Oito novos mandamentos
Uma das minhas reportagens recentes nesta Folha contou as principais conclusões do fascinante livro “Big Gods” (“Deuses Grandes”), escrito pelo psicólogo canadense de origem libanesa Ara Norenzayan. O livro é um dos panoramas mais completos e bem escritos que conheço dos estudos científicos sobre a psicologia da crença religiosa e, mais especificamente, sobre como religião e comportamento ético estão (ou não) entrelaçados. Resumindo a ópera, Norenzayan argumenta que deuses como o Deus judaico-cristão, preocupados com noções de certo e errado, foram ferramentas importantes para cimentar a cooperação em sociedades complexas — como a nossa e como quase todas as que surgiram após o aparecimento da agricultura.
O livro é riquíssimo e consideravelmente grandinho, daí o fato de eu não ter conseguido explorar muita coisa interessante de seu conteúdo na reportagem. Por sorte, o blog está por aqui, então vamos estar destacando (como diz aquela moça do telemarketing) algumas pérolas da obra em uma série de posts. Começando pelos “oito mandamentos” dos “deuses grandes” listados pelo pesquisador (não me perguntem por que ele escolheu o número oito):
1)Pessoas vigiadas são pessoas boazinhas
A ideia é simples: se você acredita que um deus está olhando e julgando suas ações, você tenderá a se controlar mais. Há evidências experimentais desse fato.
2)A religião está mais na situação do que na pessoa
Contextos especificamente religiosos (idas à igreja ou à sinagoga, rituais etc.) influenciam mais o comportamento do cidadão do que uma simples declaração de crença.
3)O Inferno é mais forte do que o Céu
Quando se trata de modificar comportamentos, salientar o risco de perder a alma funciona mais do que só falar do amor divino.
4)Confie nas pessoas que confiam em Deus
Religiosos tendem a confiar mais em outros religiosos, mesmo que eles pertençam a uma religião diferente da sua, do que em não crentes.
5)Ações religiosas falam mais alto do que palavras
É o custo de certos rituais, ou o de seguir certos preceitos, que permitem que os fiéis provem uns aos outros a sua fidelidade e confiabilidade social, mais ou menos como no item 2.
6)Deuses que não são adorados são deuses impotentes
Parece autoexplicativo, certo?
7)Deuses grandes para grupos grandes
Mais ou menos o que expliquei nos parágrafos acima: grupos sociais com dezenas de milhares de pessoas ou mais parecem “precisar” de deuses poderosos e interessados em ética/moralidade para garantir que o tecido da sociedade funcione com um mínimo de confiança entre seus membros.
8)Grupos religiosos cooperam para poder competir
Competir com outros grupos, no caso. O subproduto da coesão social derivada da crença em “deuses grandes” parece ser, infelizmente, uma capacidade mais elevada de competir com grupos externos que não partilham dessa crença.