A mulher de Caim
Este é mais um episódio da série “Darwin e Deus responde”! Desta vez, a pergunta é de Luiz Carlos Carvalho Machado. Confira.
“Se Deus fez Adão e Eva e eles tiveram três filhos, como se explica Caim ter arranjado uma família, depois de ser expulso do convívio com os pais? A Bíblia é bem clara quanto a essa questão, só existiam Adão e Eva e seus filhos. Esquisita essa história.”
Na verdade, a narrativa bíblica não simplifica tanto o cenário assim, Luiz Carlos. A chave é o versículo 4 do capítulo 5 do livro do Gênesis, eu diz o seguinte:
“O tempo que viveu Adão depois do nascimento de Set foi de oitocentos anos, e gerou filhos e filhas” (negrito meu).
Ou seja, embora esse fato seja contado depois do relato sobre a história sobre a descendência de Caim, a ideia de que o casal primordial teve outros filhos além de Caim, Abel e Set (presumivelmente MUITOS filhos considerando seu longo tempo de vida) abriu a possibilidade de que os intérpretes antigos do texto bíblico propusessem que a mulher de Caim era uma de suas inúmeras irmãs.
É o que afirmam, por exemplo, os “targumim” (singular: “targum”), interpretações do texto hebraico escritas em aramaico por rabinos dos primeiros séculos da Era Cristã. Outro texto judaico antigo, o Livro dos Jubileus, escrito originalmente em hebraico, talvez por volta do ano 150 a.C., chega até a especificar o nome da esposa do assassino primordial, que teria sido sua irmã Awan.
Outros textos judaicos da Antiguidade e do começo da Idade Média, os Midrash (formas narrativas de interpretação e expansão dos livros bíblicos) vão ainda mais longe e dizem que tanto Abel quanto Caim se casaram com suas irmãs gêmeas respectivas (não mencionadas no Gênesis). Mas a gêmea-esposa de Abel era mais bonita que a de Caim, e a inveja nascida desse fato teria sido o verdadeiro motivo do assassinato de Abel.
Aliás, o crime de Caim era tão chocante para os teólogos judeus da Antiguidade que surgiu a hipótese de que o verdadeiro pai dele teria sido o anjo rebelde Samael, ou a serpente do Paraíso. Histórias assim aparecem na obra do filósofo Filo de Alexandria (século 1 d.C.) e no texto “Targum Pseudô-Jônatas”.
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E se você também tem perguntas sobre teoria da evolução, história das religiões e outros temas cobertos pelo blog, não seja tímido: mande sua dúvida para o e-mail darwinedeus@gmail.com (perguntas feitas nos comentários não serão registradas porque eu vou acabar me esquecendo delas, hehehe). Farei posts respondendo todas as que eu for humanamente capaz de elucidar.
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