Versos satânicos

Reinaldo José Lopes

Em primeiro lugar, no último post acabei esquecendo de colocar o link para minha reportagem sobre o reino árabe cristão. Pronto, aí está, desculpas a quem pediu o link.

Segundamente: como eu deveria ter imaginado, vários leitores também pediram mais detalhes sobre a misteriosa história dos “versos satânicos” — na verdade, uma tradução melhor seria “versículos satânicos”, já que estamos falando do Corão.

De maneira muito resumida, podemos dizer que essa narrativa surgiu ao longo dos primeiros séculos do Islã, em meio a inúmeros comentários e textos exegéticos (de análise teológica) das frases de Muhammad (desculpem, não se deve usar “Maomé” mesmo). Entre os vários autores medievais que citam a história, o mais importante é Muhammad al-Tabari, que viveu entre os anos 840 e 923, tendo nascido no Irã e morrido em Bagdá.

Al-Tabari conta que Muhammad estava triste porque o povo de Meca não aceitava sua mensagem monoteísta, de crença no único Deus verdadeiro, Alá. E ele desejava muito que Deus lhe desse alguma revelação que pudesse trazer os moradores de Meca para o rebanho do profeta. Subitamente inspirado, então, Muhammad teria pronunciado os seguintes versículos:

“Pensastes em Al-Lat e Al-Uzzá

e Manat, a terceira, a outra?

Essas são as excelsas ‘gharaniq’, por cuja intercessão se espera”

Al-Lat, Al-Uzzá e Manat eram deuses adoradas pelos árabes pagãos. (Ninguém sabe muito bem o que quer dizer a palavra ‘gharaniq’, a melhor hipótese é algo como “cegonha”.) Os moradores de Meca, então, ficaram muito felizes e se juntaram a Muhammad, porque ele parecia estar sancionando a crença nas deusas junto com o culto a Alá.

Mais tarde, continua a história, o anjo Gabriel teria avisado que Satã/Shaytan é que teria enganado Muhammad e feito o profeta pronunciar os versículos antimonoteísmo. Gabriel teria consolado o profeta, explicando que todos os profetas antes dele também tinham sido tentados pelo Diabo também, e o ensinado a alterar a passagem da forma correta, que ela tem até hoje no Corão, na qual se diz que o trio de deusas não tem poder algum.

É claro que ninguém faz a menor ideia se um incidente desse tipo realmente aconteceu com o “Muhammad histórico”, já que a narrativa, pelo visto, veio da tradição oral islâmica e ficou circulando por uns 200 anos antes de ser registrada.