Cromossomos felizes
Este é um dia bastante especial para a chamada biologia sintética, o campo de pesquisa cujo objetivo é construir novos genomas e organismos do zero. Uma equipe da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, conseguiu sintetizar pela primeira vez, em sua inteireza, o DNA de um cromossomo de um organismo eucarionte (de célula complexa com núcleo, como a nossa), no caso a levedura Saccharomyces cerevisiae, a que fermenta algumas cervejas, como indica o nome do treco. Tem reportagem minha sobre o tema na Folha de hoje, mas muita coisa legal inevitavelmente ficou de fora, então vamos à versão do diretor.
Primeiro, alguns comentários de Gonçalo Guimarães Pereira, da Unicamp, um veterano nas tentativas de analisar e “projetar” genomas (currículo dele aqui; saiba mais sobre o trabalho dele e de seus colegas nesta e nesta reportagem de minha autoria).
Em conversa por telefone, ele explicou dois detalhes interessantes das leveduras com cromossomo artificial. Primeiro, a maneira como o cromossomo foi montado: as leveduras têm uma tendência natural a incorporar sequências de DNA que sejam homólogas, ou seja, tenham um conjunto similar de “letras” de DNA. Isso acontece quando a fita dupla de “letras” químicas que forma a molécula de DNA se abre e uma fita extra se acopla a uma das duas fitas abertas, gerando uma nova molécula. Foi assim, em linhas gerais, que o DNA sintético foi sendo inserido passo a passo no cromossomo natural da levedura, até sobrar apenas o cromossomo sintético.
Outro detalhe importante: os cientistas também inseriram no novo cromossomo, lado a lado de genes considerados não essenciais, sequências que levam à recombinação daquele DNA com seu par cromossômico — basicamente fazendo com que, ao longo das gerações da levedura, esses genes possam ser “cuspidos” para fora do cromossomo, diz Pereira. Isso é um método importante para tentar descobrir com mais rapidez quais genes são importantes, em conjunto, para o funcionamento do organismo e, assim, chegar a uma versão mais “enxuta” da levedura, ideal para modificações em laboratório – uma “levedura mínima”, diz ele.
Resumo da ópera, segundo ele: “Do ponto de vista técnico, o trabalho é uma demonstração de força, importante do ponto de vista científico. E, do ponto de vista das aplicações, é claro que é um grande passo para a criação de vias metabólicas, e da produção de produtos químicos por meio desses organismos, que não seria possível obter de outra forma”.
FAÇA VOCÊ MESMO
Segundamente, vamos aos comentários de Andrés Ochoa, que tem doutorado em biotecnologia pela USP e coordena o grupo Syntechbio, o qual, aliás, também está no Facebook. Fala, Andrés!
“Bom, o primeiro a comentar é que a prova de que um genoma sintético pode modificar uma célula foi feita por Craig Venter [um dos decifradores do genoma humano] em um genoma procarionte [de bactéria]. Não tinha sido feito com um eucarionte, o que faz do paper que você me mandou algo muito interessante. O paper que você manda caminha um pouco nessa direção. Junto com o trabalho de Venter, são prova de que a informação genética é software capaz de modificar hardware. O que gera grande interesse nesse tipo de matéria-prima para a criação de novos tipos de manufaturas, desenhadas a partir do DNA.