Sobre aves e peixeiros

Reinaldo José Lopes

Uma das descobertas mais legais e inusitadas da paleontologia brasileira nas últimas décadas veio a público nesta quarta: uma avezinha de 115 milhões de anos que viveu no Ceará, com anatomia quase completamente preservada em forma de fóssil, conforme conto em reportagem para esta Folha. Seria sensacional se eu pudesse falar apenas das características do bichinho, que tinha o tamanho de um beija-flor e dentes no bico, mas o lado triste do achado é que, no fundo, trata-se de uma exceção à regra.

Reconstrução artística da espécie extinta de ave do Ceará, ainda sem nome científico (Crédito: Deverson Pepi/Divulgação)
Reconstrução artística da espécie extinta de ave do Ceará, ainda sem nome científico (Crédito: Deverson Pepi/Divulgação)

E isso explica o termo meio enigmático que usei no título do post: “peixeiro” nada mais é do que a gíria usada na região da chapada do Araripe (o grande celeiro de fósseis do Nordeste, onde foi achada a avezinha) para designar o pessoal que vende ilegalmente a riqueza paleontológica da região para traficantes de fósseis. Os peixes extintos são muito abundantes nas jazidas do Araripe, porque o lugar era uma laguna litorânea no período Cretáceo (o último da Era dos Dinossauros), daí o termo.

Como eu disse, o novo fóssil é uma exceção honrosa, porque a equipe de paleontólogos da UFRJ, liderada por Ismar Carvalho, tem ido com frequência ao Araripe realizar trabalhos de campo e usa a região como plataforma para aulas práticas de geologia e paleontologia. Com isso, os pesquisadores estavam presentes quando o espécime veio à tona e conseguiram documentar o contexto geológico em que foi encontrado.

Infelizmente, esse não é o caso de boa parte dos fósseis do Araripe, que só acabam chegando às mãos de cientistas após passarem ilegalmente por atravessadores. Há relatos sobre espécimes importantes “fatiados” para venda, entre outras barbaridades. Um levantamento feito em 2010 (sobre o qual também escrevi, neste link) indicava que nada menos que metade dos fósseis da região usados para descrever espécies de vertebrados extintos foram parar em museus do exterior dessa maneira. Ou seja, cientistas do Brasil precisam ir até essas instituições estrangeiras para poder estudar o passado da biodiversidade de seu próprio país.

O problema é tristemente conhecido e velho de guerra, mas não custa repisá-lo porque os pobres “peixeiros” estão longe de enriquecer com o tráfico — em geral, os fósseis são vendidos para atravessadores por mixaria, e os intermediários, e até sites de leilão de fósseis, é que ganham mesmo com a prática. Passou da hora de tentar criar uma alternativa sólida para a região. A ciência brasileira tem feito a parte dela — nunca se estudou tanto a biodiversidade do passado brasileiro quanto hoje. Que tal pensar grande, para variar, e implantar um Parque dos Dinossauros no sertão?

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