O dilema das células-tronco embrionárias

Reinaldo José Lopes

Tudo indica que os pesquisadores da Unifesp e da Universidade do Sul da Califórnia estão prestes a fazer história com o primeiro teste clínico (em humanos) de células-tronco derivadas de embriões no Brasil, provavelmente no ano que vem. Como explico na minha reportagem de hoje na Folha, as células serão implantadas cirurgicamente em pacientes com casos avançados de degeneração macular, doença que pode levar à cegueira em idosos. (O infográfico abaixo explica melhor como a coisa funciona.)

Queria aproveitar este espaço para abordar um detalhe bioético importante da conversa que tive com o oftalmologista Rodrigo Brant, que está coordenando o esforço no país. Brant me contou que, no teste clínico, serão usadas linhagens de células comerciais, hoje vendidas como qualquer outro material de laboratório, derivadas de embriões humanos destruídos provavelmente há mais de uma década nos EUA.

 

Esse ponto, claro, é o responsável pelo interminável debate ético em torno das células-tronco embrionárias. Para obtê-las, é preciso destruir embriões humanos — ainda que sejam embriões destinados à lata do lixo e talvez já inviáveis, como acontece com os embriões que podem ter esse fim de acordo com a atual legislação brasileira. De qualquer modo, raciocinou Brant, o debate ético fica um pouco menos agudo no caso do teste brasileiro porque estamos falando de embriões que já deixaram de existir há muito tempo, por motivos que não tinham diretamente a ver com a terapia desenvolvida recentemente.

Dá para entender o raciocínio, mas acabo me perguntando se, do ponto de vista de quem questiona eticamente a destruição dos embriões, isso é suficiente. Até que ponto um ato considerado não ético “contamina” a cascata de atos teoricamente éticos derivada dele?

Hoje, por exemplo, dá para obter células equivalentes às embrionárias em potencial terapêutico, as chamadas células iPS, derivadas de células adultas reprogramadas geneticamente, sem destruir embriões. Mas todo o conhecimento necessário para chegar a esse resultado — e aqui vem uma pegadinha nada engraçada — foi obtido originalmente com as células embrionárias “pra valer”. Isso significa que, no fundo, também seria eticamente questionável lidar com as células iPS? É, o mundo é complicado.

Comentários

    1. Sim .Mudaria. Comparar um embrião com um ser humano, e tão irracional quanto comparar uma semente com uma arvore .

  1. Se tivéssemos ‘herdado’ a capacidade regenerativa celular dos invertebrados como os celenterados e de alguns vertebrados, como a salamandra, por exemplo, não estaríamos dependendo disso. Porém deve haver um potencial para essa regeneração que merece ser pesquisado

    1. Pesquisadores chegaram a criar um rato geneticamente modificado capaz de regenerar as patas, assim como descobriram uma espécie de rato na África capaz de regenerar partes completas de sua pele, incluindo pelos e nervos, que se solta sempre que um predador o morde.

  2. Não! Não tem nada complicado nessa escolha.
    A escolha é óbvia.
    O que é complicado é convencer gente teimosa, ignorante e, infelizmente, socialmente influente, de que é aceitável, moral e até louvável, para o benefício dos que seres humanos que sofrem pesquisar e usar esse recurso para o bem da raça humana (e até das outras raças animais, para não me acusarem de especísta ;).
    Infelizmente esses egoístas arrogantes só mudam de idéia quando o sofrimento os atinge, ou a alguem próximo que amem.
    Esses “embriões”, como quaisquer dos óvulos ou espermatozóides desperdiçados naturalmente durante a vida humana, jamais nascerão, nem se desenvolverão.
    Apenas foram unidos em laboratório por intervenção humana. Sequer foram frutos de um ato de amor.
    Nos vasos sanitários de todo o mundo, todas as pessoas férteis desperdiçam material genético sem se preocupar com o dilema moral nem ajudar a diminuir o sofrimento de ninguem.
    Chamar isso de Bioética é um eufemismo ridículo para quem quer aparentar isenção ou credibilidade.
    O verdadeiro nome desse debate é PRECONCEITO encrustrado em mentes fechadas, fanáticas ou fundamentalistas.

    1. Concordo, quem tem esse tipo de dilema não sabe o que está falando. São embriões que queiram ou não vão pro lixo. Antes serem úteis assim.
      Pior, por ficarem nessas discussões se pode usar ou não, perde-se tempo e embriões estragando. O mundo evolui e aqui não se faz nada, depois tem que comprar de fora a tecnologia.

      1. Exatamente Ricardo V. J.!
        Impedir os cientistas brasileiros de trabalhar em prol da nossa sociedade apenas nos fará mais atrasados e dependentes da ciência e tecnologia estrangeira. Nada contra importar o desenvolvimento que não pudermos construir aqui. Tudo contra atrasar deliberadamente a construção do nosso desenvolvimento, nossa ciência, nossa tecnologia, para lucrar espuriamente com isso, via lobby e atravessadores ou outra trapaça qualquer! Quando a ciência produzida pelo modelo brasileiro entra no mercado, os preços diminui e a qualidade aumenta, e isso é contra os interesses econômicos dos parasitas que vivem do dumping e de outras práticas condenáveis. Esse sim é o verdadeiro debate ético que devemos promover. A criação de uma ciência e tecnologia que beneficie nossa sociedade e permita o florescimento da humanidade.

        1. Do jeito que se coloca o tal “dilema” fica parecendo que se quer uma fábrica de embriões para células tronco, com mulheres doando óvulos e homens esperma para fecundação “in vitro” numa linha de produção…
          E pensando bem, mesmo que fosse assim, todo homem tem esperma sobrando pra doar e as mulheres ovulam todo mês indo pro absorvente o óvulo… não sei porque isso seria problema…

        2. Leo,

          Basicamente concordo com sua opinião. Entretanto, apenas como alerta, relembro um caso que além de parecido (na minha opinião) teve argumentações bem similares à sua. mas com o tempo demonstrou-se que tinha nos deixado num atraso escandaloso. Estou me referindo à antiga “Lei de Informática” que criou uma tal de “Reserva de Mercado”. Por culpa disso, enquanto empresários enchiam o bolso por aqui, outros países, como os tigres asiáticos progrediam propiciando benefícios sociais, culturais e econômicos muito além daqueles aos quais a impensável união entre militares e comunistas (na época) nos levou.

          Reitero que concordo em grande parte com sua opinião e que estas minhas colocações são apenas para aprofundar a meditação sobre o assunto.

          Abraço.

  3. Acho que a discussão vem até antes. Fertilização in vitro deveria ser proibida, uma vez que necessariamente envolve a produção de embriões que jamais virão a termo?
    Pior: as técnicas de clonagem abrem a perspectiva (por ora teórica) de gerar um ser humano inteiro a partir de qualquer células do corpo. Assim sendo, toda célula diplóide seria, em tese, considerada ser humano em potencial, eticamente vetada, portanto, para uso em qualquer pesquisa. Pode isso, Arnaldo?
    Resumo: a discussão ética é uma ladeira íngreme, e cada um para onde quer (ou consegue).
    Interpretando o todo da legislação brasileira, embrião só ganha direitos depois de implantado no útero (por ato voluntário dos pais). Antes disso, é facultado aos pais decidir o que fazer deles.
    Por essa lógica, a pesquisa está totalmente dentro dos limites da ética, mesmo diante da conservadora legislação nacional.

  4. Reinaldo, cresce a complexidade humana. Me parece que o problema verdadeiro e que já é um enorme problema, não é bem ético, e, sim, de manter a coerência num viver revolto como parece ser a tendência atual. Há quase 70 anos, o nazismo foi extirpado. Suas práticas médicas contra seres humanos são conhecidas, seus responsáveis presos foram
    julgados e condenados. Ressalvadas as proporções e o tempo decorrido desde a derrota nazista, práticas médicas atuais utilizando órgãos ou seres humanos em potencial como é o embrião humano, por mais profundas que sejam suas justificativas caem na vala aberta no IIIº Reich e julgada em Nuremberg, no após guerra. Condenado, o nazismo “sujou” o poço da possível licitude no uso ético do ser humano, do seu corpo, de seus órgãos ou organelas. Dou-me por feliz por há muito tempo já ter retornado ao pó, livrando-me de testemunhar a reabilitação dessa chaga do século findo. Até quando o sionismo segurará essa barra ? Ou com “sitz im leben”, a mudança de contexto, a cultura mais uma vez acomodará a cada vez mais frágil e plúmbea ética ? Quem sabe ?

    1. Ap, devo discordar de você. Não existiram “práticas médicas” nazistas. Nem é possível fazer comparações, mesmo ressalvadas proporções e tempo. Práticas médicas têm o objetivo de curar, medicar, aliviar a dor…o que existiu no nazismo, caro AP, foram experiências desumanas, sem nenhum objetivo de curar nada. Pelo contrário, o objetivo era provocar doenças, deformações, testar efeitos de venenos e outras substâncias tóxicas em seres humanos, que foram usados como cobaias de psicopatas. Quando você se informar melhor sobre os campos de concentração deve mudar seus conceitos.

      1. Marcelo e Gilberto Galo, primeiro um agradecimento muito grande à atenção de ambos ao que escrevi e que tem as marcas da honestidade, da legitimidade e da perplexidade, mas não da competência global, pois sou apenas uma pessoa comum, e não um expert. Assim sem querer colidir com a práxis e os módulos específicos da nomenclatura da saúde, vou declarar o sentido em que empreguei os termos “práticas médicas”, como um gênero que encerra toda e qualquer ação levada a efeito pelo profissional de medicina, como tal. Nesse gênero cabem espécies: os procedimentos preventivos; os terapêuticos que tem por objetivo”curar, medicar, aliviar a dor…apontados por você, Marcelo; as pesquisas médicas, como das células-tronco embrionárias| na restauração de órgãos do corpo humano, etc.. No gênero, a prática médica pode abranger experimentos flagrantes, como aludidos por mim e por Roberto Takata acima ou dissimular aberrações (abusos ) no trato com pacientes que as podem ter como procedimentos, estes, sim, sempre éticos, inclusive os procedimentos de pesquisa e daí o dilema das células embrionárias em tela. Práticas científicas, caríssimo Gilberto, a meu ver, ainda é mais amplo, pois além de abarcar as prática médicas, como acima declarei, engloba a física, a biologia e qualquer ramo do conhecimento que utilize o método científico. É esse o arcabouço em que sustentei o sentido dos termos “práticas médicas” utilizados. Marcelo, quero tranquilizá-lo quanto às informações que assimilei sobre campos de concentração (você deve ter se referido aos do nazismo). Estou terminando a leitura do livro de Hannah Arendt, “Eichmann em Jerusalém” sobre o julgamento desse criminoso de guerra nazista, intimamente ligado ao sistema de campos de extermínio tão conhecidos. Quando você rechaçou os termos praticas médicas que utilizei, você substituiu-os por “experiências desumanas, sem nenhum objetivo de curar nada. Pelo contrário, o objetivo era provocar doenças, deformações, testar efeitos de venenos e outras substâncias tóxicas em seres humanos, que foram usados como cobaias de psicopatas.”Hannah Arendt faz referências a tais experimentos quando escreve na página 287 de “Eichmann em Jerusalém”, Companhia das Letras, 1ª Edição – 12ª Reimpressão 2013, “… Dr. Joseph Mengele… envolvido nos mais horripilantes experimentos em Auschwitz e encarregado da “seleção”. “Cobaias de psicopatas”, como você chamou vítimas e pesquisadores nazistas me deu a impressão de que você não leu este livro, pois o subtítulo de “Eichmann em Jerusalém”, é: “Um relato sobre a banalidade do mal”. O que significa tratar-se a rede nazista, do Herr Hitler ao porteiro das SS de pessoas normais em que o mal se banalizou: eram tudo que fosse possível, exceto psicopatas. Você já leu “Eichmann em Jerusalém”, Marcelo ? Você tem uma indicação melhor sobre campos de concentração que mude meus conceitos a respeito ? Abraços.

        1. Caro Ap, “a banalidade do mal”, sim, já li. E concordo plenamente com a autora. Esse livro foi um marco, uma ruptura, pois mostrava como todos foram cúmplices da máquina nazista. E sim, quase todos eram pessoas comuns. Quase todos Ap. Mengele e outros, como um chefe de campo de concentração que mandava fazer abajures para a mulher com a pele humano dos mortos, não, não eram pessoas comuns. Psicopatas é adequado para muitos deles. Uma coisa é participar da banalidade do mal, entregando memorandos para a máquina funcionar, como o Eichmann fazia. Outra coisa era jogar crianças judias nos fornos como se fossem lenha.
          Para você mudar seus conceitos? Visite o museu do holocausto, em Washington. Você vai conhecer alguns detalhes da estória que não poderiam ter sido feitos por pessoas comuns. Ou visite Aushwithz. Livros, há muito poucos porque quase ninguém escapou para contar a estória.
          um abraço

  5. O debate não avança nada e nem pode avançar, porque sempre tem gente que tudo que sabe de História são chavões de um senso comum ridículo, como essa história de experimentos nazistas, e fica querendo palpitar sobre ética, quando não sabe nem distinguir fantasia de realidade.

    1. M. Twain, no primeiro comentário deste post do Reinaldo, lê-se:” Tiremos o embrião. Vamos considerar tecido removido de um adulto barbaramente morto em experimento nazista. Isso mudaria muito a perspectiva?”, seguida da educada resposta do dono do Blog. Você não tinha lido ? Pois então M. Twain, só agora no que eu escrevi é que você
      lança sobre mim essa matilha ladrando que ” sempre tem gente que tudo que sabe de História são chavões de um senso comum ridículo, como essa história de experimentos nazistas,” ou essa sua cortesia também é extensiva ao Takata ? Presumo que você não leu o comentário dele, não é mesmo ? Então, quem é você para me impedir de me manifestar “sobre ética, quando não sabe nem distinguir fantasia de realidade.”, como disse a meu respeito, se você próprio foi incapaz de assimilar a realidade do conteúdo de uns poucos comentários que estavam ali na sua frente, alvejando meu comentário, sem nem ter lido o primeiro ? Mas não fique triste. Numa coisa eu estou de pleno acordo com você: tem gente que trava “O debate que não avança e nem pode avançar”: você. Concorda ?|

      1. Boa AP.. a impressão q tenho as vezes é que se quer esquecer em definitivo esse ponto CRUCIAL da humanidade…colocar uma pedra em cima,,,apesar de tantos memoriais na Europa criados e mantidos justamente para o contrário … NÃO esquecer…

        1. Caro Gilberto Galo, obrigado. Não é chavão. Sinceramente odeio fazer isso com M. Twain que, com certeza tem muitas qualidades. Acho também que exagerei e poderia ter “pegado” menos pesado. Desculpe-me M. Twain.

  6. Os romanos já diziam” ai dos vencidos”. Normalmente a história é sempre escrita pelos vencedores. E alguns aqui parecem ter parcos conhecimentos sobre a matéria. Alguém viu russos e americanos sendo julgados no tribunal de Nuremberg. Alguém lembrou-se de Hiroshima e Nagasaki ou de Katyn? Napoleão foi um moedor de carne e Alexandre, o Grande, um genocida. De que forma seriam julgados hoje? Por que são diferentes de Hitler? Leiam e reflitam mais meus amigos?

  7. Por vencidos no novo Testamento. Escravos que foram iludidos com o bordão “aguenta a barra aqui, que o Paraíso te espera na “outra vida”.
    Quantos aos judeus depois dos anos setenta e das várias diásporas, dificilmente os classificaria como vencedores. Mas quando venciam os povos inimigos eram a própria encarnação do “tinhoso”.
    E como vai seu lote no Paraíso? Já fez um muro ao redor?

  8. De fato. Assim foi na I e II guerras. Nas guerras coloniais. Roma contra Cartago. Roma contra Cleopatra. Dos ingleses em Warteloo etc.

  9. e as células obtidas dos cordões umbilicais? tem gente (empresa) fazendo uma grana com essa historia de congelar cordão…

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