Dinos: quentes ou frios?
Não, não é uma referência à célebre canção da Katy Perry, insigne leitor, mas ao misterioso metabolismo dos dinossauros. Uma nova pesquisa americana, a respeito da qual escrevi na semana passada nesta Folha, defende que as criaturas não eram nem endotermos (“de sangue quente”, capazes de manter temperatura corporal relativamente constante, feito mamíferos e aves) nem ectotermos (“de sangue frio”, deixando sua temperatura mais ou menos ao sabor do ambiente, aquecendo-se ao sol quando necessário, como ocorre com os répteis atuais), mas sim… mesotermos. Um meio-termo, supostamente compartilhado com um punhado de espécies modernas, nas quais o vivente (como dizem lá no Rio Grande do Sul) aquece ativamente seu corpo, mas não se sente obrigado a “defender” um ponto relativamente fixo de temperatura, como os 36,5 graus Celsius preferidos pelo nosso corpo quando não temos febre.
Conversei com um simpático e competente trio de pesquisadores brasileiros, todos paleontólogos, sobre a pesquisa, e tenho o prazer de compartilhar as observações deles na íntegra aqui no blog. Primeiro, o meu xará duplo, Reinaldo José Bertini, da Unesp de Rio Claro. Eis o que ele me disse.
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Um pequeno histórico: até os anos 1960 o pessoal julgava que os dinossauros eram pecilotérmicos [ectotérmicos]. Ou seja, tinham uma fisiologia similar àquela dos “répteis” modernos. Foi a partir dos anos 1960 que começaram a se debruçar sobre o tema.
Armand de Ricqlés verificou que a osteologia [estrutura óssea] dos saurópodos [grandes dinossauros herbívoros pescoçudos] tinha similaridades com aquela dos “mamíferos” modernos, que são homotérmicos [endotérmicos]. Bob Bakker foi mais radical, explicitando que dinossauros eram completamente homotérmicos — Bob escreveu alguns livros a respeito.
Nos anos 1970 houve muitos debates, e o pessoal se dividiu em opiniões. Mike Benton não aceitava a homotermia dinossauriana, como proposto por Bakker. Naquela época outros defendiam uma fisiologia dinossauriana, nem homotérmica nem pecilotérmica.
Nos anos 1980 surgiu a proposta de homotermia inercial para saurópodos. Alguns autores encamparam a ideia. Fisicamente falando, esses animais não perdiam muito calor durante a noite, por serem muito grandes, e no dia seguinte tinham temperatura suficiente pra suas atividades de conseguir alimento. Se durante o dia a temperatura chegava a 35 graus Celsius, à noite não caía abaixo de 25 graus Celsius — fiz alguns comentários a respeito na tese de doutoramento. E o tema tem estado dividido até hoje.
Uma rápida taxa de crescimento está de acordo com “homotermia”. Mas sim, os autores [da nova pesquisa] têm razão. Até o momento faltaram contribuições fortemente comparativas sobre o tema. E novamente sim, muitos trabalhos, envolvendo taxas de crescimento, padecem de uma assembleia [conjunto] fóssil limitada. Curvas de crescimento ontogenético [ligado ao desenvolvimento, desde a fase embrionária] foram usadas no passado, mas não com a metodologia que os autores utilizaram.
Entretanto, as temperaturas médias que utilizaram como referência, entre 24 graus Celsius e 30 graus Celsius, talvez sejam uma aproximação equivocada para a Era Mesozoica [época em que viveram os dinossauros]. As temperaturas médias eram mais altas do que hoje. A “mesotermia” dos caras parece mais a homotermia inercial que expliquei anteriormente.
A figura 3 [ver acima] é importante. Deixa claro que deinonicossauros, como Troodon, por exemplo, eram mesotérmicos. Mas a presença de estruturas homotérmicas, como penas, talvez os coloquem no limite entre mesotermia e homotermia. Mas é um erro chamar deinonicossauros de “celurossauros”. É uma simplificação perigosa; celurossauros foram ancestrais dos deinonicossauros, também tinham penas. Erro típico de um grupo que não tem muitas afinidades com a taxonomia dinossauriana. E aves recentes são sobreviventes dos dinossauros ancestrais, pré-homotérmicos.
Mas sem dúvida a abordagem estatística, encaminhada pelos autores, é perfeita. Outro detalhe importante e surpreendente: a constatação de que a osteologia típica de “aves” não apareceu até o final do Cretáceo.
Fazem apenas uma rápida menção aos dinossauros polares, como aqueles encontrados na Austrália. É uma questão ainda em aberto. Hibernavam durante a época sem luz? E como resistiam às baixas temperaturas da Austrália, que situava-se no Círculo Polar Antártico? Não mergulham fundo nisso.
Os autores não pertencem à comunidade que usualmente investiga dinossauros. Mas talvez seja uma abordagem interessante. Opiniões não usuais podem ser importantes.
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E agora, com a palavra, Max Cardoso Langer, paleontólogo da USP de Ribeirão Preto. Confiram.
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Ah! E uma coisa legal, apesar de óbvia, que o artigo coloca é que a dicotomia entre ectotermia e endotermia não é tão distinta como se costuma dizer. Pra mim, é óbvio que o cenário é bem mais complexo, com formas utilizando estratégias intermediárias.