Deus com asas de… abutre?
Momento solene: no livro do Êxodo, o segundo da Bíblia (capítulo 19, versículo 4, para ser mais exato), Deus está formalizando sua aliança com o povo de Israel, logo depois de intervir miraculosamente para libertar os escravos hebreus do Egito. Diz então o Senhor Deus:
“Vistes o que fiz aos egípcios, e como vos tenho trazido sobre asas de águia para junto de mim”.
Ao menos é o que diz a tradução chancelada pela CNBB que acabo de checar. O que o texto hebraico realmente diz, na verdade, é “asas de ABUTRE”. O autor bíblico provavelmente está se referindo ao Gyps fulvus, este bicho aqui embaixo.
Por que comparar o Senhor Deus a um comedor de carniça? Bem, porque o folclore sobre esses bichos entre os antigos israelitas dizia que, quando os filhotes começavam a aprender a voar, pulando do ninho, os pais rapidamente saíam voando por baixo e apoiavam os abutrezinhos nas suas costas, até que seus músculos estivessem suficientemente desenvolvidos para baterem as asas sozinhos. É uma metáfora de solicitude, portanto — apesar da comparação aparentemente pouco lisonjeira. Os tradutores gostam de dar uma tucanada (só pra ficarmos na metáfora penosa) nesses casos.
Essas e outras informações fascinantes sobre a história dos Dez Mandamentos estão no excelente livro “The Ten Commandments: A Short History of An Ancient Text”, de Michael Coogan.
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