Asa de morcego, fuça de dino
Não, não é feitiço, é fóssil mesmo, minha gente — mais especificamente o Yi qi, um dinossauro recém-descoberto na China e o primeiro que parece ter asas membranosas, como as dos morcegos. (Não é pterossauro, que é um tipo de bicho totalmente diferente). Escrevi sobre a criatura para a Folha impressa não faz muito tempo, mas não pude aproveitar quase nada dos interessantes comentários sobre a espécie feitos pela paleontóloga Taissa Rodrigues, da Universidade Federal do Espírito Santo. Aproveito, portanto, o espaço ilimitado do blog pra publicar as coisas legais que ela me disse. É com você, Taissa!
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Oi Reinaldo,
Bom, antes de mais nada, sem dúvidas o Yi qi é uma das descobertas mais fantásticas dos últimos anos. E apenas um dia após o anúncio do Chilesaurus! Eu conheço alguns dos autores do artigo e sei que são pessoas muito competentes, e é excelente ler sabendo que a base do trabalho, que é a identificação dos ossos, está robusta.
Tratando-se de dinossauros inesperados, a China tem tido um destaque enorme nos últimos anos. As formações Yixian e Jiufotang, de onde vêm os animais da chamada Biota de Jehol, já são conhecidos há mais tempo, e sua importância tem sido bem reconhecida. Agora, ao que parece, é a vez dos depósitos da Formação Tiaojishan. Os animais desta unidade são interessantes, dentre outras características, por serem mais antigos do que a Biota de Jehol: eles são do Jurássico (os de Jehol são do Cretáceo), e são um pouco mais antigos, por exemplo, do que o famoso Archaeopteryx, da Alemanha.
Outros répteis fósseis da Formação Tiaojishan incluem os pterossauros Wukongopteridae, que possuem características intermediárias entre os animais de cauda longa e os de cauda curta. E, com o Yi qi, vemos que eles não estavam sozinhos em ser tão diferentes de seus contemporâneos.
O Yi qi é um dinossauro terópode bem próximo das aves. Ele é conhecido por apenas um indivíduo, cujo esqueleto não está preservado em sua totalidade mas que traz ossos muito bons para analisarmos seu relacionamento com outros dinossauros: crânio, mandíbula, algumas vértebras, boa parte das asas, e uma parte de uma das pernas. Dentre os ossos, o que mais chama a atenção, e que é único dentre todos os dinossauros, é a presença de um osso alongado, que aparentemente se unia ao carpo (os ossos do pulso). Esse osso é uma novidade na linhagem dos dinossauros, e é bem mais desenvolvido, por exemplo, do que o pteroide, o osso alongado do pulso dos pterossauros, que se articulava com um osso chamado carpal proximal. Outros vertebrados que possuem ossos alongados e sem articulações são todos voadores ou planadores, o que sugere que o Yi qi tivesse habilidades aéreas.
Outras características muito interessantes do Yi qi são os tecidos moles que se encontram preservados: tanto penas, bem visíveis na cabeça, pescoço, e braços, como o que parece ser uma membrana, próxima ao osso alongado, na mão do animal. Isso nos lembra a superfície da asa tanto de pterossauros como de morcegos, e é uma característica inédita em dinossauros.
Existem, claro, ainda muitas dúvidas sobre o Yi qi. O paleontólogo Kevin Padian destacou, e eu concordo com ele, que seria interessante haver um estudo histológico do novo osso. Os autores detectaram a presença de cálcio nele, sugerindo tratar-se realmente de um osso, mas informações da sua estrutura microscópica serão muito bem-vindas. Ele também destacou que seria importante verificar o centro de gravidade do animal, para verificar a possibilidade de voo. Para tanto, seria necessário que mais espécimes fossem encontrados. Pessoalmente, acredito que o achado de um fóssil com o pulso mais bem preservado, demonstrando sem dúvidas a posição do novo osso (o qual ainda não tem um nome), traria informações sobre a evolução do voo tanto em aves como em pterossauros. De todo modo, impressiona saber como a evolução dos répteis se mostrou muito mais diversificada do que o imaginado antes.
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