Mea culpa, mea maxima culpa
Dia desses, um leitor extremamente cortês me deu um leve puxão de orelha — reitero, com muita gentileza e educação — numa conversa que tivemos na página do blog no Facebook. Ele havia lido a reportagem de capa que fiz para a Folhinha, suplemento infantil desta Folha, a respeito do trabalho do padre paleontólogo Giuseppe Leonardi, um italiano que hoje trabalha no Congo mas teve uma importante influência no desenvolvimento da comunidade paleontológica brasileira (os textos estão aqui, aqui e aqui, pra quem quiser dar uma olhada). O grande problema, segundo ele, está nos infográficos da reportagem, que dão a impressão de colocar teoria da evolução e criacionismo no mesmo patamar.
“Li o material da Folhinha sobre a criação da vida. E pareceu, à primeira vista, que o jornal incorre no lamentável equívoco de colocar crenças religiosas no mesmo patamar de teorias científicas comprovadas, como a seleção natural. É isso mesmo? A começar pelo título: ‘Adão e Eva ou Darwin? Veja três teorias sobre a origem da vida’, o material dá o mesmo status às três ‘teorias’ (criacionismo não é exatamente uma teoria). Acho que nossas crianças têm o direito de saber que o criacionismo é algo completamente ilógico, sob o ponto de vista do atual estágio de conhecimento da humanidade. Enfim, não vi isso nas matérias”, escreveu-me ele.
Ooops. Saí-me com a resposta, algo capenga, de que os textos dão a entender que a teoria da evolução é a única aceita consensualmente pela comunidade científica, mas o fato é que o leitor está certo: simplesmente não me ocorreu deixar claro para a criançada esse fato quando descrevi as teses do evolucionismo e do criacionismo propriamente ditas.
Mancada considerável da minha parte, portanto.
Escrever para crianças é, ao mesmo tempo, uma delícia e um suplício, e por isso considero que fazer reportagens para a Folhinha é um dos maiores desafios que tenho ao trabalhar para o jornal. O medo de complicar demais e não ser entendido nem é o principal problema — crianças costumam ser muito mais espertas do que gente grande se dá ao trabalho de imaginar. A questão é como lidar com o aspecto, digamos, didático do jornalismo científico.
Venho de uma tradição jornalística que tem como princípio achar que não é nosso papel fazer o mesmo serviço que o professor deveria fazer em sala de aula; ao mesmo tempo, pode muito bem acontecer de uma criança ter o primeiro contato com um tema importante do conhecimento científico lendo o que a gente escreve. Será que o certo, portanto, é ser mais “didaticamente incisivo” ou, por outro lado, não carregar demais nas tintas e dar a entender “moleque, você É OBRIGADO a aceitar a evolução como fato” e acabar correndo o risco de uma reação contrária, uma espécie de birra contra o tema?
O ideal, imagino, é tentar conduzir uma discussão sobre a lógica da teoria e dos fatos que a apoiam, de maneira que o pequeno leitor possa tentar tirar suas próprias conclusões. Acho que dá pra fazer — mas, infelizmente, não nos poucos milhares de caracteres que a gente tem de espaço no jornal.
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