A sobrevivência do mais esquisito
Decisões sobre como alocar recursos para a preservação da biodiversidade são, quase sempre, escolhas de Sofia, infelizmente. Diante das prioridades de gastos dos governos e da iniciativa privada, o dinheiro para tentar salvar cada espécie ameaçada do planeta é sempre muito, muito curto. O que significa que é preciso priorizar. Quer um critério para saber quais espécies precisam de mais esforços para serem salvas? Escolha as mais esquisitas.
Eu sei, parece piada, mas na verdade faz muito sentido — e tem muita gente séria, como o pessoal da Sociedade Zoológica de Londres, colocando seu prestígio e seus recursos em favor desse raciocínio. Trata-se da iniciativa “EDGE of Existence” (literalmente “nas margens da existência”). EDGE, claro, é um acrônimo inglês bonitinho para a expressão “evolutivamente distintos e globalmente ameaçados”.
“Evolutivamente distintos” porque, em geral, criaturas muito esquisitas costumam representar um padrão evolutivo único. Além de morfologia e fisiologia especializadas, muitas vezes essas criaturas são os últimos sobreviventes de seu gênero, ou mesmo de sua família. Isso significa que, se elas forem extintas, a gente perde não apenas uma espécie única (o que já seria trágico o suficiente), mas uma trajetória evolutiva inteira. Um grande exemplo são as équidnas, simpáticos e espinhudos mamíferos da Oceania que possuem bicos e botam ovos, aparentadas aos ornitorrincos. As équidnas são monotremados, um grupo de mamíferos que existe desde as profundezas da era dos dinossauros (lá se vão 150 milhões de anos, gentil leitor). Basta um leve empurrãozinho para que toda essa história se perca. Comparativamente, a perda de uma espécie de roedor, um dos grupos mais abundantes de mamíferos, não seria um desastre tão irreparável.
“Globalmente ameaçados” é meio autoexplicativo, claro. A trajetória evolutiva única e a ameaça global acabam caminhando juntas, na verdade, porque animais com trajetória evolutiva e adaptações únicas frequentemente são especialistas com distribuição geográfica restrita. Ou seja: é relativamente fácil detonar as populações deles, basta destruir seu habitat, por exemplo. Também é comum que eles tenham estratégias reprodutivas mais lentas e mais exigentes, o que também não ajuda.
Confira o site do pessoal do EDGE of Existence para mais informações. A revista “New Scientist” tem uma galeria de fotos de alguns dos bichos esquisitos e necessitados. Ah, e temos espécies brazucas nessa lista, como a simpática preguiça-de-três-dedos da mata atlântica, a Bradypus torquatus.
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