Aldo e a jaca
Lembro-me perfeitamente bem do momento em que me dei conta de que era difícil levar Aldo Rebelo — nosso novo Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação — a sério.
Era o ano de 2010, e o pomo da discórdia… era a jaca.
Para quem não está lembrado do contexto histórico, naquele ano Aldo Rebelo atuara como relator da nova versão da lei do Código Florestal no Congresso — lei que, com modificações e muitas idas e vindas, acabou sendo aprovada, ainda que fortemente criticada tanto por cientistas quanto por ambientalistas. Em seu relatório sobre o novo texto da lei, dedicado “aos agricultores brasileiros” (até aí, nada contra), Rebelo pediu a naturalização da jaca.
Eu vou deixar você ler a última frase de novo.
Pois é. Para Rebelo, a jaca merecia ser cidadã brasileira. Está tudo aqui nesta fita, isto é, neste texto do ex-colega e amigo Claudio Angelo.
Explicando um pouco melhor: a gloriosa jaca — ou, seguindo a nomenclatura botânica, a grande Artocarpus heterophyllus — é considerada uma espécie exótica. Tudo indica que ela se originou nas florestas tropicais do sudoeste da Índia e de lá se espalhou pelo resto da Ásia tropical. Os portugueses, como sabemos, andaram por lá desde o fim do século 15, e de lá trouxeram a parruda fruta para sua colônia americana, o Brasil, provavelmente no século 17.
Daí que o insigne deputado comunista, considerando o tempo de aclimatação da planta na Terra de Santa Cruz, argumentava que era um absurdo considerá-la como espécie exótica. Agricultores deveriam ter todo o direito de usar a árvore, assim como outras de origem não nativa, para reflorestar margens de rios e outras áreas de preservação permanente estabelecidas pela legislação. Esse negócio de usar apenas espécies nativas seria uma bobagem draconiana.
FALTOU ESTUDAR
O problema aqui vai muito além da ideia, que soa meio como piada, de “naturalizar” uma árvore. Não é questão de passaporte. É questão de entender como funciona uma comunidade ecológica e porque a gente refloresta um lugar. Comunidades ecológicas, como as que estão presentes numa floresta nativa, são conjuntos de espécies que evoluíram juntas e possuem uma rede de interações entre si que fortalece a continuidade saudável daquele ambiente — favorecendo inclusive a fertilidade do solo e a disponibilidade de água que são cruciais para qualquer agricultor.
Recusar o “passaporte” à jaca não é xenofobia botânica burra. É só reconhecer que uma espécie que evoluiu nos cafundós da Índia pode ser boa para muita coisa, mas não para reconstruir um ambiente nativo do Brasil.
Daria para analisar as outras coisas esquisitas que Rebelo andou falando por aí sobre mudança climática e ambientalismo (exemplo básico: se o ambientalismo é um plano imperialista, por que os próprios países desenvolvidos relutam tanto em aceitar regulações ambientais?), mas acho que a jaca basta. Ela me parece ser o microcosmo de um tipo de pensamento exclusivamente político que reluta em fazer a lição de casa e se dar conta de que não, nem tudo é objeto de negociatas e luta de classes. Algumas vezes, os fatos são fatos, em especial os da natureza. E fatos, como já disse um sábio, são coisas teimosas.
Como sou um sujeito de fé, só me resta rezar para que Rebelo, enfim, decida fazer a lição de casa.
Em tempo: tem mais sobre as posições cientificamente heterodoxas (para ser bonzinho) do ministro no blog do mano Mauricio Tuffani.
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