteúdo de cada religião específica, na sua opinião?

Todas as religiões têm elementos universais e outros que são típicos de cada tribo. A ideia básica da Regra de Ouro [presente nos ensinamentos de Jesus e Confúcio, por exemplo], “não faça aos outros o que você não quer que façam com você”, ocorre numa variedade muito grande de religiões, por exemplo, e é compatível com uma metamoralidade. O que acaba fazendo muita diferença é: qual o tamanho do seu “círculo de preocupação” em determinada cultura religiosa? Ele se estende apenas aos seus vizinhos e correligionários ou vai mais longe?

Então, a questão não é dizer que a religião é compatível ou incompatível com a metamoralidade, mas perceber que ela pode funcionar como uma espécie de “portal moral” para uma visão mais global. Tenho certeza de que compartilho mais aspectos dessa visão com algumas pessoas profundamente religiosas que conheço do que com outros céticos como eu que acabam adotando uma visão mais niilista e egoísta.

Um fenômeno bastante assustador que aparece às vezes em experimentos na sua área de pesquisa é a chamada punição antissocial, quando os participantes de um experimento aceitam perder recompensas apenas para punir quem segue as regras do jogo. É algo que se manifesta com mais frequência com participantes que são de países desiguais e pouco democráticos. Esse fenômeno poderia se tornar mais comum no mundo?

Essa é uma observação bastante interessante. Só para deixar claro do que estamos falando: nesses jogos de laboratório normalmente cada um dos participantes recebe uma pequena soma em dinheiro e pode investi-la numa espécie de fundo comum ou ficar com o dinheiro para si. O dinheiro investido nesse fundo volta “com juros” ao longo das rodadas do jogo e é dividido igualmente entre eles, então racionalmente seria do interesse de todo mundo fazer o investimento.

Bom, você também tem a opção de gastar parte do seu dinheiro para punir outros participantes, tirando dinheiro deles. Em alguns casos, vemos a chamada punição pró-social, na qual as pessoas estão dispostas a tirar dinheiro do bolso para forçar os colegas a contribuir para o fundo comum, mas também há a punição antissocial, na qual algumas pessoas resolvem punir quem é “bonzinho demais”.

Quando você pergunta para as pessoas que aderem a essa punição social por que elas fazem isso, em geral elas respondem coisas como “Não gosto desse jogo, não gosto que me forcem a seguir essas regras estranhas” – elas tendem a perceber o sistema como algo coercitivo.

É intrigante que o sr. coloque as coisas dessa maneira, porque eu já tinha visto outras explicações segundo as quais a variável-chave seria a confiança – em culturas nas quais as pessoas não confiam nas instituições, elas tenderiam a agir desse modo.

Sim, acho que o que eu disse antes tem mais ou menos o significado. A questão é uma revolta contra o sistema em si segundo o qual as coisas funcionam. Acho que é um fenômeno similar ao que vemos quando as pessoas votam em políticos com retórica violenta, de personalidade antissocial e desonesta, como Donald Trump. O raciocínio é: “Não estou nem aí se essa escolha acabar até me prejudicando, tudo o que eu quero é chacoalhar esse sistema que está me mantendo por baixo”.

Parece haver um consenso de que a desigualdade econômica tem aumentado no mundo todo, inclusive nos países desenvolvidos. Há dados mostrando qual o efeito disso sobre as tentativas de achar um terreno comum no que diz respeito a dilemas morais? Sociedades desiguais são naturalmente mais divididas?

Por si só, uma democracia que continua a ser uma democracia tende a autocorrigir esse tipo de desequilíbrio: existem mecanismos para fazer com que as pessoas que concentram a riqueza em suas mãos acabem revertendo boa parte de seus ganhos em benefício de toda a sociedade. Mas o que acontece é que, ao menos nos EUA, um certo ramo da elite econômica queria achar outra estratégia para manter seus ganhos.

E é óbvio que eles não iam dizer na cara de todo mundo “Vamos diminuir os impostos pagos pelas grandes empresas e pelos ricos e gastar menos com serviços que beneficiam a população” – não seria uma plataforma muito popular. Eles precisavam de outra coisa para fazer com que as pessoas embarcassem no projeto deles, e por isso têm apelado para preconceitos tribais naturais: o problema são os mexicanos, são os muçulmanos, são os elitistas esnobes querendo tirar o seu suado dinheirinho de americano comum.

De modo geral, o sr. concorda com a ideia de que tem havido bastante progresso moral no mundo, conforme argumentam pesquisadores como o psicólogo Steven Pinker? Temos razões para ser otimistas?

Concordo com a avaliação de Pinker – veja bem, com a avaliação dele, não com as caricaturas que as pessoas às vezes fazem do trabalho dele (risos). A tendência geral é que as coisas estão de fato ficando melhores para a maioria das pessoas – tudo isso é verdade. Agora, também devemos ressaltar que essa jornada é extremamente dolorosa, ainda que não precisasse ser assim. E cada nova tecnologia faz com que os riscos que enfrentamos fiquem mais extremos. Uns poucos erros terríveis podem fazer com que muita gente morra num inverno nuclear ou com armas biológicas contra as quais nosso sistema imune não tem defesa. De qualquer maneira, acho que temos boas razões para sermos otimistas.

Quais são seus próximos grandes projetos de pesquisa ou como escritor?

O que tenho no horizonte é tentar aplicar métodos mais diretos para fazer com que diferentes tribos morais achem pontos em comum e trabalhem juntas. Além disso, no meu laboratório, estamos investigando algumas questões básicas sobre como o pensamento humano funciona – como traduzimos pensamentos em palavras e imagens, por exemplo. O outro lado dessa busca é aprender como aplicar descobertas desse tipo na criação de máquinas que de fato sejam capazes de pensar.

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Por que a vida das mães humanas é tão complicada? https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/03/19/por-que-a-vida-das-maes-humanas-e-tao-complicada/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2018/03/19/por-que-a-vida-das-maes-humanas-e-tao-complicada/#respond Mon, 19 Mar 2018 18:09:03 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/mulher-veia-320x213.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4893 Por motivos de falta de espaço, um texto que eu havia preparado para uma revista sobre as raízes biológicas da maternidade humana acabou não sendo publicado. É com prazer, portanto, que compartilho essa minha tentativa de resumir o que significa ser mãe na nossa espécie com os leitores do blog. Espero que gostem – o título de trabalho original era algo como “Predestinada a dar à luz?”.

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Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso há de concordar que ser mulher e mãe não é brincadeira. Aliás, tem sido quase sempre assim desde antes de existirem mulheres propriamente ditas. A vida dura das genitoras humanas já estava esboçada, em grande medida, centenas de milhões de anos atrás, quando surgiram as diferenças de tamanho e características que ainda distinguem óvulos de espermatozoides.

Pode parecer maluquice, mas é a pura verdade. Essa distinção, que provavelmente é tão antiga quanto a origem dos primeiros animais, é o elemento mais básico que separa um sexo do outro e tem uma série de consequências importantes. A primeira delas: óvulos são proporcionalmente enormes – basta dizer que eles estão entre as raras células que a gente consegue observar a olho nu –, enquanto espermatozoides costumam ser nanicos. Esse tamanhão dos óvulos permite que eles armazenem uma quantidade considerável de nutrientes e outras moléculas essenciais para o desenvolvimento do futuro embrião; por outro lado, suas contrapartes masculinas não passam de micronadadores de longa distância, sem nem um tiquinho de gordura sobrando em sua estrutura celular.

Outra diferença crucial: óvulos são relativamente escassos, em especial entre mamíferos – não é à toa que existe o chamado ciclo menstrual, durante o qual eles são liberados aos pouquinhos (um por um ou, bem mais raramente, dois por vez no caso dos seres humanos) num período específico do mês. Em comparação, a tradicional falta de sutileza masculina fica clara: centenas de milhões de espermatozoides jorrados a cada ejaculação. Chega a dar vergonha.

Questão de economia
E daí? Daí que essas diferenças podem ser traduzidas em linguagem econômica de um jeito bem simples: em geral (grife mentalmente esse “em geral”, porque existe muita variação na natureza, óbvio), óvulos são caros, espermatozoides são baratos. Ou, só pra continuar falando em economês, o investimento reprodutivo que as moças da maioria das espécies fazem tende a ser maior do o que dos rapazes (de novo, em média, com exceções etc.). Isso acontece porque, primeiro, o organismo normalmente gasta mais energia e recursos para produzir células sexuais femininas do que masculinas.

Esse desequilíbrio fica ainda mais claro quando o óvulo fecundado é gestado dentro da barriga da mãe, como acontece com quase todos os mamíferos (embora certos machos também fiquem grávidos, como é o caso dos cavalos-marinhos). Além disso, é relativamente comum que investimentos pesados, daqueles que nem o BNDES toparia financiar, continuem após o nascimento da filharada, com a maior parte ou a totalidade do chamado cuidado parental – amamentar, carregar de lá para cá etc. – ficando nas costas da garota (de novo, exceções não faltam; em muitas espécies de aves, o papai tem grandes responsabilidades nessa esfera). Esse cenário geral vale para uma grande variedade de animais que adotam o cuidado parental – o que, claro, não é o caso dos muitos bichos que apenas botam seus ovos e deixam os bebês se virarem desde o nascimento, como as tartarugas-marinhas – e provavelmente é a regra para os mamíferos desde que eles surgiram, lá se vão mais de 200 milhões de anos.

Tartaruga-marinha: sem cuidado parental, diferentemente da nossa espécie (Crédito: Creative Commons)

Recorde agora que nós somos, no fundo, não mais que um tipo de grande símio africano com postura ereta e pouco pelo. As fêmeas humanas gestam seus bebês por nove meses e, quando os bichinhos nascem, são completamente indefesos, descoordenados e precisam mamar, às vezes por anos a fio. Tudo isso significa que o padrão mais comum de investimento reprodutivo entre outros mamíferos – e as assimetrias e os desequilíbrios entre os sexos que derivam dele – também se manifesta entre nós de certa maneira, o que explica parte importante do peso que recai sobre os ombros das mulheres desde que o mundo é mundo.

Ainda seguindo o raciocínio econômico dos últimos parágrafos, faz sentido que elas sejam significativamente mais seletivas na escolha de parceiros sexuais que os homens. Afinal, na era pré-anticoncepcionais confiáveis (ou seja, basicamente pelos séculos dos séculos, se descontarmos o piscar de olhos entre os anos 1960 e hoje), o espectro de uma gravidez provocada por sexo com o sujeito errado era assunto muito sério. Sempre que podiam escolher com quem gerar bebês, as mulheres tendiam, sabiamente, a não dar bola para qualquer mané (ou elas ou suas famílias, claro, mas temos boas razões para acreditar que uniões arranjadas são coisa recente, dos últimos 10 mil anos ou menos, quando fatores como riqueza e diferenciação social se tornaram comuns pela primeira vez). Homens, por sua vez, tinham incentivos consideravelmente maiores para investir seu suprimento virtualmente ilimitado de espermatozoides da maneira mais ampla possível: o que caísse na rede era peixe, certo?

Bem, mais ou menos – aqui, é preciso não traçar um cenário unilateral demais. Somos uma espécie mais complicada do que os gorilas ou elefantes-marinhos, bichos que formam haréns nos quais um único macho fecunda regularmente diversas fêmeas, enquanto os demais membros do sexo masculino ficam chupando o dedo (de novo, a poligamia parece ser uma invenção recente entre nós). Os pais da nossa espécie são meio preguiçosos, não se pode negar, mas ainda assim até que dão uma mãozinha considerável na criação dos bebês, e o mesmo deve ter valido desde as origens da linhagem humana, segundo a maioria dos antropólogos. Isso, claro, diminui um pouco a avidez deles no que diz respeito a saltar a cerca de casa. Por outro lado, desde que o mundo é mundo, mulheres assumem o risco de se envolver com outro parceiro se perceberem que o atual é um banana ou não dá a mínima para elas – ou seja, no fundo, quando se dão conta de que ele não está colaborando com sua parte no bolão do investimento reprodutivo.

Ressalvas à parte, porém, o fato é que, em média (e considerando que existe uma enorme variabilidade de comportamento de pessoa para pessoa, algo que a gente nunca pode esquecer), as diferenças entre os sexos que estão ligadas a causas biológicas ainda são significativas. E há dados intrigantes que sugerem que as repercussões disso vão além do comportamento sexual, afetando a maneira como as mulheres lidam com os anos de escola ou o mercado de trabalho, por exemplo.

Uma das defensoras dessa visão é a psicóloga do desenvolvimento canadense Susan Pinker, autora do livro “O Paradoxo Sexual”. O primeiro ponto ressaltado por ela é que, em média, não há diferença detectável de inteligência ou habilidade entre homens e mulheres: é basicamente balela sair por aí dizendo que meninas “não têm cabeça para matemática” ou não conseguem se impor quando viram chefes, por exemplo.

Dilema dos extremos
O curioso, no entanto, é que essa grande semelhança média ao que parece esconde uma diferença estatística significativa. No que diz respeito a diversas variáveis comportamentais e mentais, as mulheres têm uma tendência maior a serem relativamente normais e equilibradas, enquanto os homens acabam se espalhando mais para os extremos. Sem meias-palavras, parece que há mais gênios entre os homens, só que também há mais idiotas entre eles (essa segunda parte não deve ser surpresa para as mulheres, aliás). É plausível – embora seja difícil de demonstrar cabalmente – que isso tenha relação com as estratégias evolutivas diferentes de cada sexo: para os homens, valeria mais a pena “apostar” (de forma inconsciente, claro) em comportamentos extremos, que talvez trouxessem mais retorno em quantidade de parceiras sexuais, do que para as mulheres, para as quais táticas mais conservadoras seriam um jeito melhor de fazer desabrochar seu potencial reprodutivo.

Para Susan, isso também ajudaria a explicar por que, apesar do aumento do número de mulheres em posições de destaque em áreas como o direito e as ciências biológicas, elas ainda são minoria em física ou computação (campos que favorecem interesses muito específicos e, por vezes, estreitos) ou no comando de grandes empresas (ocupações nas quais se espera que o sujeito basicamente não tenha mais vida pessoal).

O indefectível Sheldon de “The Big Bang Theory”: exemplo dos extremos masculinos? (Crédito: Divulgação)

Isso quer dizer que as mulheres não são tão duronas profissionalmente? Pode ser justamente o contrário, argumenta ela. “Durante a crise financeira de 2008, mais homens perderam seus empregos e cometeram suicídio, enquanto as mulheres se recuperaram com muito mais facilidade, porque elas tinham uma tendência menor a colocar todos os seus ovos no mesmo cesto. Enquanto muitos homens trabalhavam 70 horas semanais num emprego único que envolvia um só conjunto de habilidades, elas tinham dois trabalhos de meio período, em ramos como serviços ou educação, que não fecham vagas com tanta facilidade”, diz Susan. Faz sentido imaginar que há alguma ligação entre tudo isso e a responsabilidade biológica que a mulher assume com a cria. Aliás, há alguns indícios de que o cérebro feminino lida melhor com o “multitasking”, a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, e que isso tem relação com o efeito dos hormônios femininos sobre o sistema nervoso.

Será que tudo isso significa que exigir participação igual das mulheres em todas as áreas do conhecimento e do mercado de trabalho é utópico e até contraproducente, gerando um conflito desnecessário entre os sexos? Bem, a coisa é complicada. De um lado, ignorar a influência da biologia sobre tudo o que nós somos equivale a tapar o Sol com a peneira. De outro, biologia é importante, mas não é destino escrito nas estrelas – do contrário muita gente lendo esse texto teria morrido na infância por causa de infecções bobas que dizimavam as pessoas antes da invenção dos antibióticos. Talvez a maioria das mulheres continue a não se empolgar com a ideia de trabalhar como mecânica de caminhões ou de liderar uma multinacional, mesmo que as portas dessas carreiras estejam totalmente abertas para elas – e tudo bem, ora: a liberdade de escolher também deveria valer para quem não vê problema em seguir o caminho que parece ser o mais natural. Tudo bem, repito, desde que a gente não esqueça que pessoas são indivíduos, não médias populacionais: algumas mulheres (talvez a minoria?) escolherão caminhos que veríamos como “masculinos” – e não serão menos femininas, ou menos humanas, por causa disso. Nenhuma das duas possibilidades é motivo para a gente ficar arrancando os cabelos.

Por outro lado, não há motivo para não repensarmos o que entendemos por “sucesso” ou “liderança”, hoje com base em critérios tradicionalmente masculinos. Por que diabos uma alta executiva ou uma professora universitária de renome internacional deveriam ser forçadas a ficar longe de seus filhos, ou até se sentirem pressionadas a não formar uma família, para conseguir cumprir o papel tradicional de escravo do trabalho? Por que não criar incentivos para que empresas e órgãos governamentais deem mais espaço para creches de qualidade, horários flexíveis e “home office” (o popular trabalho em casa)? Medidas como essas podem muito bem criar ambientes mais equitativos e recompensadores pra todos, homens e mulheres. O escriba que vos fala sabe bem o que é isso: abri mão de ser editor de Ciência na Folha para morar no interior de São Paulo com a minha família e poder ver meus filhos todo santo dia. Não acho que eu seja “menos homem” por causa disso. Diferenças biológicas não deveriam ser vistas como camisas-de-força.

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Entrevista com Susan Pinker na íntegra https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/12/11/entrevista-com-susan-pinker-na-integra/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/12/11/entrevista-com-susan-pinker-na-integra/#respond Mon, 11 Dec 2017 12:35:38 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/12/susipeinker-180x120.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4684 Saiu na edição impressa de sexta-feira desta Folha a entrevista que fiz com a psicóloga Susan Pinker. Pra quem se interessou pelo gostinho do papo que coube no papel, eis aí a conversa praticamente na íntegra. Divirtam-se — a moça é gente boa e brilhante.

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Ter milhares de amigos nas redes sociais da internet pode ser divertido e estimulante, mas as conexões que realmente fazem diferença para a saúde, a longevidade e a qualidade de vida são as que acontecem cara a cara. Contato humano direto e frequente é uma necessidade biológica básica, como comer e dormir, defende a psicóloga canadense Susan Pinker, 60.

Responsável pela última conferência deste ano do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, que aconteceu nesta semana em Porto Alegre e São Paulo, Pinker é especialista em psicologia do desenvolvimento e lecionou durante 25 anos em instituições como a Universidade McGill, em Montreal, onde nasceu. Os dados que colheu sobre a importância das redes sociais robustas no mundo real estão reunidos em seu livro mais recente, “The Village Effect” (“O Efeito Vilarejo”), publicado em 2014.

Em entrevista à Folha, Susan, que é irmã de outro psicólogo célebre (Steven Pinker, da Universidade Harvard), explica o efeito protetor da religião para a saúde e fala da importância e dos perigos de usar a teoria da evolução para estudar a mente humana.

Folha – Existe uma relação direta entre a tese central do seu livro e a trajetória evolutiva da nossa espécie, que surgiu em pequenos grupos muito unidos de poucas centenas de indivíduos?
Susan Pinker – Nossa trajetória evolutiva é a de animais sociais, como a de muitos outros primatas. Estamos falando de uma necessidade biológica, como água, comida, sono e sexo – o contato social é um ímpeto biológico nos seres humanos. É por isso que ações simples como conversar com os amigos ou com a família, o fato de ter contato com pessoas ao longo do dia, mesmo que seja algo superficial, como fofocar um pouco ou atuar como voluntário na sua igreja, pode se refletir num aumento de vários anos na sua expectativa de vida em comparação com pessoas solitárias – isso porque o contato social tem efeitos fisiológicos.

Mas eu realmente quero mostrar que esse efeito que vem do nosso passado evolutivo também funciona hoje. OK, há uns 10 mil anos atrás todos nós vivíamos em pequenas comunidades de umas 150 pessoas cada uma, mas o que é muito importante é que nós recriamos esses vilarejos – e essa é a metáfora do título do meu livro – na nossa vida diária. Ou seja, não apenas nos encontrando com nossos velhos colegas da faculdade, com mães ou cônjuges, mas garantindo que tenhamos acesso a uma rede social diversificada e integrada. Isso é o mais importante.

Esse número de 150 pessoas aparece num cálculo do antropólogo britânico Robin Dunbar, segundo o qual seria muito difícil para alguém ter contato significativo com mais do que esse número de pessoas. Faz sentido?
Eu diria que sim, mas acho que o mais importante para a minha mensagem é que as pessoas busquem cultivar tanto os seus relacionamentos mais próximos – sabe, as três ou quatro pessoas nas quais você realmente pode confiar, para quem você pode ligar no meio da noite ou para as quais você pode pedir um empréstimo grande – quanto uma rede de contatos sociais mais ampla. Nesse segundo caso, é um grupo mais diversificado, e algumas das pessoas podem ter uma relação bastante fraca conosco, mas esse tipo de relacionamento também tem um efeito protetor.

De qualquer modo, concordo com Robin quando ele diz que o céu não é o limite. É uma ilusão achar que, se você tem 600 amigos no Facebook, você tem 600 amigos. Não tem a ver apenas com a capacidade cognitiva do cérebro humano, mas também com quanto você está disposto a investir em cada relacionamento, e sabemos que, a não ser que você esteja disposto a ver as pessoas cara a cara, os relacionamentos começam a erodir.

Só os elos familiares seriam suficientes? Se eu não tiver muitos amigos, mas conviver muito com minha família italiana grande e barulhenta, digamos, já vale?
De novo, a diversidade é a chave. No livro, conto a experiência que tive ao visitar vilarejos na Sardenha [ilha do oeste da Itália], onde há uma alta proporção de gente vivendo até os cem anos ou mais de idade. E um dos meus argumentos é que, por causa da maneira como as comunidades estão estruturadas por lá, eles não apenas têm apoio de suas famílias – afinal eles são italianos, de fato têm famílias grandes e unidas – mas também, por causa da maneira como o cotidiano deles está estruturado, acabam cruzando com outras pessoas por necessidade. São os vizinhos, o balconista da loja, o dono do bar etc.

Então há muita coesão social dentro de cada vila: não só você tem contato com aquelas pessoas, mas elas também têm contato com todos os demais membros da sua rede social, e esse é o melhor tipo de rede social que há, essa rede densa e interconectada que surge naturalmente em vilarejos isolados nas montanhas. Uso isso como metáfora da estrutura que deveríamos tentar recriar em cidades maiores como São Paulo, Montreal ou Nova York.

E existe algum tipo de grupo que funcione melhor que os outros? Tanto faz se a sua rede surgir na igreja que você frequenta, no grupo de amigos que joga futebol ou dos que montam uma banda de rock de garagem?
Todos os exemplos que você deu são ótimos. Não importa muito qual a atividade, desde que você se encontre com regularidade com gente que seja diferente de você em algum aspecto. No caso das igrejas, o que sabemos a partir dos estudos de psicologia da religião é que pessoas religiosas muitas vezes são mais saudáveis e vivem mais. Mas por quê?

O que descobrimos é que a causa não é a crença ou a fé dessas pessoas, mas o fato de que elas praticam sua religião. Vão para a igreja, para a mesquita ou sinagoga, rezam juntas, estão cercadas por outras pessoas, participam da sincronia ligada a quando ficar de pé, quando se ajoelhar, quando cantar – esse tipo de sincronia é muito recompensador. Além disso, você tende a encontrar pessoas de diferentes origens sociais, de diferentes idades, então são ambientes que automaticamente dão a você o contato social de que precisa.

Outras coisas funcionam do mesmo jeito: ser voluntário em algum órgão do governo, participar de um clube do livro, de um grupo que pratica esporte. Um ponto interessante é que as redes sociais de mulheres e homens são bastante diferentes, em média. Mulheres têm uma probabilidade maior de ter contato cara a cara literalmente, sentadas num restaurante conversando e falando de coisas mais íntimas, enquanto os homens tendem mais a se congregar por conta de alguma atividade – jogar futebol, ou ir assistir a um filme juntos e depois beber alguma coisa. Não precisam ficar no olho no olho, basta estarem juntos – e essa sensação quase animal de “estar junto” traz alguma proteção, acredite ou não.

Seu livro anterior, chamado “O Paradoxo Sexual”, abordava as diferenças de gênero. Por que o debate público sobre esse tema se tornou tão violento recentemente, na sua opinião?
Por vários motivos. As mulheres foram oprimidas e deixadas do lado de fora de instituições importantes por milhares de anos. O movimento de libertação feminina dos anos 1960 e 1970 surgiu com o objetivo de mudar isso. Algumas dessas restrições caíram – as mulheres começaram a entrar nas universidades e no mundo profissional em grande número. E acabaram gravitando para certas áreas, e não para outras.

Mas acho que o movimento feminista tradicional sentiu que as mulheres só estariam completamente livres se todas as áreas de atuação tradicionalmente masculinas tivessem participação feminina em igual medida. O raciocínio era: só teremos igualdade se formos iguais aos homens em tudo. Esse legado ainda está conosco.

Então, embora as mulheres hoje estejam eclipsando os homens em várias áreas – hoje em muitos países as médicas, as advogadas, as psicólogas são maioria, nas turmas de psicologia para as quais eu lecionava na Universidade McGill às vezes havia 50 mulheres e nenhum homem –, isso não parece ser suficiente para as adeptas do feminismo clássico, que querem números iguais de presidentes de empresas, de mecânicas, de físicas. E isso me parece uma falácia lógica, porque elas estão olhando apenas o resultado e concluindo que ele surgiu a partir de uma discriminação no início do processo, o que muitas vezes não é verdade. Elas estão presas a um modo de pensar que não se aplica mais.

Agora, é lógico que a discriminação ainda existe, mas precisamos olhar para a questão de forma mais nuançada. Talvez haja coisas que as mulheres desejam fazer que podem ser diferentes do que o homem médio desejaria. Só o fato de eu dizer algo desse tipo já irrita muito algumas pessoas, mas não me parece que seja uma afirmação tão dramática. Porque, em todos os lugares do mundo nos quais as mulheres têm oportunidades, em sociedades ricas, a tendência é que as diferenças de interesse por ocupações aumentem, e não que elas diminuam.

Em outras palavras, quando as mulheres têm poder de escolha, muitas delas acabam escolhendo ocupações flexíveis, às vezes de meio período, nas quais elas sentem que estão fazendo a diferença. Quando não têm a chance de escolher, vão trabalhar no que quer que dê dinheiro e ajude a colocar comida na mesa. E estudos recentes, dos últimos dez, 15 anos, mostram que, em média – estou sempre falando em média, claro –, a trajetória das carreiras de homens e mulheres tende a ser diferente. E muitos dos desejos também são diferentes: a maneira de conceber o sucesso, por exemplo.

E isso muitas vezes acaba beneficiando as mulheres. Durante a crise financeira de 2008, mais homens perderam seus empregos e cometeram suicídio – as mulheres se recuperaram com muito mais facilidade, porque elas tinham uma tendência menor a colocar todos os ovos no mesmo cesto, digamos, quer dizer, poucas eram como os homens que trabalhavam 60 horas, 70 horas por semana num único emprego com um único conjunto de habilidades profissionais. Muitas tinham dois ou mais empregos de meio período, ou estavam envolvidas com a área de serviços ou de educação, que são empregos que não desaparecem com tanta facilidade. Elas eram muito mais resistentes à crise.

Foi esse ponto que me levou ao novo livro: por que, em todos os lugares onde elas já não morrem no parto, as mulheres vivem muito mais que os homens? O que elas estão fazendo que funciona? Isso me ajudou a perceber como a vida social das mulheres cria essa espécie de guarda-chuva que favorece um tempo de vida mais longo.

A sra. acha que a psicologia evolucionista já amadureceu como campo de pesquisa? Ainda há gente que a considera apenas como uma coleção de historinhas sobre a evolução humana.
Eu acho que ela precisa ser combinada com outros tipos de evidências para conseguir um retrato nuançado de como as pessoas se comportam. A psicologia evolucionista traz uma perspectiva muito rica para entender como adquirimos características que já não são tão adequadas ao ambiente moderno em que vivemos. Por outro lado, andamos descobrindo que talvez estejamos evoluindo de forma muito mais rápida do que se imaginava antes. Não acho que sejam historinhas, mas às vezes existe a tentação de aplicar sempre os mesmos princípios a todas as situações, e isso acaba não dando certo sempre. A psicologia evolucionista nos ajuda a entender, por exemplo, por que as mulheres produzem mais oxitocina [o chamado “hormônio do afeto”] e respondem melhor a ela do que os homens. Mas entender como esse fator afeta o uso que as mulheres fazem do Facebook envolve outras coisas. Então, é uma abordagem útil, mas não é meu único truque, com certeza.

Como foi crescer na família Pinker? Tanto a sra. quanto seu irmão acabaram tendo carreiras acadêmicas de destaque. Há algum fator especial que levou a isso?
Não sei se consigo responder. É como perguntar para a cenoura como foi ser cozinhada na sopa – você não tem muita perspectiva enquanto está dentro daquele ambiente. Mas eu cresci num ambiente muito verbal e, diria, argumentativo, no bom sentido. Havia muita discussão sobre o que acontecia à nossa volta na mesa do jantar, esperava-se que você participasse disso, com muito envolvimento na discussão de ideias. Então, claro que isso foi positivo. E não posso deixar de lado o fato de que tivemos sorte de ter pais inteligentes que passaram seus genes para nós. Isso não tem nada a ver com o ambiente onde crescemos, mas é um tipo de mistura complexa das duas coisas, diria eu.

Em “The Village Effect”, há um capítulo inteiro sobre comida e refeições, e isso tem a ver com minha origem porque, culturalmente, havia muita ênfase em comida e em refeições compartilhadas, tudo isso era uma grande experiência cultural, ninguém tinha o costume de enfiar a comida na boca rápido e sair da mesa. E as pesquisas recentes mostraram que refeições em família têm forte correlação com desempenho acadêmico [dos filhos]. E acho que isso faz parte da receita, para usar uma metáfora culinária: as refeições em família deveriam ser contextos nos quais as pessoas conseguem recarregar suas baterias umas com as outras, trocar experiências e sentimentos. Como estamos dando cada vez mais atenção a dispositivos eletrônicos, muitas vezes nos sentamos juntos na mesa, mas não conversamos, o que eu acho uma pena.

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Ciência, religião e rock ‘n roll https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/04/05/ciencia-religiao-e-rock-n-roll/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/04/05/ciencia-religiao-e-rock-n-roll/#respond Wed, 05 Apr 2017 21:32:41 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/04/capa-rock-ciência-e-religião-938x516-180x99.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4166 Já faz bastante tempo, mas recordar é viver — e de repente vocês ainda não viram, não é mesmo? No vídeo de hoje no nosso canal do YouTube, vocês podem conferir na íntegra a minha participação no podcast Rock Com Ciência, uma das iniciativas de divulgação científica mais bacanas que eu conheço. Dá até pra me ouvir cantando uns versinhos do Kiss mais pro final. O tema foi, lógico, a relação entre ciência e religião. Obrigado ao Rubens Pazza e à Karine Kavalco, professores da Universidade Federal de Viçosa, pelo convite!

Se quiser baixar a versão original, eis o link:

http://www.rockcomciencia.com.br/arquivos/2196

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Esperteza animal na íntegra https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/01/16/esperteza-animal-na-integra/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/01/16/esperteza-animal-na-integra/#respond Mon, 16 Jan 2017 14:37:10 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/01/Hoolock_Gibbon_by_Dr_Raju_Kasambe_02-e1484577417314-180x54.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=3988 Já devo ter lido quatro ou cinco livros do primatologista holandês-americano Frans de Waal até hoje e por enquanto nunca me arrependi – o sujeito sabe escrever, além de dominar sua área como poucos. Tive o prazer de resenhar o mais recente deles, com o nada sucinto título “Are We Smart Enough To Know How Smart Animals Are?” (“Será que somos inteligentes o suficiente para saber quão inteligentes os animais são?”, em tradução livre), para a Folha neste sábado. Como ando cada vez mais prolixo pra escrever (acho que é o que acontece com o cara quando ele se põe a escrever um ou dois livros todo santo ano…), minha insigne chefinha Mariana Versolato precisou cortar o texto (desculpe escrever tanto, chefia!). Por isso, ei-lo abaixo na íntegra. Espero que gostem.

Ah, e um rápido aviso para os fãs do behaviorismo (criticado por De Waal em seu livro): é claro que a perspectiva dele é parcial, e o fato de eu ter me divertido com as piadas do autor sobre o tema não significa que eu endosso a opinião dele, OK?

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Durante décadas, os gibões, coitados, levaram a fama de “piores alunos da turma” entre os grandes macacos. Enquanto chimpanzés e orangotangos se mostravam capazes de todo tipo de proeza usando instrumentos simples, como varetas e cordas, os gibões simplesmente pareciam não captar o conceito de empregar um objeto como extensão de suas mãos. Conclusão: são bichos meio burros, certo?

Acontece que, ao contrário dos chimpanzés, os gibões quase nunca descem da copa das árvores. Seus braços longos e delgados funcionam como pernas às avessas, propelindo-os velozmente, dependurados, de galho em galho. Portanto, deixar um objeto no chão da jaula seria o mesmo que torná-lo inacessível para esses macacos, percebeu o primatólogo americano Benjamin Beck. Bastou que os instrumentos fossem colocados mais para cima, no nível dos ombros dos gibões, para que eles aprendessem a usá-los com tanta destreza quanto a de seus primos.

Histórias como a da queda e ascensão dos gibões povoam as páginas do mais recente livro do primatologista holandês-americano Frans de Waal, da Universidade Emory (EUA). O título da obra é comprido, mas pelo menos tem a virtude de resumir bem o conteúdo: “Are We Smart Enough To Know How Smart Animals Are?” (“Será que somos inteligentes o suficiente para saber quão inteligentes os animais são?”, em tradução livre). E, para facilitar a vida do leitor, De Waal dá uma “resposta curta” à pergunta logo nas primeiras páginas: “Sim, mas nem parece, a julgar pelos tropeços dos cientistas do século passado”.

DESIGN E HISTÓRIA

No fundo, portanto, trata-se de um livro sobre o que os pesquisadores costumam chamar de “design experimental” – vale dizer, a maneira como você projeta os detalhes de um experimento antes de realizá-lo, tomando o máximo de cuidado para que suas conclusões não acabem sendo falsas ou incompletas justamente por conta de erros de projeto no experimento. E também é um livro sobre a história das pesquisas sobre a inteligência animal, uma área que passou por avanços vertiginosos nas últimas décadas, não sem que acontecessem alguns tropeços constrangedores pelo caminho.

Dito desse jeito, parece algo não muito emocionante – história da ciência e debates sobre detalhes de experimentos podem soar como papo para iniciados –, mas De Waal consegue demonstrar que, no fundo, o que está em jogo são visões conflitantes sobre a relação entre a nossa espécie e os outros animais. E poucas coisas são capazes de causar tamanho fascínio (ou pavor, dependendo da perspectiva) quanto notar as possíveis semelhanças entre “nós” e “eles”.
Simplificando bastante um debate cheio de idas e vindas que durou séculos, as tais visões conflitantes são, de um lado, a que enxerga animais não humanos como meras “máquinas de sobrevivência”, robôs instintivos sem vida interior nenhuma, e a que propõe que as diferenças entre bichos e gente são muito mais de grau do que de essência – ou seja, capacidades como o raciocínio, a empatia e a autoconsciência também estariam presentes entre eles, ainda que de forma menos complexa.

Essas dicotomias são a deixa para que De Waal se divirta (e, de passagem, divirta também o leitor) dando alguns sopapos conceituais no chamado behaviorismo radical, uma perspectiva teórica segundo a qual seria inútil levar em conta a vida interior (emoções, intenções etc.) dos bichos (e dos humanos) para tentar entender seu comportamento.

Para os behavioristas radicais, as únicas coisas relevantes para o comportamento animal seriam os estímulos e as recompensas trazidas pelo ambiente (um bicho aprende a realizar determinada tarefa desde que seja recompensado com comida por seu treinador, por exemplo). Dá para analisar como a criatura se comporta, mas jamais dizer que ela “está gostando”, “está com medo” e por aí vai. A aplicação dessas ideias ao comportamento das pessoas deu origem a uma piada sobre o que o behaviorista diz para sua parceira depois do sexo: “Claramente foi bom para você. E para mim, foi bom?”.

CADA UM É CADA UM

O caso dos gibões é um dos exemplos de que essa visão radical está errada. Quando a perspectiva evolucionista é adicionada à equação – ou seja, a de que cada criatura do planeta evoluiu para se adaptar a condições ambientais e sociais específicas –, fica claro que não existe uma única modalidade de inteligência ou flexibilidade comportamental, mas inúmeras, que moldam, por sua vez, o que determinado bicho é capaz de aprender ou pensar (não é heresia usar esse verbo em muitos casos).

Considere os elefantes, paquidermes de cérebro avantajado e comportamento complexo que pareciam incapazes de passar no “teste do espelho” – ou seja, o de reconhecer sua imagem refletida, como fazem os grandes macacos. Ocorre que os primeiros espelhos usados nesses testes eram pequenos e ficavam no nível das patas dos elefantes. Quando passaram a empregar espelhos “de corpo inteiro”, os animais subitamente entenderam a lógica da coisa.

O truque crucial por trás desses e de outros avanços parece ter sido a combinação cuidadosa de empatia – a capacidade de se colocar na pele do bicho em questão – e imaginação. Parece um excelente treino para quando encontrarmos uma inteligência extraterrena, mas também ajuda a demonstrar que inteligências não humanas existem aos montes, para quem tem olhos para ver.

“ARE WE SMART ENOUGH TO KNOW HOW SMART ANIMALS ARE?”
AUTOR Frans de Waal
EDITORA W.W. Norton & Company
QUANTO R$ 32,19 (livro eletrônico); 352 págs.
AVALIAÇÃO muito bom

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Por mais vovós cientistas https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2016/09/05/por-mais-vovos-cientistas/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2016/09/05/por-mais-vovos-cientistas/#respond Mon, 05 Sep 2016 18:35:39 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=3787 Logo no comecinho de minha leitura do livro “The Gardener And The Carpenter” (“O Jardineiro E O Carpinteiro”), da psicóloga cognitiva americana Alison Gopnik, da Universidade da Califórnia em Berkeley, tropecei neste trechinho que, de tão fofo, dá vontade de apertar as bochechas das letras, se elas as tivessem:

“Então, este livro será a obra de uma avó, que também é uma cientista e filósofa — de uma ‘bubbe’, como a minha própria avó judia teria dito –, mas uma ‘bubbe’ de Berkeley, uma avó que coordena um laboratório de ciência cognitiva e escreve artigos sobre filosofia enquanto conta histórias sobre o tempo dos antigos e faz panquecas de mirtilo. Vovós cientistas e filósofas eram meio difíceis de achar antigamente, então talvez combinar ambas as perspectivas possa nos ajudar a entender o valor de ser pai e mãe de uma maneira de que nos leva além do simples ‘parenting’ [em inglês, algo como “a técnica de ser pai”].”

Particularmente, voto por mais vovós (judias ou não) cientistas, senhoras e senhores.

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Vídeo: DNA da corrupção https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2016/03/17/video-dna-da-corrupcao/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2016/03/17/video-dna-da-corrupcao/#respond Thu, 17 Mar 2016 10:27:41 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2016/03/dirceu-180x120.jpeg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=3478 Este é o terceiro vídeo do nosso canal do YouTube, gentil leitor! Confira abaixo. Para deixar o conteúdo acessível para leitores com dificuldades de audição, segue logo abaixo do link do vídeo uma versão por escrito.

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Elen síla lúmenn’omentielvo — uma estrela brilha sobre a hora do nosso encontro, senhoras e senhores, meninos e meninas, amantes da ciência de todas as idades! Estamos de volta com mais um videopost no canal Darwin e Deus no YouTube. O tema hoje é coisa séria: corrupção.

A gente vive ouvindo dizer que o problema da corrupção no Brasil é histórico e cultural: o pessoal não tem vergonha de enfiar a mão grande no dinheiro público desde a época das caravelas, supostamente. Uma das grandes questões a respeito do tema é justamente essa: será que um clima geral de corrupção num país — quando a gente sabe que os políticos vivem fazendo o que não devem, quando há sérias dificuldades de punir os culpados na Justiça, quando todo mundo faz de tudo pra sonegar imposto etc. — realmente faz com que as pessoas, individualmente, acabem se comportando de um jeito menos ético?

Bom, pesquisadores tentaram responder essa dúvida experimentalmente, com experimentos de laboratório mesmo, e hoje eu quero contar o que eles descobriram.

O trabalho é de Simon Gächter e Jonathan Schulz, ambos da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, e saiu na revista científica “Nature”, que é uma das mais importantes do mundo. Eles conseguiram recrutar um mundaréu de gente pra participar: 2.568 voluntários de 23 países diferentes (infelizmente não havia brasileiros na amostra), estudantes, com idade média de 22 anos e de ambos os sexos.

O sofisticado equipamento usado no estudo. Tipo, sério, foi só isso mesmo -- um copinho, um computador e um dado (Crédito: Reprodução)
O sofisticado equipamento usado no estudo. Tipo, sério, foi só isso mesmo — um copinho, um computador e um dado (Crédito: Reprodução)

O experimento em si era ridiculamente simples: pegue um dado normal de seis lados (quase igual a este meu dado de RPG) e jogue-o dentro de um recipiente opaco, como esta caneca. Faça isso duas vezes, mas anote apenas o PRIMEIRO resultado e passe esse dado pros pesquisadores. Se você tirou 1, ganha R$ 1; se tirou 2, ganha R$ 2 — e assim por diante até tirar 5. Se tirar 6, você não ganha nada.

Isso significa que, se todo mundo for honesto, em média as pessoas vão ganhar R$ 2,50 e, se mentirem sempre, vão ganhar em média R$ 5.

O grande lance agora são os gráficos dos resultados reais que você está vendo. Os países da amostragem foram divididos em dois grupos de acordo com um índice de honestidade nacional, digamos, que leva em conta o seguinte: frequência de fraudes políticas no país, estimativas de sonegação de impostos e índice de corrupção do Banco Mundial. Quem está bem nesse índice ficou marcado com a cor verde — países como a Alemanha, a Suécia e a Áustria. Quem está mal ficou com a cor roxa — temos aí nações como Marrocos e Tanzânia.

Em verde, a média dos países de baixa corrupção institucional e, em roxo, o de alta corrupção institucional. A média "honesta" deveria ser 2,5, mas em ambos os tipos de países fica acima de 3 (Crédito: Reprodução)
Em verde, a média dos países de baixa corrupção institucional e, em roxo, o de alta corrupção institucional. A média “honesta” deveria ser 2,5, mas em ambos os tipos de países fica acima de 3 (Crédito: Reprodução)

A primeira mensagem desse gráfico geral é que, tanto nos melhores quanto nos piores países, ninguém é santo e ninguém é o capeta. Repare que tem essa linha reta na diagonal, a reta inteiriça, que seria a honestidade perfeita. Em nenhum lugar ela foi atingida pela média da população. Por outro lado, em nenhum lugar temos a desonestidade completa — ela seria essa linha pontilhada do gráfico.

Mas, de fato, como a gente vai ver em mais detalhes, os países com instituições mais corruptas e economia mais corrupta também são os que têm pessoas menos confiáveis.

Acho que a comparação mais legal é entre a média das pessoas de cada país que eram totalmente honestas (a julgar pela proporção delas que afirmou ter tirado 6 nos dados, ou seja, sem ganhar nada) e as totalmente desonestas (as que disseram ter tirado 5 quando a probabilidade era tirar menos). Veja esses gráficos, lembrando que na horizontal a gente tem o nível de desonestidade do país e, na vertical, a porcentagem de pessoas primeiro totalmente honestas e depois totalmente desonestas.

No alto, os países com maior proporção de pessoas totalmente honestas; embaixo, os com maior número de desonestos (Crédito: Reprodução)
No alto, os países com maior proporção de pessoas totalmente honestas; embaixo, os com maior número de desonestos (Crédito: Reprodução)

Veja que a gente tem um predomínio dos europeus na proporção de totalmente honestos, na faixa de 80% a 70%, mas a Malásia está um pouquinho acima da Áustria. E, aliás, a proporção dessas pessoas é tão baixa na Itália quanto na China ou na Colômbia – menos de 30%!

E a coisa fica ainda mais complicada entre os totalmente desonestos — veja que os números são bem embolados mais ou menos entre 20% e 10%.

Proporção de totalmente desonestos em cada país. Veja como a coisa é bem mais embolada (Crédito: Reprodução)
Proporção de totalmente desonestos em cada país. Veja como a coisa é bem mais embolada (Crédito: Reprodução)

Um detalhe importante, óbvio, é que a gente não tem como saber com certeza onde o Brasil se encaixa. O país mais parecido com a gente na amostra é a Colômbia, com a qual, aliás, a gente mais ou menos empata no nível de corrupção estimado pelo Banco Mundial.

Alguns elementos pra gente resumir essa bagunça:

1)Sim, instituições e história fazem diferença — em média. É simplesmente mais difícil ser honesto num país em que a corrupção está entranhada na maneira como as coisas funcionam;

2)Por outro lado, exceções são possíveis, pro bem e pro mal — veja o caso da Malásia e da Itália;

3)Se você quer fazer a diferença, sim, exija políticos honestos — mas não se esqueça de que é preciso lutar por um sistema político e econômico que dificulte a desonestidade deles, sem falar na obrigação de todos nós de agirmos com correção na vida privada. Se ninguém topar pagar propina, político corrupto morre de fome.

Difícil? Pra caramba, sem dúvida. Mas não impossível.

Um beijo carinhoso, fiquem com Deus e até a próxima!

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Dawkins vem aí https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/05/06/dawkins-vem-ai/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/05/06/dawkins-vem-ai/#respond Wed, 06 May 2015 12:33:16 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=2568 Richard_Dawkins_Cooper_Union_Shankbone
O zoólogo e etólogo Richard Dawkins (Crédito: Creative Commons)

Richard Dawkins vem aí. O mais importante divulgador da teoria da evolução nas últimas décadas fará duas apresentações no Brasil neste mês de maio, uma no dia 25, em Porto Alegre, e outra no dia 27, em São Paulo, no âmbito do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento. O tema desta edição do evento é “Como Viver Juntos”. Não é irônico que o autor de “O Gene Egoísta” seja convidado para abordar essa tema? Na verdade, não, como expliquei em artigo que saiu apenas na edição impressa da Folha. Como foi preciso cortar bastante o texto, aproveito pra compartilhar com vocês a versão original e na íntegra do bichinho. Espero que gostem!

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Os mais afoitos talvez achem um despropósito que o cientista que se celebrizou ao publicar um livro chamado “O Gene Egoísta” seja um dos grandes nomes de um evento sobre tolerância e cooperação. É difícil reduzir o pensamento de Richard Dawkins a estereótipos, no entanto – ao menos na maior parte do tempo.

De fato, longe de ser uma defesa da competição desalmada que às vezes parece predominar na natureza, “O Gene Egoísta”, que completa 40 anos de sua publicação original em 2016, pode ser lido justamente como um antídoto a essa tendência – tanto que, como afirma o zoólogo britânico na introdução atual do livro, um título igualmente apropriado poderia ter sido “O Gene Cooperativo”.

A metáfora central da obra-prima de Dawkins, na verdade, tem menos a ver com egoísmo ou cooperação e mais com permanência. O autor parte do princípio de que os genes, enxergados como unidades mínimas de DNA que contêm a “receita” para determinada característica do organismo, viajam de forma relativamente independente de uma geração para outra quando a espécie que os carrega se reproduz pelo sexo, como nós.

Isso significa que, em média, nossos filhos têm 50% de nossos genes, enquanto a proporção cai para 25% em nossos netos – e assim por diante. Por causa do sexo, genes que estão no mesmo corpo na primeira ou na segunda geração podem muito bem acabar parando em corpos diferentes nas gerações seguintes.

CONFLITO DE INTERESSES

Portanto, cada gene pode ter “interesses” diferentes (metaforicamente, claro, já que eles não têm cérebro), conduzindo o organismo (de novo, de forma totalmente não consciente) a buscar o sucesso na reprodução para que mais cópias dele circulem pelo mundo – daí o “egoísta” do título.

Ocorre que, como Dawkins explica, isso pode acontecer por meio das mais variadas estratégias. Algumas se encaixam na nossa definição antropocêntrica de egoísmo – homens que traem suas parceiras e geram filhos fora do casamento, por exemplo –, enquanto outras são, a rigor, altruístas. A colaboração dentro de grupos sociais, por exemplo, também pode ser ótima para os genes de todo mundo que está participando, desde que existam regras para premiar os bons meninos e punir os trapaceiros.

Dawkins tem prestado imensos serviços ao elucidar para o grande público essas e outras facetas da teoria da evolução. Mas é discutível se sua outra persona pública, a de cruzado antirreligião, tenha efeito tão positivo.

Com a publicação de “Deus, Um Delírio”, em 2006, o cientista se tornou uma das vozes mais poderosas do chamado novo ateísmo, um movimento que defende que boa parte dos problemas do mundo desapareceriam se a religião deixasse de existir.

Ao adotar esse ponto de vista, Dawkins acaba esnobando a crescente literatura científica, produzida inclusive por biólogos e psicólogos não religiosos, de que as crenças religiosas podem funcionar como um poderoso estímulo da cooperação e da coesão social.

É exagero pintar o zoólogo como fundamentalista científico – a começar pelo fato de que suas armas são a razão e a argumentação. Mas a maneira como ele reage à religião é, por vezes, tão estereotipada e contraproducente quanto as reações dos críticos que leram apenas o título de seu clássico.

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Dentucinha, mas nem tão gorducha https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/04/27/dentucinha-mas-nem-tao-gorducha/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/04/27/dentucinha-mas-nem-tao-gorducha/#respond Mon, 27 Apr 2015 13:49:56 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=2527 Achei que seria legal dar uma rápida passada por aqui para lembrar que minha coluna de ontem na versão impressa da Folha conseguiu juntar psicologia evolucionista e Turma da Mônica, coisa que a gente não vê todo dia, ouso dizer. A ideia é que nossas preferências pelo que é fofo, moldadas pela evolução, é que transformaram a Mônica na figurinha adorável de hoje. O texto é, em parte, uma homenagem ao saudoso paleontólogo e divulgador da ciência Stephen Jay Gould. Você pode conferir o texto original dele, em inglês, sobre um tema parecido (Mickey Mouse, veja só) clicando aqui.

Aos interessados em conferir como a imagem da personagem de Mauricio de Sousa evoluiu, este link é bastante útil.

E, como cereja do bolo, aqui vai um capítulo do meu primeiro livro, “Além de Darwin”, sobre o mesmo tema. Divirtam-se (ou “diviltam-se”, como “dilia” o Cebolinha)!

 

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Carinhas de bebê
O que há de irresistível num rostinho de filhote?

É sempre horrível quando você descobre que virou alvo de uma chantagem emocional, daquelas bem safadas, e caiu feito um patinho. Estou me referindo a um sujeito felpudo cuja história comoveu o mundo e garantiu a audiência de muitas TVs, inúmeros sites e outros meios de comunicação durante meses em 2007. Aliás, ouso dizer que, se você passou por esse ano fatídico sem ter ouvido falar ao menos uma vez da saga do ursinho Knut, provavelmente estava em animação suspensa ou temporariamente abduzido em algum deserto de Marte.

Caso você seja um desses raros casos, aqui vai um resumo rápido da história toda. No começo de 2007, Knut era um filhote recém-nascido de urso-polar, órfão de pai e abandonado pela mãe, cuja criação acabou ficando a cargo de um tratador do Zoológico de Berlim. Por si só, a história triste bastaria para garantir ao pequeno ursídeo seus 15 minutos de fama, estampado em fotos lacrimosas mundo afora.

Mas Knut logo se tornou o pivô de uma grita internacional que nem casos de genocídio costumam provocar. Tudo porque ninguém conseguia engolir a proposta, feita por alguns ativistas dos direitos dos animais alemães, de sacrificar o bichinho. (O argumento deles: Knut teria uma criação “não-natural” e sofreria demais com a separação inevitável de seu tratador; portanto, seria melhor “colocá-lo para dormir”). Bastou que a ideia fosse levantada – e olha que o Zoológico de Berlim nem quis discutir a proposta – para que gente do mundo todo tomasse a mídia de assalto e exigisse a proteção incondicional da integridade física do ursinho. Como é que alguém seria capaz de erguer a mão contra uma fofura daquelas? Era simplesmente desumano.

Vamos admitir: qualquer pessoa normal (OK, menos ativistas alemães) se derrete diante de filhotes como Knut. É um troço visceral. Daí a minha acusação feita lá em cima – por favor, não entenda errado – de chantagem emocional. A carinha de um urso-polar bebê é o equivalente psicológico de um golpe baixo, atravessa as nossas defesas, comove corações de pedra. Em certo sentido, não é exagero dizer que a mente humana está programada para gostar do ursinho Knut.

Mas essa propriedade da nossa mente tem repercussões muito mais profundas do que uma vontade louca de encher ativistas alemães de pancada. Há indícios intrigantes de que a predileção por traços fofos moldou coisas tão díspares quanto a aparência dos animais domésticos e o processo que conduz os seres humanos do nascimento à idade adulta. Como? Acompanhe nos próximos parágrafos, intrépido leitor.

Diz um ditado oriental que o começo da sabedoria é dar o nome certo às coisas. Portanto, anote aí na sua caderneta: pedomorfose. É grego. Quer dizer, literalmente, “forma de menino”, e é um termo empregado pelos biólogos do desenvolvimento para definir a retenção de características infantis em animais adultos.

Você provavelmente está se perguntando por que diabos um bicho maduro iria querer ter cara de criança. Mas, antes, vamos dar uma boa olhada em Knut (se uma busca na internet não ajudar você a refrescar a memória, pense em qualquer ursinho de pelúcia), recordar todos os outros filhotes fofinhos (bebês humanos incluídos) que já vimos e tentar generalizar. Há alguma coisa em comum entre todos eles? A resposta é um enfático sim. Os padrões de desenvolvimento dos filhotes de vertebrados são surpreendentemente parecidos entre si, desde os peixes até o Homo sapiens, graças à origem evolutiva comum que compartilhamos. Por isso, além da óbvia pequenez, muitos dos nossos filhotes têm a cabeça desproporcionalmente grande em relação ao resto do corpo, olhos muito grandes e focinhos curtos. Entre os mamíferos, o pacote é completado por pêlos e pele mais macios e, às vezes, mais claros, além de gordurinhas que tendem a gerar aquele aspecto fofinho.

Características visualmente tão óbvias têm uma função também óbvia. Nas imortais palavras de Baby, da série televisiva Família Dinossauros, a mensagem que eles passam é “PRECISA ME AMAR! PRECISA ME AMAR!”. Os traços infantis são sinalizadores imediatos de vulnerabilidade e necessidade de cuidados, e as espécies de vertebrado entre as quais a ajuda dos pais é essencial para que o bebê chegue à idade adulta estão geneticamente programadas para responder favoravelmente a eles. (Aliás, os bebês-dinossauros da vida real, conforme o testemunho de diversos ovos e filhotes fossilizados, tinham cabeça e olhos enormes. Por essas e outras razões, que vamos ter ocasião de discutir quando falarmos sobre a relação evolutiva entre dinos e aves, acredita-se que os pais-dinossauros cuidavam de sua prole por um bom tempo após o nascimento.) Pode ser que originalmente essa aparência tenha sido só um subproduto do desenvolvimento embrionário – afinal, muitos vertebrados não cuidam de seus filhotes -, mas, uma vez estabelecida geneticamente, ficou fácil utilizá-la como sinalizador, e os que a possuíam em grau elevado tinham mais chance de ser paparicados pela mamãe e sobreviver. Estabeleceu-se uma espécie de corrida armamentista ou, para usar um termo ainda mais específico, um feedback positivo: quanto mais clara a sinalização de vulnerabilidade, mais o instinto materno/paterno era despertado, de forma que a geração seguinte tinha ainda mais probabilidade de usar esses sinais em sua aparência física. Ser fofo fazia bem para a saúde e para o sucesso evolutivo.

Que o digam os animais domésticos, em especial os nossos cães, que hoje alcançam uma população inacreditavelmente mais numerosa do que a que teriam se tivessem permanecido selvagens. Um grande volume de pesquisas mostra que os bichos domesticados tendem a ser uma versão pedomórfica – voltamos à pedomorfose – de seus ancestrais selvagens. Inconscientemente, nossos ancestrais tendiam a selecionar para reprodução suas mascotes com aparência mais infantil, em parte porque ela tende a estar correlacionada com outras características desejáveis, como a docilidade.

O caso dos cachorros, como eu disse, é emblemático. Traços como orelhas caídas, rabinhos que abanam, pêlo com manchas e propensão a latir em vez de uivar são encontrados não nos lobos adultos (a espécie ancestral do cão doméstico), mas entre os filhotes de lobo. Uma experiência fascinante, que começou há décadas na Rússia e ainda está em curso, mostra como o fenômeno pode ter acontecido. Os cientistas começaram a selecionar raposas unicamente pela docilidade (outro traço pedomórfico): as que eram mais mansas e menos ariscas eram escolhidas para se reproduzir. Gerações depois, o resultado são raposas de orelhas caídas e pêlo manchado, que mais parecem cachorros.

Por fim, algumas características intrigantes da biologia humana indicam que nós somos quase uma versão pedomórfica de nossos primos de primeiro grau, os grandes macacos. Comparações detalhadas entre o processo de crescimento de chimpanzés e pessoas indicam que nossos crânios são muito mais parecidos com os de bebês-macacos do que com os de primatas adultos. Há quem veja em outros elementos, como os nossos escassos pêlos, traços pedomórficos. A nossa preferência por esse tipo de traço é tamanha que ela parece influenciar até a evolução cultural, ao menos de acordo com uma análise divertidíssima do saudoso paleontólogo e divulgador científico Stephen Jay Gould (1941-2002). Gould analisou um dos ícones da fofice mundial, Mickey Mouse em pessoa, mostrando que o famoso camundongo “nasceu” com traços um pouco mais adultos e foi s e tornando progressivamente mais pedomórfico conforme os anos passavam. Inconsciente ou conscientemente, os desenhistas da Disney foram tornando o personagem cada vez mais agradável aos olhos humanos – o que significou dar a ele traços mais infantis.

Ao que parece, a base genética para esse tipo de transformação é a mudança no ritmo do desenvolvimento, com uma espécie de atraso estratégico: alterações morfológicas que conduziriam à formação de uma “cara” de adulto acontecem mais tarde do que o normal, ou até são adiadas indefinidamente. Há um grau inevitável de especulação na hora de tentar explicar o porquê disso em organismos adultos, mas uma teoria interessante aposta na chamada seleção sexual: os traços infantilizados, com seu ar de “me ame e me proteja, por favor”, teriam sido considerados atraentes por parceiros sexuais e se tornado dominantes ao longo da evolução humana. Também sinalizariam falta de agressividade, confiabilidade e até fidelidade. Chame isso de “sobrevivência dos mais fofos”, se preferir.

Portanto, da próxima vez que você vir sua esposa ou namorada se derretendo por causa de Knut ou qualquer outro animalzinho que ainda está nos cueiros, deixe de lado o ciúme e aceite a chantagem emocional. É por essas e outras que sua consorte gosta de chamar você de “neném” de vez em quando.

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Baleia velha é que vira líder boa https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/04/17/baleia-velha-e-que-vira-lider-boa/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/04/17/baleia-velha-e-que-vira-lider-boa/#respond Fri, 17 Apr 2015 17:21:20 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=2511 Perdoem-me a intertextualidade algo infame com Sérgio Reis — é que eu sou um rapaz da roça. Como conto nesta reportagem para a Folha, ocorre que orcas que já passaram pela menopausa são as líderes ideais de seu grupo.

Confira abaixo a íntegra do comentário que o oceanógrafo brasileiro Alex Zerbini, do Laboratório Nacional de Mamíferos Marinhos dos EUA, fez sobre essa interessante pesquisa.

“Eu já havia visto algo sobre o trabalho, pois as orcas que foram usadas como modelo para ele são daqui desta região onde vivo (conhecidas como “Southern Resident killer whales”). O trabalho essencialmente fornece evidências concretas de que orcas na fase pós-reprodutiva (ou seja, na menopausa) têm um papel importante na sobrevivência dos demais membros do grupo por possuir experiência e conhecimento sobre o ambiente.

As orcas apresentam uma sociedade matriarcal na qual as fêmeas lideram os grupos, que são geralmente formados por seus filhos(as) e netos(as). Tanto fêmeas quanto machos permanecem no grupo de sua mãe ate que ela morra. O trabalho em questão testa a hipótese de que, ao entrar na menopausa, as fêmeas perdem sua função reprodutiva, mas mantêm sua função de liderança com outras responsabilidades. Os resultados mostram que as fêmeas tendem a liderar grupos durante a captura da sua principal presa (o salmão) e que aquelas que perdem a função reprodutiva apresentam maior probabilidade de liderar tais grupos em relação às fêmeas reprodutivas.

Infográfico explica as orcas na menopausa
Infográfico explica as orcas na menopausa

Além disso, os animais em menopausa parecem ter uma função ainda mais proeminente em períodos de escassez de alimento. O trabalho conclui que as fêmeas não reprodutivas possuem uma função-chave nos seus grupos familiares porque acumulam um maior conhecimento sobre o ambiente do que os animais mais jovens, podendo contribuir para a sobrevivência dos membros do grupo principalmente em períodos com maior dificuldade em encontrar alimento. Em outras palavras, as vovós são enciclopédias de conhecimento ecológico, que ajudam os filhos e netos quando falta comida. Note que, nesse sentido, um outro estudo feito com essa população mostrou que o risco de mortalidade aumenta consideravelmente para fêmeas e machos adultos quando eles perdem suas mães.

O trabalho mostra, portanto, que a chegada da menopausa não afeta a importância das fêmeas mais velhas na estrutura dos grupos, e sim reforça a importância delas para seus filhos e netos.”

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