Reclamem com o bispo

Reinaldo José Lopes

Desde que a imprensa revelou que Marcos Pereira, presidente do PRB (Partido Republicano Brasileiro) e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, está cotado para ser o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação do governo Temer, muita gente andou brincando que estamos de volta à Idade Média, com um bispo exercendo funções de ministro (coisa que de fato era comum no período medieval). Pessoalmente, acho a piada uma baita injustiça com a Idade Média.

Explico: bispos e outros membros da hierarquia da Igreja Católica eram a elite intelectual de seu tempo e foram responsáveis por alguns dos avanços científicos e tecnológicos cruciais da época (que está longe de ter sido uma treva perpétua). Não esqueçam que quem pagava o salário de Nicolau Copérnico, o sujeito que desencadeou a Revolução Científica, era um bispo.

Se os bispos medievais muitas vezes abraçavam a ciência “de ponta” da época, é difícil não ficar desanimado com o raciocínio teológico do bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal. Ao falar sobre a teoria da evolução neste artigo da década passada, Macedo diz, por exemplo:

“Podemos continuar refutando Darwin, dizendo que o ‘elo perdido’ continua perdido, ou seja, a teoria da evolução continua sendo apenas uma teoria.”

Eu estava até com saudades da confusão clássica do termo “teoria” com “só uma ideia, só um chute”. A teoria da relatividade também é “só uma teoria”, mas sou capaz de apostar que o prelado usa um smartphone com GPS (que só o ajuda a pegar a estrada graças a correções feitas por causa da teoria da relatividade). A teoria atômica também é “só uma teoria”, mas aposto que ele não fica enfiando a mão em reatores radioativos (que só foram compreendidos com a teoria atômica) por conta disso.

Teoria = explicação conceitual de fenômenos da natureza que está bem fundamentada em fatos e medições. Teoria em ciência é um troço sólido, não uma ideia fraquinha.

“Do ponto de vista bíblico, a Teoria Evolucionista confronta a Palavra de Deus, visto que é pela fé que entendemos que o universo foi formado pela Palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem (Hebreus 11:3).”

Eu não sei exatamente como o bispo gostaria de identificar cientificamente a ação da Palavra de Deus no princípio do Cosmos — a ideia é basicamente não testável, ou seja, não tem como verificá-la por experimentos ou observações. Agora, é óbvio que “o visível veio a existir das coisas que não aparecem” — os átomos do Universo primordial eram invisíveis (pra nós hoje, ao menos), assim como as primeiras células. Não dá pra entender qual é a relação lógica entre esse ponto e a Palavra de Deus.

Quer dizer, se concordarmos com a ideia de que um ser passou a adquirir um pulmão pela necessidade que tinha de respirar, estamos, com isto, limitando o poder de Deus em Sua criação. Como Ele poderia criar algo que precisasse passar por uma modificação após milhares de anos? Isso seria incoerente.

Começo a achar que o problema não é teológico, mas só lógico mesmo. Imagino que o bispo não duvide da ideia da Queda do Homem — ou seja, de que houve uma tragédia primordial que separou a nossa espécie de uma relação próxima com Deus. É o fato fundador da narrativa do Gênese, das cartas de Paulo no Novo Testamento etc. Aqui vai a questão lógica: como Deus criou um ser humano tão falho que esteve sujeito a sofrer uma transformação tão tremenda quanto a Queda? Isso não seria ainda mais incoerente?

(É lógico que, se você postula a existência de um Deus que dota sua criação de um potencial autônomo de desenvolvimento, para o bem e para o mal, essa incoerência some. Talvez a ideia seja complicada demais para a Teologia 101 do prelado.)

Há alguma luz no fim desse túnel? Leia a entrevista com Marcos Pereira no blog do Fernando Rodrigues e tire suas próprias conclusões. Embora se declare criacionista, diz que manterá sua religião apenas na esfera privada e arremata: “Em discussões em que a ciência e religião possam se chocar, respeitaria a linha científica.” Tomara que cumpra a palavra.

Antes que eu parta, meus agradecimentos ao amigo Roberto Takata, que localizou o artigo do bispo Macedo.

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