Mistérios do DNA pré-histórico

Reinaldo José Lopes

Esse negócio de evolução humana anda ficando complicado demais pro meu gosto. Conforme expliquei em reportagem recente para esta Folha, uma equipe do renomadíssimo Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionista, na Alemanha, obteve os mais antigos fragmentos de DNA de um humano primitivo, que viveu na Espanha há cerca de 400 mil anos. E, surpresa, esse DNA revelou afinidades com o dos misteriosos hominídeos da Sibéria conhecidos como denisovanos. Quase toda a Eurásia e mais de 300 mil anos (os denisovanos viveram há meros 40 mil anos) separam os dois grupos.

Hominídeos espanhóis pintados num estilo Goya, digamos. Crédito: Javier Trueba/Madrid Scientific Films

Hominídeos espanhóis pintados num estilo Goya, digamos. Crédito: Javier Trueba/Madrid Scientific Films

 

Conversei com o líder da pesquisa, Matthias Meyer, sobre o significado do achado e os próximos passos da equipe. Confira a íntegra do papo abaixo.

No artigo científico na “Nature”, vocês mencionam quatro cenários diferentes que poderiam explicar as semelhanças entre o DNA mitocondrial [transmitido só pela linhagem materna] do hominídeo de Sima e o dos denisovanos. Entre esses quatro cenários, há algum que vocês achem mais provável, e por quê?
Nós estávamos — e ainda estamos — bastante surpresos com a semelhança entre a sequência [de DNA] de Sima e as dos denisovanos. É preciso ressaltar que os denisovanos são bastante misteriosos por si próprios. São representados por apenas dois dentes e um osso de dedo [o mindinho], ambos achados na caverna de Denisova nas montanhas do Altai, sul da Sibéria. O DNA mitocondrial deles é muito diferente tanto dos neandertais quanto dos humanos do presente. Mas, com base em seu genoma nuclear [o DNA “principal”], podemos dizer que eles são um grupo irmão dos neandertais — nós os consideramos os “primos orientais” dos neandertais.
Essa discordância entre as sequências nucleares e as mitocondriais nos levou a especular, ainda em 2010, que o DNA mitocondrial dos denisovanos poderia ter entrado na população deles por meio da mestiçagem com uma população mais arcaica, como o Homo erectus ou o Homo heidelbergensis.
Então, o cenário que prefiro é que os hominídeos de Sima representam uma população que tem parentesco próximo com os ancestrais dos neandertais e dos denisovanos, e que outro grupo de hominídeos arcaicos trouxe para eles a linhagem mitocondrial divergente via mestiçagem. Essa linhagem, mais tarde, teria se tornado comum entre os denisovanos. O DNA mitocondrial dos neandertais também estaria presente, mas talvez num grupo de uma caverna diferente. No entanto, tudo isso é especulação. Realmente precisamos de DNA nuclear para resolver esse enigma.
Quais são os objetivos de vocês agora?
Estamos discutindo nossas futuras estratégias com Juan-Luis Arsuaga e sua equipe de Madri, que escavaram o sítio e caracterizaram os fósseis. Nossos dois times estão extremamente determinados para levar essa pesquisa a um novo nível. Isso certamente inclui sequenciar uma pequena parte do genoma nuclear dos hominídeos de Sima. Não vai ser fácil, mas estou muito otimista e acho que vamos conseguir dar uma primeira olhada no DNA nuclear cedo ou tarde. Além disso, seria interessante estudar o DNA mitocondrial de outros indivíduos do lugar, há pelo menos 28! Talvez achemos DNA de tipo neandertal nesses outros ossos.

Pelo que li no artigo de vocês, o DNA do fóssil estava extremamente degradado. Vocês estão chegando no limite do que a tecnologia atual consegue fazer com esse tipo de amostra? 

Temo que estejamos nos aproximando dos limites do que qualquer tecnologia consegue fazer. Em certo ponto, simplesmente não haverá mais DNA sobrando. Mas, de novo, eu não achava que íamos recuperar sequências de DNA dessa idade há um ou dois anos, então quem pode realmente saber o que o futuro trará?