Desculpaí, mas Jesus existiu: fontes pagãs
Aviso aos navegantes: este é o terceiro texto de uma série sobre a historicidade de Jesus. Para ler os anteriores, por favor confira os links abaixo.
Desculpaí, mas Jesus existiu: um preâmbulo
Desculpaí, mas Jesus existiu: Flávio Josefo
O tema do nosso post de hoje, o qual, misericordiosamente (para os leitores, ao menos), será bem mais curto que os anteriores da série, são as referências a Jesus em textos de autores pagãos que escreveram menos de um século depois da morte do Nazareno. Tais referências são raras e breves, mas nem de longe são inexistentes. Mais importante ainda, nenhum historiador sério das últimas décadas se arrisca a dizer que elas são invenções de copistas cristãos que viveram depois dos autores — em parte porque o conteúdo desses textos costuma ser virulentamente anticristão.
TÁCITO
Cornélio Tácito (56 d.C.-118 d.C.) é o autor dos “Anais”, escritos no começo do século 2º d.C. Ao falar do célebre incêndio de Roma, supostamente causado de caso pensado pelo imperador Nero em 64 d.C., Tácito diz o seguinte.
“Assim, para fazer calar o rumor [de que ele tinha mandado colocar fogo na cidade], Nero criou bodes expiatórios e expôs às torturas mais refinadas aqueles que o povo chamava de cristãos, um grupo odiado por seus crimes abomináveis. Seu nome deriva de Cristo, que, durante o reinado de Tibério, tinha sido executado pelo procurador Pôncio Pilatos. Sufocada por um tempo, a superstição mortal irrompeu novamente, não apenas na Judeia, terra onde se originou esse mal, mas também na cidade de Roma, onde todos os tipos de práticas horrendas e infames de todas as partes do mundo se concentram e são fervorosamente cultivadas.”
Olha, se alguém me explicar convincentemente por que um cristão teria a manha de forjar uma descrição tão elogiosa (#sóquenão) da própria fé, eu dou a senha do meu cartão de crédito pra esse gênio. Note que Tácito “acerta” tanto o imperador quanto o governador da Judeia que estavam no poder quando Jesus foi executado (embora tecnicamente Pilatos fosse prefeito da Judeia, e não procurador).
PLÍNIO, O JOVEM
Caio Plínio Cecílio Segundo (61 d.C.-112 d.C.) foi governador do Ponto e da Bitínia (regiões que ficam na atual Turquia) no começo do século 2º d.C. Sua correspondência com o imperador Trajano é um dos mais antigos indícios fora da Bíblia de perseguições romanas — esporádicas — aos cristãos. Ao relatar ao imperador os estranhos costumes (do ponto de vista romano) da seita cristã, ele menciona, entre outras coisas: “Eles [os cristãos] costumavam se reunir num dia marcado antes da aurora e cantar um hino a Cristo, como se ele [Cristo] fosse um deus” — o que dá a entender que o tal Cristo não era um deus, segundo Plínio.
Só de passagem, é interessante notar que, como governador, o que Plínio condenava nos cristãos era sua “obstinatio” ou “pertinacia” — basicamente, sua teimosia em não aceitar os costumes romanos, como os sacrifícios aos deuses do Estado romano. Isso, para ele, já era razão suficiente, caso a pessoa se recusasse por três vezes a renunciar à seita, para determinar uma execução.
SUETÔNIO
Caio Suetônio Tranquilo (69 d.C.-122 d.C.) é o nosso caso mais ambíguo e complicado. Em sua biografia de Nero na série “Vida dos Doze Césares”, ele também faz menção à perseguição aos cristãos:
“Também foram punidos os cristãos, classe de homens dados a uma nova e traiçoeira superstição.”
OK, isso indica a presença de cristãos em Roma menos de 30 anos depois da morte de Jesus. A passagem mais duvidosa, porém, está na biografia do imperador Cláudio, que reinou antes de Nero.
“Como os judeus estavam constantemente causando distúrbios por instigação de Cresto, ele [Cláudio] os expulsou de Roma.”
Pois é, Cresto, com “e”, e não “Cristo” — mas a maioria dos historiadores acredita que essa seja uma referência a Jesus e uma prova de uma imensa viajada de Suetônio. Ele teria entendido o nome errado e assumido que “Cresto” seria o líder ainda vivo de uma facção judaica em Roma, um perturbador da paz, em suma (os cambistas do Templo de Jerusalém, cujas mesas foram reviradas por Jesus, provavelmente concordariam com ele).
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E é isso, basicamente. Acho que as lições principais dessas fontes pagãs são:
1)Nem tudo no mundo é interpolação cristã;
2)Fica claro que, durante muito tempo, o movimento iniciado por Jesus não passava de um grupo insignificante de radicais de origem judaica aos olhos do poderio do Império. Daí a invisibilidade quase total deles.
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