O brilho de outros sóis
Peço licença para adentrar um pouco (na verdade, um muito) a seara do blog do colega e grande amigo Salvador Nogueira (se você ainda não conhece o seu Mensageiro Sideral, sugiro que clique aqui neste instante). É que, como sou um sujeito lerdo, só atinei agora para um fato óbvio: nos últimos 15 anos (mais ou menos o meu tempo de vida profissional como jornalista de ciência), uma revolução científica aconteceu, e das grandes, e eu ainda não tinha me dado conta plena do conjunto da obra.
Estou falando da descoberta de planetas fora do Sistema Solar, coisa que durante muito tempo foi simples especulação de ficção científica. Foi só em 1995 que o primeiro exoplaneta (como esse tipo de astro é conhecido) teve sua existência confirmada. Eu me lembro do tempo em que praticamente qualquer descoberta de exoplaneta era notícia. Hoje, esse número chega a 1.055 — e um único telescópio espacial, o Kepler, da Nasa, já achou mais de 3.500 outros “planetas candidatos”, cuja existência precisa ser confirmada com mais observações. Como brinca a colega e amiga Giuliana Miranda, descoberta de exoplaneta agora só é notícia se acharem 200 de uma vez. Se as estimativas atuais estiverem corretas, existem 100 bilhões de planetas só na nossa galáxia, dos quais mais de 10 bilhões devem ser do tamanho da Terra, orbitando a zona habitável (a faixa onde a água é líquida, e a vida, possível) de sóis parecidos com o nosso.
Permita-me ser repetitivo, porque é importante: se esse novo conhecimento não é uma revolução científica, então, bicho, eu realmente não sei o que seria.
Sim, esses planetas ainda estão absurdamente distantes de nós, mesmo se quiséssemos enviar apenas sondas robóticas até eles. Mas, mesmo usando apenas telescópios baseados na nossa órbita, muito provavelmente a próxima década verá um acúmulo cada vez maior de informações sobre esses astros ainda tão misteriosos, inclusive sobre a composição de suas atmosferas e sobre a possibilidade de esses corpos celestes (é, expressão meio com cheiro de naftalina, eu sei) abrigarem vida.
E é claro que isso terá um impacto monstruoso sobre como pensamos a origem da própria vida na Terra. Até hoje, só dispomos de um único “filme da evolução”. Só sabemos (por enquanto, em linhas muito gerais) em que condições a vida surgiu num único planetinha. Qualquer cientista será capaz de te dizer que uma amostragem com um único exemplar (n = 1, como escrevem nos papers, ou artigos científicos) não é a coisa mais confiável do mundo.
Mas, com milhares de exoplanetas para estudar, dá para tentar responder de forma mais embasada todo tipo de pergunta. Uma lua grande como a nossa é importante por estabilizar a órbita ou pode ser dispensada? Há uma força gravitacional ótima? Qual a melhor densidade atmosférica? E a atividade vulcânica/tectônica? Enfim, finalmente estamos escapando da maldição do n = 1, mesmo que demoremos para achar evidências definitivas de vida “lá fora”.
Por tudo isso, um brinde à revolução que já aconteceu — e outro, de copo ainda mais transbordante, à revolução que virá.