Cobras e lagartos
Este post é minha tentativa de corrigir uma injustiça, ou pelo menos uma omissão das grandes. Escrevi recentemente sobre um bicho fóssil fascinante, o Gueragama sulamericana, um lagarto paranaense que é membro de um grupo de répteis que hoje só existe no Velho Mundo. Acabei, porém, não conseguindo entrevistar para essa reportagem o autor principal da pesquisa, o brasileiro Tiago Simões, que hoje faz seu doutorado na Universidade de Alberta (Canadá).
Para me redimir, pedi que Simões contasse um pouco de sua trajetória e interesses de pesquisa para os leitores do blog. Eis aí o que ele gentilmente compartilhou comigo e convosco, insignes leitores. Diga lá, Tiago!
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Quem sou:
Fiz minha graduação em Biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestrado em Biologia/Zoologia pelo Museu Nacional/UFRJ, sob orientação do Prof. Alexander Kellner. Trabalhei com répteis marinhos e lagartos fósseis durante esse tempo no Brasil e, por isso, decidi fazer o doutorado no exterior com o Dr. Michael Caldwell na Universidade de Alberta, no Canadá. O Dr. Caldwell é um dos maiores especialistas no mundo em répteis marinhos, lagartos e serpentes fósseis, o que tem me permitido adquirir uma vasta gama de conhecimento nestes temas durante o meu período aqui no Canadá.
Doutorado e pesquisa:
Minha linha de pesquisa consiste, entre outros temas, na continuidade da descrição de novas espécies de lagartos, como foi o caso do Gueragama sulamericana, e de um outro lagarto fóssil brasileiro, o Calanguban alamoi, publicado em 2014. O tema central da minha tese, no entanto, é um pouco mais amplo. Trabalho no estudo da origem evolutiva do grupo que inclui os lagartos e cobras, denominado de escamados (ou Squamata, na terminologia científica). Os escamados existem no planeta há, pelo menos, 170 milhões de anos (provavelmente sendo ainda mais antigos) e são representados por mais de 9.000 espécies viventes atualmente. Possuem uma história evolutiva extremamente bem sucedida no planeta, tendo desenvolvido formas corpóreas de diversos tipos, desde as serpentes (que não possuem patas), até as formas capazes de planar, como o lagarto Draco, e também as aquáticas, como os extintos mosassauros, que foram caracterizados recentemente no filme Jurassic World (sim, eles são lagartos, e não dinossauros!). Aliás, esta última diferença é importante de se salientar. Os lagartos, assim como todos os escamados, estão do outro lado da árvore evolutiva dos répteis em relação aos dinossauros, portanto sendo “primos” distantes destes últimos. Faço meus estudos através da análise anatômica, funcional e de relações de parentesco entre escamados viventes, bem como utilizando fósseis de escamados recém descobertos, além de revisar outros fósseis já conhecidos e espalhados por museus ao redor de todo o mundo.
Experiência no exterior:
Apesar de toda a dificuldade de adaptação cultural e climática (afinal, onde estou chega a fazer -40ºC no inverno!), a experiência de realizar o doutorado no exterior é bem valiosa sob vários aspectos. Fundamentalmente, passa-se a conhecer outras escolas de pensamento, técnicas novas de pesquisa, além do contato com profissionais de várias partes do mundo. O ambiente de pesquisa é também enriquecido pela presença de outros estudantes de diversos países, com os quais é possível ter um imenso enriquecimento cultural. Do ponto de vista pessoal, o volume de verba para a pesquisa científica me permite realizar estudos que, infelizmente, seriam inviáveis estando no Brasil. A minha própria bolsa de doutorado é financiada pelo governo canadense (sou um dos poucos brasileiros fazendo doutorado no Canadá com bolsa integral do governo canadense).
Pesquisas futuras:
Futuramente pretendo continuar minha pesquisa com esse grupo de organismos extraordinários que são as cobras e lagartos, focando especialmente em padrões macroevolutivos. Há uma série de perguntas nunca feitas antes sobre a evolução deste, assim como de outros grupos de répteis, que merecem maior atenção.
Planos futuros:
A pergunta que mais escuto de meus pares e colegas tanto no exterior quanto no Brasil é: você pretende voltar ao Brasil? Minha resposta é: gostaria. Isso geralmente é seguido de: “’é mesmo? Tem certeza?”. Apesar de não ter a obrigatoriedade de voltar ao país por não ser financiado pelo CNPQ ou CAPES, acredito que levar conhecimento e técnicas novas de fora é sempre importante para avanças a pesquisa no Brasil. Exatamente por isso, a recente escolha pelo corte de verbas de forma tão acentuada nos fundos destinados à ciência e tecnologia no Brasil me deixam apreensivo. Linhas de pesquisa inteiras, de duração de vários anos, estão sob o risco de irem por água abaixo juntamente com os benefícios que poderiam trazer ao país. Espero que o Brasil tenha a capacidade de se recuperar disso, ou vários estudantes brasileiros de pós-graduação no exterior (eu inclusive) podem acabar não tendo outra opção senão buscar outros locais onde possamos conduzir as nossas pesquisas.
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