Manhas e patranhas da política papal
Confesso que nunca tive a menor vontade de me tornar repórter de política, apesar dos altos dividendos profissionais que essa escolha poderia trazer — afinal, é MUITO mais fácil se destacar como jornalista cobrindo o Congresso do que escrevendo sobre dinossauros e hominídeos (que é basicamente o que eu faço faz quase 15 anos). E não é nem propriamente pelos problemas éticos que às vezes rondam o jornalismo político (embora eu também os tenha considerado), mas porque eu sou meio mané de nascença e teria sérias dificuldades pra distinguir o joio do trigo num ambiente em que as pessoas mentem uns 95% do tempo (contra os 50% do tempo num ambiente “normal”, vá lá). Geral ia me enrolar facinho, facinho.
Daí o meu “choque de realidade” quando, desde o ano passado, fui escalado por esta Folha para ajudar na cobertura do Vaticano e de todas as reviravoltas que aconteceram por lá entre a renúncia de Bento 16 e a ascensão de Francisco. A missão me coube porque eu conheço relativamente bem teologia católica e história da Igreja, falo italiano e acompanho o que tem acontecido com o papado atentamente (até pelo interesse pessoal de católico praticante), além de eu já ter desempenhado papel parecido quando trabalhava no portal “G1”. Beleza, mas uma coisa é observar o cenário relativamente de longe, outra é seguir o tema todo santo dia, com o máximo de cuidado, esquadrinhando cada linha do que sai nos principais periódicos da Itália, os quais, naturalmente, são os que têm mais especialistas na cobertura do Vaticano.
Depois de alguns meses fazendo isso, minha reação foi mais ou menos a seguinte: socorro, virei repórter de política.
Falando sério, o que mais impressiona a partir de um ponto de vista relativamente ingênuo, como o meu, é como mais ou menos os mesmos fatos recebem tratamento completamente oposto dependendo do “vaticanista” que está escrevendo, ou de como as fontes (ou seja, os entrevistados) “mandam recado” o tempo todo via reportagens supostamente isentas, mesmo quando não estão falando abertamente.
Essa é uma das necessidades, e um dos problemas, do jornalismo de política: quem está em busca de informações exclusivas e importantes precisa muitas vezes descolá-las “em off”, como se diz — ou seja, sem poder revelar a fonte da informação. “Offs”, é claro, podem ser “cruzados”, ou seja, checados com múltiplas fontes para tentar avaliar sua confiabilidade, mas é relativamente fácil, tanto para a fonte quanto para o jornalista, voltarem atrás com esse tipo de informação quando é conveniente.
O resultado de tudo isso é que toda aparente “notícia” é um verdadeiro quebra-cabeças de ângulos e motivações. Fico tentando pensar por que o vaticanista X resolveu fazer um comentário desabonador (ou puxa-saco) sobre o cardeal Y pela enésima vez, ou como a divulgação dessas informações se “coreografam” com a última medida ou declaração do papa Francisco. Depois de um tempo, o triste é que você meio que consegue prever o que Fulano ou Sicrano vão escrever sobre determinado tema muito antes de eles botarem as ideias no papel. E, claro, a cultura política do Vaticano, tradicionalmente avessa à transparência, não ajuda muito nesse exercício interpretativo. Não tá fácil pra ninguém.
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