Criaturas misteriosas da Idade da Pedra
Alguém pode me dizer que cazzo são esses bichos aí embaixo e aí em cima? Porque eu, minha gente, sinceramente não faço a mais vaga ideia. (Não vale dar uma de Fred Flintstone e dizer “Dinossauros!” pro caso dos de baixo. Desculpa, mas nenhum dinossauro tinha essa anatomia de cobrinha com corpo redondinho.)
Aliás, não só só eu, pobre escriba do jornalismo científico tupiniquim, que fico perdidaço na hora de interpretar essas imagens do fim da Era do Gelo, contemporâneas da esplendorosa revolução cultural e artística que tomou conta das cavernas do sudoeste da Europa entre 35 mil e 15 mil anos atrás. O pesquisador espanhol Eduardo Palacio Pérez, da Universidade da Cantábria em Santander, acaba de publicar um extenso artigo na revista científica “Antiquity” para dizer que, quase um século e meio depois do início da pesquisa séria sobre arte paleolítica (ou seja, da “Idade da Pedra Lascada”, como diz o povão), continuamos não sabendo quase nada sobre o que levou os ancestrais dos europeus a fazer esses desenhos mutcho lôcos (com o perdão do coloquialismo).
Apesar da dúvida, o artigo de Pérez ao menos faz um interessante e importante resumo da história da interpretação desse tipo de desenho, e das controvérsias que ainda reinam sobre o tema.
Até meados do século 20, mais ou menos, as interpretações podiam ser divididas em três grandes campos:
1)Alguns pesquisadores acreditavam que os artistas do Paleolítico eram sujeitos basicamente “realistas”, ou seja, em geral tentavam representar basicamente o que viam no mundo ao seu redor. Um argumento em favor dessa ideia é o incrível nível de detalhe e conhecimento de anatomia que nossos ancestrais conseguiam empregar quando desenhavam animais como bisões, cavalos selvagens e leões. Portanto, seria lógico que essas figuras esquisitas, em especial as do alto deste post, representassem coisas reais — no caso, xamãs, curandeiros ou “protossacerdotes” que vestiam roupas feitas a partir de peles e crânios de animais para seus rituais.
2)Outro campo de pesquisadores argumentava que as imagens estão basicamente retratando criaturas míticas da Era do Gelo — basicamente os equivalentes paleolíticos de sereias, sátiros e centauros (entre outros) na mitologia da Grécia Antiga. Confesso que tenho uma queda por essa hipótese, mas é só porque ela seria uma janela para uma mitologia que, de outro modo, está totalmente extinta. Essa quedinha não tem base factual nenhuma.
3)Voltando um pouco à questão dos xamãs, as imagens também poderiam ser representações de “viagens astrais” que se davam sob estados alterados de consciência (uso de drogas, jejum, privação de sono etc.) e eram usadas para tentar curar doentes, entrar em contato com espíritos, e por aí vai.
Pérez parece preferir uma quarta alternativa: o fato de que, em muitas culturas atuais de caçadores-coletores (análogas, em tese, aos caçadores-coletores do Paleolítico) enxergam uma espécie de barreira semiporosa entre animais e seres humanos, em especial no plano espiritual ou mítico. Isso, de fato, é comum: mitos indígenas do Brasil sobre onças ou queixadas, por exemplo, às vezes parecem recordar uma época, ou um estado, no qual os bichos também constroem ocas, usam potes de cerâmica etc. Os esquimós, por sua vez, às vezes retratam ursos polares como gente. Os desenhos da Era do Gelo seriam indícios da antiguidade desse tipo de crença.
Seja como for, o pesquisador espanhol diz que é melhor não esquentar muito a cabeça com o significado preciso dos desenhos por enquanto. Ele defende que seria mais produtivo tentar fazer um mapeamento geográfico detalhado dos estilos e dos temas das imagens, tentando ver como eles poderiam se correlacionar com “tribos” e tradições culturais diferentes. Pelo jeito, esse mistério do passado ainda há de continuar misterioso por um bom tempo.
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