Medicina paleolítica
Minha mais recente reportagem nesta Folha foi sobre o novo livro do paleoantropólogo Daniel Lieberman, da Universidade Harvard, uma obra que discute o impacto do conhecimento sobre a evolução da nossa espécie sobre a medicina, em especial a medicina preventiva (você pode conferir o texto clicando aqui). O resumo da ópera é que boa parte das doenças que mais matam hoje — problemas cardiovasculares, câncer, diabetes — parecem derivar diretamente do fato de que criamos para nós mesmos um ambiente totalmente diferente do de nossos ancestrais, um ambiente para o qual não estamos adaptados. E a nossa saúde vai para o brejo por conta disso, claro.
Abaixo, o gentil leitor pode conferir minha conversa com Lieberman sobre alguns pontos do livro.
1)O livro tem uma parte “prescritiva”, na qual o senhor diz que as medidas tradicionais para lidar com o nosso estilo de vida pouco saudável, como campanhas educativas sobre exercícios e alimentação adequada, não são suficientes porque a quantidade de calorias disponíveis é tão vasta, e o nosso instinto para comer demais é tão forte, que as medidas educativas não funcionam. Aumentar a regulação da indústria alimentícia é mesmo o único caminho? Se sim, como lidar com os argumentos de que não se pode interferir na liberdade do mercado?
Bem, o fato é que simplesmente a maioria de nós precisa de ajuda para agir em favor dos nossos próprios interesses, e precisamos de ajuda para impedir que outras pessoas nos seduzam ou nos enganem para agir de maneiras que nos fazem mal. Então, sim, é claro que precisamos de alguma regulamentação governamental nessa área. Acho que o tabaco é um bom exemplo. Antes que o governo dos EUA se envolvesse nessa questão, 50% dos americanos fumavam. Regulamentações modestas reduziram esse número para 20%.
2)Existe alguma parte da anatomia humana que ainda deixa o sr. perplexo, seja pela forma ou pela função? Se sim, qual seria? Fico pensando, por exemplo, se já temos uma explicação convincente para nossa quase completa falta de pelos.
É quase certo que tenhamos perdido nossos pelos como forma de melhorar a regulação da temperatura durante a corrida, um tema que discuto no capítulo 4 do livro. Mas há um bocado de características anatômicas que ainda não entendemos muito bem. Dois exemplos triviais são as sobrancelhas e os queixos, e tenho certeza de que seria capaz de listar várias outras.
3)O sr. critica a falta de conteúdo de biologia evolutiva nas disciplinas ensinadas nas faculdades de medicina. Mas seria possível argumentar que, embora o conhecimento das raízes evolutivas da obesidade, da diabetes etc. ajudem a entender por que essas doenças são difíceis de curar, esse conhecimento não ajuda você a achar novas maneiras de tratar essas doenças. Como o sr. responderia a essa objeção?
Como é que você conseguiria realmente tratar uma doença quando você não entende suas causas? Tratar os sintomas de uma doença é sempre a segunda escolha, só vem quando você não consegue tratar as causas do problema, e a tarefa dos médicos não deveria ser prevenir doenças, em primeiro lugar?
Além disso, muitos sistemas do corpo envolvem relações complexas de custo-benefício e têm consequências biológicas que só fazem sentido ou se tornam claras quando os consideramos do ponto de vista evolutivo.
A quimioterapia, por exemplo, às vezes (mas nem sempre) pode matar células cancerosas enquanto, ao mesmo tempo, promove condições para que novas mutações dessas células prosperem e se tornem mais virulentas.
Em outra situação, dar suplementos nutricionais para mães desnutridas que muitas vezes dão à luz bebês de baixo peso às vezes não as ajuda a ter bebês maiores e mais saudáveis, mas faz com que elas diminuem o intervalo entre os nascimentos e tenham mais bebês de baixo peso.
Todas essas interações, e muitas outras, exigem que levemos a evolução em conta. A medicina precisa da teoria da evolução!