Um elefante incomoda?
Com a crise político-econômica constrangedora dos últimos meses dilacerando o país, sou capaz de apostar que muita gente regozijar-se-ia caso uma manada de elefantes de repente invadisse Brasília, adentrasse os principais estabelecimentos do Executivo e do Legislativo federais e pisoteasse tudo pelo caminho. Acontece que, para alguns biólogos e ecólogos, há boas razões evolutivas para propor algo vagamente parecido com esse cenário doido. Trazer elefantes para o cerrado do Planalto Central não seria mais do que corrigir uma injustiça histórica.
É o que leio em reportagem do veterano jornalista de ciência Peter Moon, recentemente publicada no site da Agência Fapesp. O texto assinado por Moon detalha algumas das conclusões de um artigo na revista científica americana “PNAS”, assinado por uma equipe internacional de pesquisadores que inclui o brasileiro Mauro Galetti, da Unesp de Rio Claro (outro município da Grande São Carlos, como costumo dizer). Anote aí o termo-chave da ideia: “rewilding” – algo como “resselvagenização”, se for o caso de a gente criar uma tradução tosca, porém precisa, em português. Um termo alternativo: refaunação trófica.
O conceito é simples, na verdade. Ocorre que, desde o fim da última Era do Gelo, há pouco mais de 10 mil anos, o planeta perdeu boa parte de suas espécies de mamíferos de grande porte – em muitos casos, com uma contribuição significativa da ação humana. Os últimos mamutes sumiram da Sibéria quando os faraós estavam construindo as grandes pirâmides; a Europa já foi cheia de bois e cavalos selvagens, caçados até o extermínio; na época bíblica havia leões em Israel e elefantes na Síria (!!!); e por aí vai.
A situação do Brasil não é tão diferente assim. Basta dizer que, antes da chegada do ser humano ao nosso país, há talvez uns 15 mil anos, havia mastodontes (primos distantes extintos dos elefantes) em quase todas as áreas abertas do futuro território brasileiro, do Nordeste aos pampas. Havia ainda lhamas (!), cavalos selvagens, ursos (!!!), preguiças e tatus gigantes, dentes-de-sabre – a lista é enorme. Foram todos para o saco, talvez por uma combinação de efeitos da mudança climática que pôs um ponto final na Era do Gelo e da presença de primatas caçadores espertos e bem armados.
Essa bicharada toda se foi, mas seu impacto evolutivo ainda pode ser sentido. Galetti e seus colegas da Unesp têm estudado diversas plantas de quase todos os ambientes brasileiros cujos frutos são tão grandes, possuem casca tão dura e sementes tão avantajadas que, para eles, provavelmente evoluíram para ser dispersadas – ou seja, “plantadas” Brasil afora – por bichos muito maiores do que os atuais. Um mastodonte ou preguiça-gigante não teria grandes dificuldades em comer esses frutos e, bem, lançá-los ao léu na hora de fazer o número 2 no banheiro, já com uma cobertura de fertilizante.
ODEBRECHT AMBIENTAL
Bichos grandalhões também são considerados engenheiros de ecossistemas, abrindo espaço na mata com seu corpanzil, reciclando nutrientes e fazendo uma série de outros serviços. Tudo indica que ambientes nos quais eles não estão presentes tendem a ficar mais pobres.
Não dá para trazer esses bichos de volta à vida (bem, depende. Veja esta reportagem recente do escriba que vos fala.) Os adeptos do “rewilding” propõem usar análogos dos monstros extintos – elefantes no lugar dos mastodontes, digamos – para testar a ideia de que eles de fato criam ambientes mais diversificados e robustos com sua presença.
O que nos traz de volta aos nossos paquidermes hipotéticos pisoteando a praça dos Três Poderes e destruindo obras-primas de Niemeyer.
É importante ressaltar que nenhum dos especialistas está propondo simplesmente soltar uma bicharada gigante ao léu na natureza. A ideia inicial é fazer experimentos ecológicos controlados, em fazendas, por exemplo, para ver como a presença de elefantes (ou zebras, digamos) modifica o ambiente. Só depois, lentamente e dependendo dos resultados iniciais, o “rewilding” prosseguiria.
Será mesmo uma tremenda ideia de jerico, como talvez pareça? Depende. Por um lado, é verdade que se passaram 10 mil anos desde que megamamíferos de porte africano andaram por aqui. Os ambientes do Brasil tiveram um tempo considerável para alcançar um novo estado de equilíbrio, ainda que precário, sem a presença dessa megafauna.
Por outro lado, com monitoramento e controle, não vejo por que não tentar – na pior das hipóteses, o processo traria uma “aposentadoria” com muito mais qualidade de vida para elefantes de circo ou de zoológico, por exemplo. Se for possível demonstrar que não haverá danos ambientais ligados à presença dos grandalhões, quem sabe futuros leitores de “Grande Sertão: Veredas” não terão de se perguntar por que Guimarães Rosa não retratou algumas trombas majestosas entre os buritis?
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