Platão no Xingu

Reinaldo José Lopes

Da espetacular coletânea de ensaios “A Inconstância da Alma Selvagem”, do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, sobre o singular (ou não tão singular assim) pensamento dos indígenas Yawalapíti, do Alto Xingu, e um termo-chave de sua língua, o conceito de “umañí”:

“Se um determinado animal é dito umañí, isso se refere à espécie, não aos exemplares individuais; é ela que é umañí e, como tal, é representada por um ser mítico que, no caso limite, só tem atualidade fora do espaço xinguano (…) Umañí, portanto, parece refererir-se à essência dos seres, manifesta nos mitos (…) Mais que exemplos, as realidades umañí definem uma partição ontológica entre os arquétipos originais e aquilo que existe hoje, réplicas enfraquecidas das origens.”

Se você já ouviu falar do “Mundo das Ideias” do filósofo grego Platão, sou capaz de apostar que notou a semelhança — Platão também propunha a existência de “modelos” imortais e imutáveis das coisas perecíveis do nosso mundo.

“Platonismo?”, escreve Viveiros de Castro. “Seria tentador assim rotular essa concepção, pois as coisas umañí o são, efetivamente, em seu aspecto de ideia ou conceito.”

Povos podem ser “primitivos” (entre muitas aspas) tecnologicamente e ainda assim ter uma vida mental riquíssima — tão rica quanto a de um sábio da Grécia, minha gente.

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