Dawkins vem aí

Reinaldo José Lopes
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O zoólogo e etólogo Richard Dawkins (Crédito: Creative Commons)

Richard Dawkins vem aí. O mais importante divulgador da teoria da evolução nas últimas décadas fará duas apresentações no Brasil neste mês de maio, uma no dia 25, em Porto Alegre, e outra no dia 27, em São Paulo, no âmbito do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento. O tema desta edição do evento é “Como Viver Juntos”. Não é irônico que o autor de “O Gene Egoísta” seja convidado para abordar essa tema? Na verdade, não, como expliquei em artigo que saiu apenas na edição impressa da Folha. Como foi preciso cortar bastante o texto, aproveito pra compartilhar com vocês a versão original e na íntegra do bichinho. Espero que gostem!

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Os mais afoitos talvez achem um despropósito que o cientista que se celebrizou ao publicar um livro chamado “O Gene Egoísta” seja um dos grandes nomes de um evento sobre tolerância e cooperação. É difícil reduzir o pensamento de Richard Dawkins a estereótipos, no entanto – ao menos na maior parte do tempo.

De fato, longe de ser uma defesa da competição desalmada que às vezes parece predominar na natureza, “O Gene Egoísta”, que completa 40 anos de sua publicação original em 2016, pode ser lido justamente como um antídoto a essa tendência – tanto que, como afirma o zoólogo britânico na introdução atual do livro, um título igualmente apropriado poderia ter sido “O Gene Cooperativo”.

A metáfora central da obra-prima de Dawkins, na verdade, tem menos a ver com egoísmo ou cooperação e mais com permanência. O autor parte do princípio de que os genes, enxergados como unidades mínimas de DNA que contêm a “receita” para determinada característica do organismo, viajam de forma relativamente independente de uma geração para outra quando a espécie que os carrega se reproduz pelo sexo, como nós.

Isso significa que, em média, nossos filhos têm 50% de nossos genes, enquanto a proporção cai para 25% em nossos netos – e assim por diante. Por causa do sexo, genes que estão no mesmo corpo na primeira ou na segunda geração podem muito bem acabar parando em corpos diferentes nas gerações seguintes.

CONFLITO DE INTERESSES

Portanto, cada gene pode ter “interesses” diferentes (metaforicamente, claro, já que eles não têm cérebro), conduzindo o organismo (de novo, de forma totalmente não consciente) a buscar o sucesso na reprodução para que mais cópias dele circulem pelo mundo – daí o “egoísta” do título.

Ocorre que, como Dawkins explica, isso pode acontecer por meio das mais variadas estratégias. Algumas se encaixam na nossa definição antropocêntrica de egoísmo – homens que traem suas parceiras e geram filhos fora do casamento, por exemplo –, enquanto outras são, a rigor, altruístas. A colaboração dentro de grupos sociais, por exemplo, também pode ser ótima para os genes de todo mundo que está participando, desde que existam regras para premiar os bons meninos e punir os trapaceiros.

Dawkins tem prestado imensos serviços ao elucidar para o grande público essas e outras facetas da teoria da evolução. Mas é discutível se sua outra persona pública, a de cruzado antirreligião, tenha efeito tão positivo.

Com a publicação de “Deus, Um Delírio”, em 2006, o cientista se tornou uma das vozes mais poderosas do chamado novo ateísmo, um movimento que defende que boa parte dos problemas do mundo desapareceriam se a religião deixasse de existir.

Ao adotar esse ponto de vista, Dawkins acaba esnobando a crescente literatura científica, produzida inclusive por biólogos e psicólogos não religiosos, de que as crenças religiosas podem funcionar como um poderoso estímulo da cooperação e da coesão social.

É exagero pintar o zoólogo como fundamentalista científico – a começar pelo fato de que suas armas são a razão e a argumentação. Mas a maneira como ele reage à religião é, por vezes, tão estereotipada e contraproducente quanto as reações dos críticos que leram apenas o título de seu clássico.

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