Alckmin e a ciência
Segundo a coluna Radar On-Line, da revista “Veja”, o governador Geraldo Alckmin passou parte da última reunião de seu secretariado desancando a Fapesp (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo), principal órgão de financiamento à ciência no Estado.
“Gastam dinheiro com pesquisas acadêmicas sem nenhuma utilidade prática para a sociedade. Apoiar a pesquisa para a elaboração da vacina contra a dengue, eles não apoiam. O Butantã sem dinheiro para nada. E a Fapesp quer apoiar projetos de sociologia ou projetos acadêmicos sem nenhuma relevância”, teria dito o político tucano. Alckmin teria ainda falado de uma “máfia das universidades sugando dinheiro público”.
Bem, diferentemente do que acontece no caso dos políticos, meu negócio aqui é lidar com fatos. Vamos a eles.
Fato número 1: a Fapesp foi o órgão de fomento à pesquisa do país que reagiu com mais agilidade à crise trazida pela ligação entre o vírus zika e a microcefalia. Conseguir verba para estudos científicos no Brasil é, em geral, um processo burocrático, que leva meses. O órgão paulista conseguiu liberar verbas adicionais a projetos de pesquisa na área de virologia em questão de dias, o que tem tido impacto importante na geração de conhecimento sobre o zika, conforme reconhecido por pesquisadores da área, como Paolo Zanotto, da USP. A fundação também disponibilizou verbas para estudos a respeito em empresas e em parceria com órgãos internacionais, como o Conselho de Pesquisas Médicas do Reino Unido.
Fato número 2: o desenvolvimento da vacina contra o dengue pelo Instituto Butantan já está na fase final de testes em humanos. O detalhe é que O PRÓPRIO BUTANTAN agradece à Fapesp pelo apoio financeiro aos testes, como mostra este link… (está no segundo parágrafo do texto)
Fato número 3: agências de fomento à pesquisa apoiam… pesquisa. Ou seja, geração de conhecimento. Voltando ao caso do zika: a gente jamais vai conseguir ter uma vacina efetiva, ou terapias antivirais, sem GERAR CONHECIMENTO BÁSICO sobre o vírus. Vale dizer, descobrindo a respeito dele um monte de detalhes que, sozinhos, “não servem para nada”, que são “acadêmicos”, mas que, quando reunidos num todo coerente, muito provavelmente darão alguma pista sobre como derrotar o vírus.
Ninguém jamais teria imaginado que o estudo das curiosas propriedades de determinado tipo de luz apelidada de laser um dia permitiria o surgimento de cirurgias oftalmológicas muito mais precisas usando a tal luz. E assim “ad infinitum” — conhecimento não só não ocupa lugar como nunca se sabe quando ele será útil.
Fica aqui a prece deste blog por políticos que, só pra variar, chequem os fatos antes de falar.
PS – Uma breve declaração de possível conflito de interesses: sim, eu já fui bolsista da Fapesp. Mas foi só na iniciação científica, e a bolsa era uma mixaria 😛
PPS – Outro possível conflito de interesse que me ocorreu mencionar: já produzi reportagens para veículos jornalísticos da Fapesp, como a revista Pesquisa Fapesp e a Agência Fapesp. Minha sorte é que a Folha tem uma postura exemplar em sua valorização do jornalismo científico, quando comparada com os outros veículos da grande mídia brasileira, e por isso não dependo de dinheiro público para pagar as contas.
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