O mistério dos hobbits continua

Reinaldo José Lopes

O mistério dos hobbits continua. Faz dez anos que estranhos fósseis de hominídeos nanicos (medindo cerca de 1 metro, ou seja, mais ou menos a mesma altura dos hobbits da ficção) foram descobertos na caverna de Liang Bua, na ilha de Flores (Indonésia), e ainda é difícil saber com certeza quem eram essas criaturinhas e como elas chegaram lá. Para marcar a data, o paleoantropólogo Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, fez um apanhado da controvérsia num artigo para a revista científica britânica “Nature”. Vejamos o que ele diz, em linhas gerais. 

Bilbo Baggins, ou Martin Freeman, o hobbit que você certamente conhece. (Crédito: Divulgação)
Bilbo Baggins, ou Martin Freeman, o hobbit que você certamente conhece. (Crédito: Divulgação)



FATOS INDISCUTÍVEIS

Vamos começar com o que não dá pra discutir. Além do tamanhinho, os hobbits indonésios também possuem uma caixa craniana muito pequena — estima-se que seu cérebro não fosse maior que o de um chimpanzé atual.

Em associação com os restos mortais (por enquanto, resquícios de nove indivíduos foram encontrados), havia instrumentos de pedra com menos de 20 mil anos de idade e ossos de animais que os pequeninos poderiam ter caçado e assado — parentes extintos dos elefantes, também nanicos, do gênero Stegodon, e roedores de grande porte. 

As características do esqueleto dos mini-hominídeos tinham algo de mosaico – algumas semelhanças com a nossa espécie, arcadas supraciliares grossas (basicamente ossos proeminentes na altura das sobrancelhas) que lembram o Homo erectus, e finalmente detalhes dos quadris e dos ombros que se assemelham aos de ancestrais ainda mais primitivos do homem, como os australopitecos.

É HOMO OU NÃO É?

Aqui vem o dado que, pra mim, foi a maior surpresa do artigo de Chris Stringer: o nome científico original dos primos do Bilbo da vida real. Hoje, os hobbits de Flores atendem pela designação acadêmica de Homo floresiensis, sendo classificados, portanto, no nosso gênero, o Homo. Mas os descobridores dos fósseis, Peter Brown e Mike Morwood, ambos australianos, originalmente tinham decidido batizar a criatura de Sundanthropus floresianus — um gênero totalmente diferente, pois.

Reconstrução artística do "Homo floresiensis", apelidado de "hobbit". (Crédito: Divulgação)
Reconstrução artística do “Homo floresiensis”, apelidado de “hobbit”. (Crédito: Divulgação)



Mas propor um gênero novo de hominídeo não é um negócio trivial, e houve uma pressão dos “referees” — ou seja dos cientistas que revisaram o artigo descrevendo a descoberta dos hobbits antes da publicação — para que Brown, Morwood e companhia bela fossem menos ousados em sua avaliação do fóssil.

O resultado dessas idas e vindas entre autores da pesquisa e “referees” foi o nome Homo floresiensis — e a proposta de que nosso misterioso hominídeo nanico seria uma versão do Homo erectus que tomou pílula de polegaridis (como diria o Chapolin Colorado).

Sendo mais preciso e menos engraçadinho: os cientistas especularam que os hobbits seriam fruto do chamado nanismo insular, um fenômeno que afeta animais que evoluem de modo isolado em ilhas. 

Em situações do gênero, animais de grande porte que ficam confinados no território relativamente pequeno e pobre em recursos ambientais de uma ilha passam a sofrer uma pressão seletiva que favorece os tamanhos menores. Ou seja, indivíduos de menor porte, que precisam de menos recursos para sobreviver e se reproduzir, acabam deixando mais descendentes que os grandalhões. No fim das contas, a população acaba dominada pelos baixotes.

Parece maluquice, mas há muitos exemplos disso. Na Era do Gelo, as ilhas do Mediterrâneo, como Chipre e Malta, estavam repletas de elefantes diminutos. O problema é que algumas coisas não se encaixam muito bem nesse cenário:

1)Mesmo levando em conta o nanismo insular, o tamanho do cérebro dos hobbits parece ter encolhido demais em relação ao que seria o cérebro já relativamente grande do Homo erectus (o qual, aliás, tinha estatura similar à de humanos atuais);

2)E tem ainda a questão do tal mosaico morfológico: muitas das características dos esqueletos dos hobbits parecem ser primitivas demais para casarem com a hipótese da descendência a partir do H. erectus (e outros traços parecem “modernos” demais).

Criador e criatura: Mike Morwood com o crânio de seu "hobbit"
Criador e criatura: Mike Morwood com o crânio de seu “hobbit”



PATOLOGIAS?

Isso levou uma minoria de especialistas a propor que não se trata de uma nova espécie coisa nenhuma, mas sim de seres humanos modernos com patologias severas, como a microcefalia (desenvolvimento anormal do crânio e do cérebro).

Após anos de debates, essa ideia parece nao ter colado — a maioria dos paleoantropólogos continua achando que os hobbits são mesmo uma espécie diferente. Os descobridores da criatura chegaram a propor que, na verdade, eles descendem de australopitecos, que eram menores em tudo, inclusive no cérebro, o que poderia fazer mais sentido — não fosse o fato de que até hoje ninguém achou australopitecos fora da África. Muita gente acredita que só com o Homo erectus nossa espécie conseguiu se aventurar para fora de seu continente natal. E, claro, ainda tem o detalhe de como nossos amigos diminutos teriam cruzado o mar para chegar até Flores (poderiam, em tese, ter sido lançados ao oceano por uma tempestade e sobrevivido à travessia). 

Stringer fez uma pequena “lista de desejos” para tentar resolver o impasse: mais fósseis de Flores; análises do crescimento dos dentes dos hobbits, o que daria pistas sobre seu parentesco; e, como sonhar não custa nada, dados de DNA (isso é o mais difícil, porque o calor indonésio provavelmente degradou o material genético).

E ele disse ainda que novas publicações sobre a espécie estão a caminho. É esperar pra ver.

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