O papa do clima

Reinaldo José Lopes

Leio no “Crux”, site do jornalão americano “Boston Globe” dedicado à cobertura da Igreja Católica nos EUA e no mundo, que membros da direita secular estadunidense, e também alguns grupos mais conservadores dentro do catolicismo, andam se descabelando por antecipação a respeito da futura encíclica ambiental do papa Francisco, que deve sair neste mês de junho. (Eis aqui um bom e sucinto texto do vaticanista John L. Allen Jr. sobre o tema.). As críticas desse pessoal são duas, basicamente:

1)O papa teria comprado a “falsa ciência” do aquecimento global e agora quer enfiá-la goela abaixo dos pobres católicos (essa é a crítica, digamos, secularizada);

2)A “agenda ambientalista” seria essencialmente uma agenda contrária à fé católica por identificar os problemas ambientais com o crescimento populacional e, portanto, por advogar o uso de anticoncepcionais, o aborto e outras supostas técnicas que “querem acabar com a pobreza impedindo que os pobres nasçam”.

O clima não tá fácil, hein, Chicão? (Giampiero Sposito/Reuters)
O clima não tá fácil, hein, Chicão? (Giampiero Sposito/Reuters)

(Parêntese: embora ainda não esteja claro que o principal tema da encíclica será a mudança climática, trata-se de uma suposição razoável porque Francisco já declarou em outras ocasiões que deseja que seu documento influencie positivamente as discussões diplomáticas sobre o tema que ocorrerão em Paris no fim do ano, sob os auspícios da ONU. O sumo pontífice portenho já declarou em outras ocasiões que para ele estava claro que a maior parte da mudança climática era causada pela ação humana e que achava as estratégias para combatê-la pouco ambiciosas. De quebra, há poucos dias o Vaticano foi palco de uma conferência internacional que defendeu justamente a necessidade de atuar contra o aquecimento global.)

Sem meias-palavras: de todas as coisas boas que Francisco tem feito nestes poucos anos de pontificado, tornar-se um paladino da ação contra a mudança climática é uma das melhores. A crítica à suposta falta de confiabilidade científica dos estudos sobre aquecimento global não se sustenta de jeito nenhum — e, em geral, é feita por grupos que têm todo o interesse do mundo em manter o status quo (tipo gente do lobby do carvão e do petróleo nos EUA). Existem alguns cientistas que duvidam sinceramente da validade do fenômeno? Existem, mas o peso das evidências não parece estar do lado deles por enquanto.

E quanto aos supostos impactos da “agenda ambientalista” contra a doutrina católica?

Tá, é verdade que muitos grupos ambientalistas são defensores do acesso amplo a métodos anticoncepcionais artificiais. No entanto, mesmo que a Igreja se oponha a esses métodos (e obviamente ao aborto), isso não deveria ser impedimento diante da necessidade de reconhecer que as questões ambientais são problemas sérios e reais, que representam uma ameaça séria à sobrevivência humana, em especial a das populações mais pobres. Além disso, a doutrina católica atual pode até se opor aos métodos artificiais de contracepção, mas dá liberdade aos pais que considerem ter uma razão moral séria para restringir o número de filhos para decidir qual será o tamanho da família, desde que usem métodos naturais.

A divergência, portanto, é muito mais de método do que de objetivos. E, obviamente, qualquer movimento ambientalista decente e com a cabeça no lugar sabe que o desperdício e o consumismo desenfreado do Primeiro Mundo é um problema ambiental tão grande quanto, e provavelmente até maior que, as massas famintas do Terceiro Mundo — e fazer as pessoas encararem as consequências éticas do abismo entre ricos e pobres tem sido um dos pontos centrais da mensagem de Francisco.

É claro que é difícil saber se a encíclica ambiental terá algum efeito prático. Mas afirmar com clareza que nem todas as opiniões sobre esse tema são igualmente válidas, no clima atual (com o perdão do trocadilho), não deixa de ser corajoso.

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