Invasores bárbaros

Reinaldo José Lopes
Reconstrução do famoso capacete anglo-saxão ("bárbaro") de Sutton Hoo, na Inglaterra
Reconstrução do famoso capacete anglo-saxão (“bárbaro”) de Sutton Hoo, na Inglaterra

Uma pergunta que os historiadores e arqueólogos sempre se fazem, com graus variados de sucesso na hora de tentar respondê-la, é a seguinte: que diabos acontece quando um grupo de invasores conquista uma região? Claro que a resposta mais sensata é “depende”, mas mesmo em continentes com registro histórico escrito considerável, como a Europa, as situações específicas não estão claras em todos os casos. Vejamos, por exemplo, o caso das chamadas invasões bárbaras durante o fim do Império Romano do Ocidente: estamos falando de genocídio ou de simples troca de uma elite (a romana) por outra (germânica)?

Bom, dois estudos genômicos deram um passo importante para tentar responder essa pergunta no caso do Reino Unido. A Inglaterra, a Escócia e o País de Gales são uma área importante para esse tipo de análise porque por lá a cultura romana (após uma dominação de quase 400 anos!) foi quase totalmente apagada do mapa a partir de meados do século 5º d.C., quando tribos germânicas como os anglos, os saxões e os jutos desembarcaram por lá. Se não fosse por essa invasão, talvez os ingleses de hoje falassem uma língua derivada do latim, como nós, e não o inglês (bom, aliás, certamente não seriam chamados de ingleses, pois esse nome deriva da tribo germânica dos anglos).

As duas pesquisas saíram na revista científica “Nature Communications” e seguiram uma metodologia extremamente lógica: obter DNA de gente que viveu no atual Reino Unido antes da chegada dos invasores (e, de preferência, antes até da chegada dos romanos) e comparar o genoma deles com pessoas que moraram lá depois da invasão (e com gente dos dias de hoje também).

(Parêntese rápido: lógico que isso só é possível graças ao avanços das tecnologias de “sequenciamento”, ou “leitura”, do DNA. Hoje está muito mais fácil decifrar o genoma inteiro de pessoas que morreram há milhares de anos.)

Bom, o que o pessoal conseguiu descobrir? No primeiro estudo, capitaneado por Rui Martiniano — sim, o rapaz é português! — do Trinity College de Dublin (Irlanda), foram analisados os genomas de nove pessoas da região de York (norte da Inglaterra). Sete eram da época romana, um da época pós-invasão (vamos chamá-la de época anglo-saxã) e um da época anterior à chegada das forças de Roma.

Seis dos genomas da era romana são muito parecidos com os de pessoas do atual País de Gales (ou seja, gente de origem celta, os habitantes pré-romanos da ilha), e o mesmo vale para o esqueleto da Idade do Ferro, pré-romano. Já a amostra da época pós-invasão tem DNA mais parecido com o dos habitantes atuais de York, indicando que sim, houve uma transição populacional significativa com a invasão.

Detalhe curiosíssimo: um dos sujeitos do cemitério romano tinha perfil genético típico do Oriente Médio, batendo com o de sauditas de hoje. Esse tal de Império Romano era mesmo globalizado, pelo visto.

O segundo estudo, sob a batuta de Stephan Schiffels, do Instituto Sanger do Wellcome Trust, analisou outros dez indivíduos, também com a mesma variedade temporal, só que das vizinhanças de Cambridge. Resultado: amostras do período anglo-saxão lembram muito a de pessoas de hoje da Holanda e da Dinamarca (justamente as regiões de onde, tradicionalmente, os invasores teriam vindo). A equipe estima que os moradores atuais do leste da Inglaterra derivem uns 40% de seu DNA desse evento de invasão no fim da Antiguidade.

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