Machismo evolucionista?
Este singelo post é uma tentativa brevíssima de reiterar um dos mantras do presente blog: o mundo é complicado. Abaixo, um estudo de caso desse fato.
A psicologia evolucionista é uma área de pesquisa importante, interessantíssima, divertida e controversa. Ela parte do pressuposto de que as faculdades psicológicas da nossa espécie, tal e qual nossas características físicas, foram mudadas pela evolução. Vale dizer: derivam, em grande parte, do que a seleção natural “testou e aprovou” ao longo de milhões de anos. Ou seja, os elementos da psicologia humana que são comuns até hoje são aqueles que, no nosso passado evolutivo, ajudaram os ancestrais das pessoas de hoje a sobreviver e, principalmente, a se reproduzir com sucesso.
Os psicólogos evolucionistas também defendem que os ambientes modernos em que vivemos têm pouco a ver com nossa situação ancestral — que foi, durante 99% da história da nossa linhagem, a vida em pequenos grupos de caçadores-coletores. Teria havido relativamente pouco tempo para respondermos às pressões evolutivas da vida moderna. Nossos instintos e propensões mentais, portanto, ainda seriam basicamente os de caçadores-coletores.
Pois bem: isso poderia ser aplicado inclusive às aparentes diferenças sistemáticas entre homens e mulheres quando o assunto é amor e sexo. O senso comum — aparentemente corroborado por vários experimentos — diz que mulheres tendem a ser bem mais seletivas na escolha de parceiros do que homens. Faz um caminhão de sentido, dizem os psicólogos evolucionistas. Afinal, assim como acontece com os demais mamíferos, o sexo é muito mais “caro” para as fêmeas da nossa espécie do que para os machos. Para os homens, uma rápida escapada num quarto escuro é o suficiente para transmitir seus genes — e eles podem sumir da vida da parceira na sequência sem maiores dores de cabeça (bem, ao menos era assim na era pré-análise de DNA…). Já uma mulher que acaba engravidando precisa dedicar meses dos recursos de seu organismo à gestação e anos e mais anos de vida ao bebê que nascer. Não é brincadeira.
Nada mais lógico, portanto, que a mulher faça um esforço maior para escolher “o cara certo”.
PAQUERA-RELÂMPAGO
Um dos jeitos de medir isso, conta o psicólogo americano John Gabrieli em seu curso de introdução à psicologia do MIT (aliás, recomendadíssimo e disponível de graça no formato de vídeos aqui), é por meio de dados de sites de paquera e também pelo famigerado sistema de “speed dating”, ou paquera-relâmpago, muito comum nos EUA: homens e mulheres se sentam em mesas, conversam por alguns minutos com um potencial parceiro e depois trocam de cadeira. No fim das contas, preenchem cartões dizendo por quem se interessaram: se houver compatibilidade (o mesmo casal dizendo “sim, fiquei interessado nele/nela”), aí sim rola um encontro a sós, mais tradicional.
Bem, os dados dessas duas fontes pareciam corroborar a visão do senso comum: os homens têm probabilidade ao menos 50% maior de mandar mensagens nos sites de paquera, ou de dizer que querem um novo encontro no formato “speed dating”, do que as mulheres.
Até aí, beleza. Mas tem um detalhe, conta Gabrieli. No caso do “speed dating”, em geral, o formato é o seguinte: as mulheres ficam sentadas em mesas e são os homens que se dirigem até elas e vão trocando de cadeira e de mesa. O que acontece se a gente inverte esse formato tradicional, deixando os homens nas mesas e as mulheres indo até eles?
As diferenças sistemáticas desaparecem. Ambos os sexos ficam igualmente propensos a querer engatar algo a mais com as pessoas que conheceram. “Pode ser que o mero ato de ter de ficar de pé e ir até a pessoa mude a disposição de quem está participando do speed dating”, diz o psicólogo do MIT.
Isso significa que a psicologia evolucionista não passa de bobajada criada para justificar “padrões tradicionais de gênero”? É claro que não — até porque ainda falta estudar muita coisa na hora. Mas provavelmente significa, isso sim, que — surpresa! — nós somos criaturas complicadas e “plásticas”, ou seja, cujo comportamento pode ser alterado graças a múltiplos tipos de influências do ambiente à nossa volta. Seleção natural é um troço poderoso — mas não é Destino com D maiúsculo.
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