O homem que desafiou Calígula
Aconteceu no ano 40 d.C., quando Caio Júlio César Augusto Germânico, mais conhecido como Calígula, era o imperador de Roma. Nessa época, estava se tornando cada vez mais comum o culto religioso aos Césares, vistos como divindades ainda em vida, e Calígula parece ter sido um ávido promulgador dessa ideia. Muitos súditos adotaram a prática, entre eles os moradores pagãos de Jâmnia, ou Javné, uma cidade da Judeia, que erigiram um altar em honra ao imperador. Revoltados com o culto a Calígula em seu território ancestral, os judeus de Jâmnia destruíram o altar.
Calígula reagiu da maneira que déspotas megalomaníacos normalmente reagem: dobrou a aposta. Ordenou que o legado (governador) da Síria, Públio Petrônio, transformasse o Templo de Jerusalém, dedicado exclusivamente à adoração do Deus único dos judeus, no Templo de Calígula, colocando no lugar uma estátua do próprio imperador vestido como Júpiter, o deus supremo dos romanos.
Petrônio, porém, sabia que esse tipo de profanação da Cidade Santa jamais seria levado a cabo sem imenso derramamento de sangue (Calígula também sabia disso, claro, tanto que mandou que o governador cumprisse sua missão com a ajuda de duas legiões, ou seja, cerca de 12 mil soldados romanos). O legado de Calígula determinou que a estátua do imperador-Júpiter fosse construída na Fenícia — mas lentamente, de forma que ele tivesse tempo de negociar com os judeus.
Nas negociações, porém, a população judaica montou um dos primeiros casos de protesto não violento da história, dizendo estar disposta a morrer para evitar que o Templo fosse profanado. Recusando-se a simplesmente massacrar milhares de civis, Petrônio continuou a enrolar. Escreveu para Calígula pedindo que o imperador mudasse de ideia.
Calígula, enfurecido, teria mandado uma ordem de suicídio para Petrônio — mas a ordem chegou a seu destino depois do assassinato do tirano, em 41 d.C., salvando o pescoço do nobre romano.
Num mundo em que o sangue ainda corre por motivos religiosos, no qual tiranos ainda estão à solta, é um alento saber que até um soldado de Roma, às vezes, podia escolher fazer a coisa certa.
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