Assim caminhou a humanidade
Esse é o título de um ótimo livro sobre evolução humana, dos primeiros primatas às origens da agricultura, que será lançado no mês que vem, e que tenho a honra de indicar para vocês desde já. Os organizadores são três feras do tema: Walter Neves, Miguel Rangel e Rui Murrieta, todos da USP. É raríssimo que pesquisadores brasileiros resolvam escrever para o grande público sobre evolução humana. Taí o convite do lançamento:
Como aperitivo, eis abaixo a apresentação do livro — escrita por este escriba que vos fala, a pedido do Walter, cujo trabalho com as origens dos primeiros habitantes das Américas acompanho há mais de uma década. Divirtam-se!
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O psicólogo Steven Pinker, da Universidade Harvard, escreveu certa vez que todas as tentativas de entender a natureza humana empreendidas antes de 24 de novembro de 1859 (data em que o naturalista Charles Darwin publicou seu clássico “A Origem das Espécies”) estavam fadadas ao fracasso desde o começo. Há algum exagero nessa afirmação, sem dúvida, mas também não há como negar que a teoria da evolução, cuja pedra fundamental foi lançada pela obra de Darwin, deu-nos os “óculos” conceituais mais apropriados para enxergar nossa própria humanidade.
Somos, antes de mais nada, primatas – o “terceiro chimpanzé”, como diz o biogeógrafo americano Jared Diamond, em referência aos outros dois chimpanzés do planeta, o bonobo (Pan paniscus) e o chimpanzé-comum (Pan troglodytes). O livro que você tem em mãos é provavelmente o relato mais completo em língua portuguesa sobre o que sabemos a respeito de nossos parentes primatas, sobre a história deles e sobre a nossa própria história como espécie, que se confunde com a de lêmures, micos-leões, babuínos e gorilas ao longo de dezenas de milhões de anos – afinal, foi só nos últimos 6 milhões de anos que um ramo inicialmente insignificante desse grupo adotou a postura bípede, deflagrando a saga que, há meros 200 mil anos, produziria o Homo sapiens. (Não que a jornada do livro termine aí: a obra avança também rumo à chamada Revolução Neolítica, quando deixamos a vida de caçadores-coletores, abraçamos a produção de alimentos e viramos, para o bem e para o mal, artífices de civilizações.)
Não foi nada fácil chegar a uma compreensão clara dos rudimentos dessa epopeia. Como os capítulos deste livro mostram, é preciso reunir peças de inúmeros quebra-cabeças diferentes, ainda que relacionados – do movimento das placas tectônicas que compõem os continentes às letras do alfabeto bioquímico do DNA, de detalhes minúsculos da anatomia dos fósseis ao tique-taque do decaimento radioativo dos átomos – para ter uma ideia decente de quando e como certos macacos africanos teriam invadido a América do Sul (então uma gigantesca ilha no Atlântico), ou para demonstrar que, embora extintos, os seres humanos arcaicos conhecidos como neandertais ainda vivem, em parte, no genoma de pessoas de hoje oriundas de quase todos os continentes (com exceção da África), por obra e graça de relações sexuais entre nossos ancestrais e eles.
“Assim Caminhou a Humanidade” explica de modo sucinto e claro não apenas o que achamos que sabemos sobre a gênese dos primatas e do homem moderno, mas principalmente como sabemos, dando a devida atenção aos métodos e à formulação cuidadosa de hipóteses que caracterizam toda forma de boa ciência. A linguagem dos capítulos, embora em nenhum momento abandone a precisão acadêmica, é compreensível para qualquer pessoa decentemente alfabetizada. Em vez de apenas despejar dados, no entanto, o texto também toma o cuidado de apontar com honestidade o muito que ainda não sabemos, já que reconstruir o passado remoto não tem nada de trivial. Ainda não fazemos ideia, por exemplo, das pressões evolutivas que levaram nossos ancestrais a abandonar a vida de quatro patas, e os motivos por trás do sumiço dos neandertais ainda nos escapam. São as perguntas, no fundo, que movem a ciência.
Se o gentil leitor me permite alguma insolência bem-humorada, gostaria de terminar esta apresentação com um puxão de orelha bem dado em Walter Neves, Rui Murrieta e Miguel Rangel Junior. Afinal, eles deviam ter escrito este livro uns 15 anos atrás. A existência do danado teria me poupado intermináveis horas de trabalho quando comecei a cobrir estudos sobre evolução humana para a “Folha de S.Paulo” e mal sabia diferenciar um australopiteco de um Homo heidelbergensis. Seja como for, os repórteres de ciência do futuro agradecem aos autores – e o mesmo, tenho certeza, farão todos os leitores sedentos de entender suas próprias origens. Boa leitura!
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