Funeral neandertal
O desaparecimento dos neandertais, os “primos” mais próximos que a humanidade já teve neste planeta, é um dos eventos arqueológicos mais importantes e mais estudados de todos os tempos, mas isso não significa que a polêmica em torno do que realmente aconteceu esteja perto de terminar. Como contei em reportagem recente nesta Folha, um estudo da Universidade de Oxford, publicado na revista “Nature”, aponta que eles teriam sumido relativamente cedo da Europa: praticamente nenhum membro da espécie ainda estaria no continente há cerca de 40 mil anos.
Um resumão do estudo está no infográfico abaixo.
Os dados, no entanto, contradizem uma corrente de pensamento ainda bastante respeitada nos meios arqueológicos, segundo os quais a península Ibérica foi o último refúgio dos neandertais (o equivalente à vila do Asterix para os gauleses dos quadrinhos, digamos) durante milhares de anos, talvez até perto de 30 mil anos atrás.
Um dos grandes nomes dessa linha de pensamento é Clive Finlayson, diretor do Museu de Gibraltar (não por acaso, um dos sítios importantes e aparentemente mais recentes é a caverna de Gorham, em Gibraltar, que é um território britânico no extremo sul da Espanha).
Veja o que Finlayson me disse sobre a nova pesquisa.
“Acho que o artigo tem muitas falhas. O fato de que eles obtiveram tantas datas em torno de 40 mil anos significa que estão obtendo amostras de uma população saudável de neandertais por toda a Europa. Significa, portanto, que os neandertais se extinguiram depois dessa época. Parece um detalhe básico, mas é enormemente importante.
A ultrafiltração de ossos [uma das técnicas usadas pela equipe de Oxford para obter suas datas] só funciona em climas frios, porque em climas quentes o colágeno do osso acaba se deteriorando. Isso quer dizer que os lugares nos quais os neandertais sobreviveram por mais tempo (com climas quentes) não foram amostrados por esses método. Os resultados, portanto, ficaram enviesados em favor de locais onde a extinção aconteceu cedo (ou seja, os frios).
Quanto à caverna de Gorham, há uma grande bateria de datas desse sítio. As datas mais recentes da presença de neandertais são de 32 mil anos. Mas, mesmo que fôssemos contestar essa data, há muitas outras datações na faixa entre 38 mil e 32 mil anos. Todos eles estão abaixo do limite do novo estudo. A questão, portanto, não é se eles tiveram uma sobrevivência tardia em Gorham, mas quão tardia ela foi, porque o fato de que eles sobreviveram por mais tempo lá é algo certo!
Há outras falhas importantes no artigo. Um exemplo é a atribuição da tecnologia uluzziense aos humanos modernos, que se baseia em dois molares que anteriormente tinham sido considerados de origem neandertal. Com base nisso, eles constroem castelos no ar — como a ideia de uma chegada antiga dos humanos modernos à bacia do Mediterrâneo.”