Nós contra eles

Reinaldo José Lopes

Já virou clichê esse negócio de jornalista dizer que não entende muito bem o que anda acontecendo nas ruas brasileiras nesses últimos dias. Infelizmente, nesse caso, tenho de me render ao clichê: também não estou entendendo grande coisa. Tipo, 10 mil pessoas nas ruas de São Carlos? (OK, foi num dia só, mas mesmo assim considere que a minha cidade tem pouco mais de 200 mil almas). Seja como for, há algo nesse heterogêneo caldeirão de indignação pública que as ferramentas da teoria da evolução, quando aplicadas à psicologia humana, ajudam a entender melhor. Trata-se da “cola” que mantém tanta gente diferente junta nas manifestações.

Não é totalmente incorreto, creio, batizar esse fenômeno de “Síndrome do Nós Contra Eles”. Essa é uma descoberta clássica da psicologia social: a facilidade com que as pessoas estabelecem formas de solidariedade dentro de um grupo, mesmo que tenham pouca coisa em comum com outros membros desse grupo.

Um dos experimentos clássicos a estabelecer essa dinâmica, o chamado experimento de Robbers Cave, foi coordenado pelo psicólogo americano de origem turca Muzafer Sherif (1906-1988). Design experimental mais simples impossível: pegue um grupo de meninos americanos entre dez e doze anos de idade, de famílias de classe média, brancos, sem problemas mentais aparentes, saudáveis. Leve essa molecada toda para um daqueles acampamentos de verão típicos de filmes da Sessão da Tarde. Divida-os em dois grupos de forma aleatória, fazendo com que eles fiquem acampados separadamente. Agora, observe o que acontece.

O que aconteceu, nesta ordem: 1)espontaneamente, os meninos criaram um apelido para suas turminhas, que se autobatizaram de “Eagles” (águias) e “Rattlers” (cascavéis); 2)cada um dos grupos desenvolveu identidades culturais próprias: os Eagles se consideravam os meninos educados e respeitosos, enquanto os Rattlers eram os durões; 3)essas identidades culturais também foram definidas em contraposição ao outro grupo: para os Rattlers, os Eagles eram filhinhos-da-mamãe, enquanto os Eagles viam os Rattlers como toscos; 4)é claro que, quando as duas tribos entraram em contato, as brigas foram inevitáveis.

O fenômeno da formação dos chamados grupos minimais (a palavra vem mesmo de “mínimo”, para indicar que é preciso pouquíssima coisa em comum para que esses grupos surjam) aparece também em experimentos de laboratório muito mais curtos do que as semanas de convivência dos Eagles e dos Rattlers.

Outro teste clássico do conceito envolveu, por incrível que pareça, o simples uso de cara e coroa. Nesse caso, grupos de voluntários eram divididos entre os que tiravam cara e os que tiravam coroa jogando uma moeda. Aí, perguntava-se a um membro do grupo dos “caras” quem ele achava mais inteligente: “caras” ou “coroas”? Bem, provavelmente os “caras”, respondia ele. Se algum dinheiro era distribuído entre os voluntários, com a possibilidade de compartilhar o valor com alguém, a tendência era um membro dos “coroas” dividir o prêmio com outros “coroas” — e assim por diante.

Isso se repete com todo tipo de variável — se você trocar “caras” e “coroas” por “fãs dos Beatles” e “fãs dos Rolling Stones”, ou “fãs de Leonardo da Vinci” e “fãs de Michelangelo”, a coisa acontece do mesmo jeito. O efeito de favorecimento a quem pertence ao mesmo grupo, por mais boba que seja a definição dele, é sutil, mas está sempre presente.

Dá para entender sem muita dificuldade o porquê de termos um mecanismo mental tão simplificado e afinado para aderir a grupos, quaisquer que eles sejam. Como primatas sociais por excelência, dependemos em quase tudo das redes de proteção que nos unem aos companheiros de grupo. Num mundo em que cada pequeno bando, com dezenas de caçadores-coletores, equivalia a uma “nação” — o mundo no qual nossa espécie evoluiu durante 99% de sua história –, não havia o perigo de que surgissem grupos artificiais, como os de “caras” e “coroas”. O melhor seria mesmo aprender a se apegar logo ao grupo no qual nossos ancestrais nasciam e cresciam, enquanto os demais sempre seriam vistos com desconfiança, se não com hostilidade aberta.

Voltando para a nossa confusa situação atual, fica um pouco menos estranho entender por que tantas demandas diferentes se uniram nas ruas do Brasil. A mera vontade de protestar parece ter sido capaz de unir muita gente diferente num grupo “mininal”, mas mesmo assim poderoso. No entanto, além desse fato, acho que há aí outra lição do experimento de Robbers Cave.

Acontece que os Eagles e os Rattlers passaram a cooperar justamente quando os pesquisadores que conduziam o experimento avisaram que todo o acampamento estava sendo atacado e que os grupos precisavam se unir para defendê-lo. A ameaça comum, portanto, parece ter feito a diferença. Pode ser que eu esteja interpretando de maneira fácil demais fatos absurdamente complicados, mas é sintomático que as manifestações tenham, de fato, ganhado escala nacional justamente depois das cenas de repressão severa dos manifestantes por parte da polícia terem ganhado destaque, em especial atingindo pessoas que nem estavam envolvidas nos protestos, como jornalistas e transeuntes.

Isso pode ter, de fato, fornecido o inimigo comum — não a PM propriamente, mas o risco de que qualquer manifestação virasse caso de polícia. É difícil saber aonde essa reação quase instintiva da psicologia humana a um “outro lado” aterrorizador vai acabar nos levando. Mas não se pode negar que muitas mudanças importantes, historicamente, surgiram de caldeirões parecidos.

Comentários

  1. É verdade, as manifestações uniu muitas pessoas de grupos diferentes e consenquentemente de interesses diferentes, mas eu acredito que o inimigo comum é muito evidente, é a corrupção do nosso governo brasileiro.

  2. O povo está pedindo Reformas de Base, as mesmas que João Goulart propôs há 50 anos. De lá pra cá, quem foi governo e não fez, não tem autoridade moral pra criticar. O povão pode, sofre com a falta das reformas. Fim da Impunidade.

  3. inconscientemente as pessoas estão se rebelando é contra a vida ARTIFICIAL que a sociedade escolheu pra elas viverem…

    não é contra os 3,20 …é contra o que os 3,20 compra … ficar parado dentro de um onibus lotado por duas horas na M Boi Mirim por exemplo… a pessoa aguenta isso por um tempo… por toda a sua vida ela não aguenta

    e no fim de semana a sociedade MEGALOMANA preparou para essa pessoa um domingão no shoping pra ela comprar tudo que não precisa e dai fazendo girar o sistema

    uma hora a corda arrebenta … a ficha tem que cair … tomara que caia pro lado bom..

  4. Belo artigo. É por isso que nós dividimos segundo diversos critérios: time que torce, escola de samba, gostos musicais, forma de vestir, crenças, etc. É também uma forma de criar diversidade num ambiente homogeneizante, mantendo riqueza “genética” (memética).

  5. Já existe publicada a teoria do jogo triádico ou dos três subgrupos que vem dos “minimais” e vai até os “maximais”, isto é, a estrutura de tudo tem a matriz do três, desde as partículas elementares até a competição internacional (na corte celeste aconteceu o mesmo com Lúcifer protestando). Se quiser saber mais: http://www.csproporcional.com.br ou procure meus livros “Construção Familiar-Escolar dos Três Cérebros ou Capital Intelectual. Toda interação é um jogo triádico. Mas é preciso aprender a vê-lo e entendê-lo.

  6. A oposição está esperneando,porque a Dilma está ouvindo a voz das ruas.Plebiscito já.

  7. Nossos governantes de hoje já foram os manifestantes de ontem, reivindicando quase exatemente as mesmas coisas e os manifestantes de hoje serão os governantes de amanhã, que certamente terão seus manifestantes nas ruas reivindicando quase que exatamente as mesmas coisas, ou seja, a espécie humana só demonstra uma total incapacidade de gestão sobre outros da sua espécie.
    Isto ocorre porque, diferentemente dos outros organismos, onde as lideranças funcionam bem, a espécie humana é dotada do livre arbítrio e o que é bom para uns pode ser mau para outros, tornando-se impossível um padrão universal de gestão.

  8. Baseando-se nos levantamos do Datafolha (para os protestos de São Paulo), é bobagem dizer que os protestos são por X, Y ou Z. Há uma fração que protesta por X, outra que protesta por Y, outra ainda q por Z.

    A repressão da PM certamente ajudou a dar um gás, mas não é a causa apontada por todos – menos de um terço dos manifestantes do dia 17 citaram a violência policial como causa da adesão.
    http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2013/06/1297654-largo-da-batata-reuniu-75-mil-a-maioria-novatos-na-onda-de-protestos.shtml
    —–

    []s,

    Roberto Takata

  9. acabei de ler sobre esse experimento no livro Subliminar – como o inconsciente influencia nossas vidas, de Leonard Mlodinow. Meio assustador, mas muito interessante. No fundo, a resposta à pergunta “porque você está aqui?” é “porque todos os outros estão”…

  10. Essas manifestações no Brasil e no mundo nada mais são que uma arma dos ILLUMINATIS para implantar sua base da “Nova Ordem Mundial”.
    Criam diversos problemas sociais. E depois apresentam a solução. Em breve um sagaz e inteligente líder mundial (anticristo) mostrará a solução pra todos os problemas sociais, econômicos do mundo e suas crises.

    1. Os comentarios iam bem, até aparecer um doente mental com uma teoria da conspiração fictícia.
      Caro amigo, vamos a umas coisas que talvez mamãe e papai não tenham lhe contado:
      Iluminanatis não existem!
      Papai noel também não, nem coelhinho da pascoa.
      Estas lendas existem justamente para tirar o foco das pessoas daquilo que realmente resoveria os problemas a analise dos fatos concretos.

      1. Meu caro,
        A alta maçonaria não tem nada de lenda.
        Pesquise a ligação dela com Illuminatis.

  11. Só olhos escamados não conseguem enxergar a tendência do consumimos imposto pelo governo mundial (Nova Ordem Mundial), liderado por alguns islâmicos subjugando o governo Brasileiro e de outros Países a se prostrarem aos seus pés, lançam doenças no mercado e já possuem a cura, é só pensar! Nunca estaremos salvo da opressão aos fracos, desde o principio foi assim, só mudaram os meios de arrancar o couro dos homens, antes era com chicote agora é com a legalidade deturpada, que inocenta os Grandes e oprime os pequeninos, e o duro que a tendência é piorar.
    Analisar fatos concretos Daniel, que fatos?
    Pense bem!
    Vivemos em uma tecnologia avançada, com meios de controle financeiro, e por que não melhorou?
    Porque nunca vai melhorar!
    Acorda!

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