Darwin e Deus https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas Mon, 15 Nov 2021 14:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Filiação religiosa e o arrependimento pelo voto em Bolsonaro https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/04/22/filiacao-religiosa-e-o-arrependimento-pelo-voto-em-bolsonaro/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/04/22/filiacao-religiosa-e-o-arrependimento-pelo-voto-em-bolsonaro/#respond Wed, 22 Apr 2020 14:33:39 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/bolso-e-soares.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6187 É com alegria que recebemos mais um colaborador qualificadíssimo aqui no blog. O professor André Ricardo de Souza é doutor em sociologia pela USP, professor associado do Departamento de Sociologia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), pesquisador do CNPq e coordenador do Nerep (Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política). No texto abaixo, ele analisa o elo entre filiação religiosa, o voto em Bolsonaro e os que se arrependeram desse voto. Boa leitura!

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Religião e o arrependido voto em Bolsonaro

André Ricardo de Souza

O apelo religioso vem sendo um fator nada pequeno da força política nacional do católico Jair Messias Bolsonaro. E isso desde quando ele foi simbolicamente batizado no israelense Rio Jordão, em maio de 2016, pelo ex-candidato à Presidência da República e pastor assembleiano Everaldo Pereira, algo que levou parte dos evangélicos até a pensar que Bolsonaro abraçara a religião deles.

A proximidade com sacerdotes carismáticos católicos, o ostensivo apoio dos líderes de grandes igrejas e a presença em seu governo da pastora Damares Alves – ministra defensora da moral tradicional sexual e familiar – só fizeram aumentar o respaldo cristão-conservador do político. Vale lembrar que Bolsonaro foi eleito com 69% dos votos evangélicos, assim como 55% dos espíritas (ainda chamados por muitos de “kardecistas”), 51% dos católicos e 45% dos sem religião, conforme pesquisa Datafolha feita em 2018, três dias antes do primeiro turno.

Além dos pentecostais – prevalentes entre os evangélicos e marcados por baixos níveis de escolaridade e renda -, Bolsonaro tem também como extrato de maior fidelidade a ele o composto por homens ricos empresários, que muito se identificam com seu modo de governar, basicamente, por uma questão de classe social.

Isso faz com que ele mantenha a seu favor, de modo muito sólido, o topo e uma parcela expressiva da base da pirâmide social brasileira. A despeito dos grandes danos ambientais (sobremaneira na Amazônia), da prolongada crise econômica, dos incidentes diplomáticos com implicações comerciais e, principalmente, do posicionamento negacionista e até incendiário frente à pandemia do coronavírus, apenas 17% dos eleitores do ex-capitão do Exército se arrependeram de ter votado nele, de acordo com outra pesquisa Datafolha, feita de 1 a 3 de abril.

Entre os arrependidos, 22% são católicos, 14% irreligiosos, 12% evangélicos (pentecostais e demais) e 10% espíritas. A partir de tais dados, grosso modo, pode-se dizer que a classe média católica que bate panelas em protesto contra ele tem pelo menos o dobro do tamanho da espírita.

A rejeição ainda maior dos católicos a Bolsonaro atualmente se deve, em parte, à influência exercida sobre eles pelo papa Francisco, reconhecidamente avesso ao atual presidente, algo que se tornou mais evidente com embate envolvendo o Sínodo da Amazônia, ocorrido em outubro passado, e também após a visita de Lula ao pontífice em fevereiro.

Levantamento do mesmo instituto de pesquisa feito em agosto de 2019 – portanto, antes desses acontecimentos –  havia mostrado que 42% dos católicos desaprovavam o governo Bolsonaro, cifra esperadamente bem maior que a dos evangélicos (27%), porém menor que a dos espíritas (46%).

Se os pentecostais estão na base, os espíritas se encontram no topo piramidal, também conforme o censo demográfico de 2010. A partir disso se explica, em boa medida, a afinidade espírita com Bolsonaro, algo que é superior ao conjunto dos evangélicos. Estes, por sua vez, parecem estar compreendendo aos poucos, muito vagarosamente, a dimensão de seu engano quanto ao Messias banhado no Jordão quatro anos atrás.

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Design Inteligente: vícios de origem do neocriacionismo https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/design-inteligente-vicios-de-origem-do-neocriacionismo/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/design-inteligente-vicios-de-origem-do-neocriacionismo/#respond Thu, 13 Feb 2020 15:49:53 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/Sahelanthropus_tchadensis_-_TM_266-01-060-1-320x213.jpg https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=6098 Estamos de volta com mais uma série de fôlego no blog. Desta vez, meu objetivo é apresentar uma crítica da defesa do DI (Design Inteligente) feita recentemente, em artigo nesta Folha, pelo professor Marcos Eberlin, químico da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Para quem não sabe, a hipótese do Design Inteligente é uma vertente do pensamento criacionista que busca usar métodos da ciência moderna (com ênfase especial na bioquímica) para identificar sinais de um projeto inteligente ou “design” nos seres vivos. A ideia é mostrar que a teoria da evolução se assenta sobre bases empíricas frágeis e, portanto, deveria ser abandonada em favor da hipótese da ação de um designer cósmico que pode ou não ser identificado com o Deus das religiões tradicionais.

O texto do professor Marcos, como eu já disse pessoalmente a ele por meio de nossas redes sociais, pareceu-me uma simples lista de nomes e conceitos que apoiariam o DI, sem uma tentativa de argumentação. Pretendo mostrar aqui que essa lista nem de longe fortalece a posição do DI — aliás, revela que ele jamais se sustentou nem dá sinais de que algum dia há de se sustentar como alternativa CIENTÍFICA à teoria da evolução.

Como a lista do artigo original é gigantesca e não diz quase nada para o leitor que não está familiarizado com o (suposto) debate, precisarei fazer uma série de posts, mas tentarei compensar a falta de concisão com o máximo possível de clareza explicativa. Contudo, antes de mergulhar nos exemplos propriamente ditos, acho que é importante passar a limpo alguns pressupostos básicos:

1)O Design Inteligente não nasceu como um movimento científico

É isso o que estou chamando de “vício de origem” no título do post. Podem ou não existir cientistas sérios que abraçam a ideia hoje (daí a abraçá-la por boas razões é outra história), mas é público e notório que o DI foi pensado como estratégia da “guerra cultural” americana, com o objetivo de oferecer à população dos EUA o que seus criadores consideram uma alternativa filosófica e espiritual ao “materialismo” da ciência moderna. Os dados científicos que supostamente apoiam o DI não vieram primeiro: o que veio primeiro foi a visão filosófica — e, em larga medida, religiosa.

Essa lógica está por trás da chamada “Estratégia da Cunha” gestada pelo Instituto Discovery (parceiro do trabalho do professor Marcos no Mackenzie) ao longo dos anos 1990. A tal “cunha” é a própria ideia de DI, que serviria para abrir caminho, dentro da ciência, a um retorno à visão cristã tradicional de que os seres humanos e o Universo foram criados diretamente por Deus, derrotando assim os “males do materialismo científico”. Como disse um dos arquitetos da estratégia, o professor de direito Phillip Johnson, que morreu em 2019:

“Se compreendermos nossa própria época, saberemos que é preciso afirmar a realidade de Deus desafiando o domínio do materialismo e do naturalismo no mundo da mente. Com a ajuda de muitos amigos, desenvolvi uma estratégia para fazer isso, que chamamos de ‘cunha’.”

Ou como diz o matemático William Dembski, outro expoente do movimento:

“Cristo é indispensável para qualquer teoria científica, mesmo se os que trabalham com ela não tenham a menor ideia sobre Jesus. O lado pragmático de uma teoria científica pode, é claro, ser seguido sem recorrer a Cristo. Mas a correção conceitual da teoria só pode, no fim das contas, ser encontrada em Cristo.”

É claro que isso, por si só, não mostra que os argumentos do DI estão errados. Mostra apenas que ele não é um movimento científico desinteressado que toma os dados experimentais como ponto de partida. Pelo contrário, seu ponto de partida é filosófico e religioso.

2)A relação entre o DI e o criacionismo tradicional é de parentesco estreito

A maioria dos membros do DI nos EUA e no mundo defendeu posições do criacionismo tradicional (em geral, o da Terra jovem, segundo o qual a Terra e o Universo têm poucos milhares de anos, conforme a leitura literal da Bíblia). O livro didático americano “Of Pandas and People”, cujas versões publicadas defendem o DI e foram objeto de decisões judiciais contrárias a elas nos EUA na década passada, inicialmente usava a palavra “criacionismo” no lugar de “design inteligente” em seus rascunhos.

Seria, portanto, interessante que os defensores do DI esclarecessem exatamente em qual modelo das origens do Universo, da Terra e da vida realmente acreditam antes de apenas lançar dúvidas sobre a teoria da evolução. Não adianta muito dizer que agnósticos ou ateus ou defensores da teoria dos Deuses Astronautas também se dizem defensores do DI. Essas exceções não mudam o fato de que, em geral, há uma relação estreita entre o teísmo literalista (em geral literalista bíblico cristão) e o movimento.

Por enquanto é isso. Voltaremos em breve com mais posts sobre o tema.

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Ciência, religião e rock ‘n roll https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/04/05/ciencia-religiao-e-rock-n-roll/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/04/05/ciencia-religiao-e-rock-n-roll/#respond Wed, 05 Apr 2017 21:32:41 +0000 https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/files/2017/04/capa-rock-ciência-e-religião-938x516-180x99.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=4166 Já faz bastante tempo, mas recordar é viver — e de repente vocês ainda não viram, não é mesmo? No vídeo de hoje no nosso canal do YouTube, vocês podem conferir na íntegra a minha participação no podcast Rock Com Ciência, uma das iniciativas de divulgação científica mais bacanas que eu conheço. Dá até pra me ouvir cantando uns versinhos do Kiss mais pro final. O tema foi, lógico, a relação entre ciência e religião. Obrigado ao Rubens Pazza e à Karine Kavalco, professores da Universidade Federal de Viçosa, pelo convite!

Se quiser baixar a versão original, eis o link:

http://www.rockcomciencia.com.br/arquivos/2196

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O blog na TV https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/12/22/o-blog-na-tv/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/12/22/o-blog-na-tv/#respond Tue, 22 Dec 2015 11:20:55 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=3189 convidados_biblia_estudio_para_web_grandeTive o prazer de participar do programa “Ver TV”, da TV Brasil, num debate sobre o sucesso de “Os Dez Mandamentos” e outras tramas bíblicas na televisão brasileira. O programa foi ao ar no domingo e já está na internet na íntegra. Confiram aqui. Eu sei, eu sei, preciso urgentemente dar um jeito de gesticular menos e não balançar tanto a cabeça :oP

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Homens, fés e bombas https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/11/17/homens-fes-e-bombas/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/11/17/homens-fes-e-bombas/#respond Tue, 17 Nov 2015 18:00:04 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=3098 Emblema dos Tigres Tâmeis: uma pegada bem anos 1970, só que com baionetas (Crédito: Reprodução)
Emblema dos Tigres Tâmeis: uma pegada bem anos 1970, só que com baionetas (Crédito: Reprodução)

“Radicais islâmicos foram os inventores do conceito de homem-bomba: verdadeiro ou falso?”. Imagine essa questão num Enem da vida, gentil leitor. Sou capaz de apostar que até alguns dos candidatos mais preparados, e 90% de quem está fazendo a prova, cravariam “Verdadeiro” e ainda colocariam um ponto de exclamação depois da palavra.

Mas estariam errando ridiculamente feio, claro.

Tenho a honra (ou melhor, a tristeza) de apresentar os Tigres Tâmeis, ou Tigres da Libertação de Tamil Eelam, um grupo paramilitar/terrorista do Sri Lanka, que já não existe mais (foi derrotado pelo governo de seu país em 2009). Os Tigres Tâmeis fizeram quase 400 ataques suicidas desde 1976, quando surgiram — e eram um grupo nacionalista SECULAR. Ou seja, cujos objetivos nada tinham a ver com religião. Esse pessoal se matava (matando outros junto, claro) porque era separatista e queria um Estado exclusivo da etnia tâmil — não porque achava que ia direto para o paraíso por isso.

Esclarecendo melhor: embora ataques suicidas usando granadas tenham ocorrido na Segunda Guerra Mundial (soldados chineses se explodindo para derrubar tanques japoneses, por exemplo), os Tigres Tâmeis foram os inventores do figurino “clássico” do homem-bomba: o sujeito que veste um colete ou um cinturão de explosivos debaixo da roupa e parte para explodir a si mesmo e a seu alvo. Foi desse jeito que eles mataram, por exemplo, o ex-primeiro-ministro da Índia Rajiv Gandhi em 1991 — aliás, foi uma mulher-bomba a responsável.

E no chamado mundo islâmico? Os primeiros casos de homens-bomba datam de meados dos anos 1980 — e, mesmo assim, em muitos casos o atacante pertencia a um grupo nacionalista secular, e não a um grupo radical religioso.

É fácil reproduzir estereótipos. Infelizmente, o mundo é complicado.

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O problema com o Islã https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/11/16/o-problema-com-o-isla/ https://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2015/11/16/o-problema-com-o-isla/#respond Mon, 16 Nov 2015 19:26:10 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/?p=3080 Diante de uma tragédia como a de Paris neste fim de semana, é inevitável que muita gente se pergunte: afinal, qual é o problema com o Islã? Por que correntes da segunda maior fé monoteísta do planeta acham legítimo praticar atos como os que chocaram o mundo nos últimos dias?

Mesquita do Profeta na cidade árabe de Medina (Crédito: Creative Commons)
Mesquita do Profeta na cidade árabe de Medina (Crédito: Creative Commons)

É claro que há psicopatas entre os membros de todas as religiões (e entre os sem religião também, obviamente); é claro ainda que há elementos políticos, culturais e econômicos, sem nenhuma relação direta com a religião muçulmana, que influenciaram os massacres em Paris (e pretendo falar deles em outros posts). Mas também é verdade que, no cenário atual, parece improvável que grupos extremistas de cristãos ou de judeus (para citar os outros monoteístas ou “Povos do Livro”, como os muçulmanos os chamam) consigam deflagrar uma guerra santa de proporções globais nos dias de hoje.

O que nos leva de volta à pergunta: haverá algo diferente no Islã que ajuda a criar essas condições? Talvez a resposta seja uma palavra em árabe: “ummah”.

“Ummah” é um termo que pode ser traduzido como “comunidade”, como na frase “ummat al mu’minin”, ou “comunidade dos fiéis” do Islã. A questão essencial aqui é que, ao longo da maior parte de sua história, o Islã nunca viu qualquer tipo de separação natural entre o mundo da política (e o da guerra), de um lado, e o da religião, do outro. A “nação” muçulmana (outra tradução possível para o termo “ummah”) era o conjunto dos fiéis, e vice-versa.

O SELO DO PROFETA

Isso, aliás, começou com Maomé. O profeta do século 7º d.C. iniciou seu movimento como um pregador que parecia não ter pretensões políticas imediatas, mas a hostilidade contra seu grupo inicial de muçulmanos na cidade santa de Meca o forçou a aceitar o convite de alguns moradores de Medina de se mudar para lá para atuar como uma espécie de juiz/prefeito/guia espiritual.

Ou seja, o chefe supremo e fundador do Islã quase imediatamente assumiu um papel político de relevo, que logo acabaria virando também um papel de líder militar. A “ummah” original era tudo isso junto: uma “Igreja”, um Estado e um exército atuando em uníssono — mesmo quando essa comunidade aceitava também a presença de cristãos e judeus em seu meio, como membros livres (mas economicamente subordinados, pagando uma taxa especial). Essa taxa, aliás, foi recriada pelo Estado Islâmico.

O sucesso da “ummah” ao longo de seus primeiros séculos de história foi estrondoso, em contraste com as seguidas derrotas dos povos muçulmanos diante das potências coloniais europeias a partir do século 19. De certa maneira, portanto, é esperado que os sujeitos que querem “recriar a pureza original” do Islã resolvam tentar remontar a absoluta identidade entre o Estado e a religião que eles enxergam na “ummah” original.

É possível que isso também ajude a explicar por que os povos muçulmanos do Oriente Médio não assimilaram a separação entre as duas coisas, que virou uma espécie de dogma secular dos países do Ocidente. Apesar dos séculos de supremacia do cristianismo por aqui, a religião cristã não surgiu como uma espécie de novo Estado imperial vitorioso — pelo contrário, em seus primeiros séculos, tratava-se de um movimento paralelo ao Estado. Quando imperadores romanos e reis germânicos passaram a se tornar cristãos, nunca houve uma identidade absoluta entre a estrutura política que eles governavam e a Igreja.

Reforçando de novo: é claro que esse é um fator entre outros. Se a situação fosse fácil de entender ou de resolver, não estaríamos enfrentando o atoleiro atual. E é claro que países muçulmanos podem criar instituições seculares que funcionem de forma decente — a Jordânia parece ser um exemplo disso. É injusto culpar o Islã simplesmente por existir, mas também é preciso lidar com a parcela complicada e violenta de sua herança, ao mesmo tempo em que reconhecemos os (muitos) lados positivos dela — o que vale, óbvio, para qualquer religião.

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