Design Inteligente e ficção científica

Reinaldo José Lopes

Recebi do físico e divulgador científico Osame Kinouchi Filho, professor da USP de Ribeirão Preto, um texto muito interessante, meio sério, meio jocoso, abordando o debate em torno da ideia de DI (Design Inteligente (criacionismo repaginado antievolução, como sabemos) e a criação de um centro sobre o tema na Universidade Presbiteriana Mackenzie. O prisma adotado por Kinouchi é inusitado: o da ficção científica. Confiram o que ele diz abaixo e divirtam-se!

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Quero propor quatro idéias que podem tornar o debate bem mais divertido:

1)O DI é uma ideia de Ficção Científica (FC);
2)A clivagem que o DI promove não é entre teístas e ateus, pois podemos ter ateus que acreditam em DI e teístas que não acreditam em DI;
3)O DI é compartilhado por espíritas, ufólogos místicos e crentes da New Age, não é exclusividade de cristão e muito menos de protestantes;
4)O DI é apenas uma variante de um conjunto enorme de outras teorias de evolução, e não há indicação de que seja melhor do que o Teísmo Evolucionário do evangélico Francis Collins, pelo contrário.

Vejamos ponto por ponto:

O DI é uma ideia de Ficção Científica (FC): O DI é agnóstico sobre a natureza da inteligência que fez intervenções ao longo da evolução. Ora, quem não se lembra da evolução acelerada (DI) produzida pelo monólito negro em “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Arthur C. Clarke? Ou aquele que é tido como o conto mais conhecido de Isaac Asimov, “A Última Questão”, no qual uma mente surgida pela fusão de computadores com os humanos (a Singularidade?) encontra uma solução para reverter a segunda lei da Termodinâmica e cria um novo universo dizendo “Fiat Lux”?

Ou o Desígnio Inteligente de Golfinhos, Chimpanzés, Gorilas e Cachorros que atingem o nível humano feito por criadores humanos na série “Elevação”, de David Brin? Lembro também a obra-prima de Stanislaw Lem, “A Voz do Mestre” (bom título!), na qual o autor brinca com a possibilidade de que uma inteligência tecnológica preexistente ao nosso universo o tenha criado permeando-o com um feixe de neutrinos que facilita a emergência da vida. Ou seja, vamos dar o crédito a quem merece: o DI não é ideia de Behe e outros, mas originalmente de Asimov, Clark, Lem, Brin e inúmero escritores FC.

Lem chama esse tipo de ideia de Teologia dos Deuses falíveis (ou finitos). Que a inteligência do DI poderia ser um ET físico, falível e finito e não um ser sobrenatural como Deus é um fato reconhecido pelos proponentes do DI. A clivagem que o DI promove não é entre teístas e ateus, pois podemos ter ateus que acreditam em DI e teístas que não acreditam em DI: Como dito antes, a Inteligência do DI poderia ser um ET. Mais que isso, é mais provável que seja, pois isso a colocaria dentro de um um universo natural, não sobrenatural.

Ou seja, Marcos Eberlin [químico da Unicamp e defensor do DI] errou ao afirmar que “o problema é que a academia fechou a questão e não abre brecha para nenhum debate: só existe matéria, energia e espaço no Universo e acabou”. Primeiro, porque esse tipo de raciocínio paranoico e conspiratório sobre a academia é próprio de defensores dos Alienígenas do Passado (que também é DI) mas não de cientístas.

Segundo, porque poderíamos ter apenas matéria, energia e espaço (eu não esqueceria Informação, que é o conceito físico mais próximo de Espírito, e não energia como gosta o pessoal da New Age), e mesmo assim ter DI feito pela Inteligência de 2001 ou pelo Multivac de Asimov. Curiosamente, Clark, Asimov, Brin e Lem são todos ateus ou agnósticos, logo o DI não favorece uma visão de fé sobre a realidade mas sim uma visão cética e especulativa da realidade (é mais provável que Deus seja um ET!), não compatível com o Cristianismo.

O DI é compartilhado por espíritas, ufólogos místicos e crentes da New Age, não é exclusividade de cristão e muito menos de protestantes: o DI é vendido à comunidade protestante e evangélica como um conjunto de ideias vinculadas à ideias cristãs, ou que poderiam ser adotadas com proveito pelos cristãos (e judeus, e islâmicos?). Ao mesmo tempo, tais comunidades não se identificam com espíritas, ufólogos místicos, New Age e outras crenças.

Ora, ao tentar transpor uma visão religiosa e filosófica para o campo da ciência, o protestantismo do DI se identifica com o Espiritismo: quer ser não apenas uma religião, mas também uma ciência. Pois uma coisa é “acreditar que Deus fez o mundo”, de forma genérica e não especificada, dizendo que é um sentimento ou uma intuição (uma forma não cognitiva de fé), crença sem bases racionais, como faz por exemplo Marina Silva ou John Wesley, fundador do Metodismo, em seu memorável sermão “O Caso da Razão Imparcialmente Considerada“. Outra coisa é ser criacionista científico (de Terra jovem ou velha, de DI etc.), ou seja, afirmar que é capaz de fazer hipóteses capazes de passar por testes rigorosos, a ponto de que tais hipóteses um dia sejam aceites acima de qualquer dúvida razoável.

É o pecado de querer provar que Deus existe usando apenas a Razão. Tentar transformar religião, teologia e filosofia (que são campos válidos da academia, financiados pelo CNPq inclusive) em ciência, que se distingue dessas áreas assim como a Arte e a Política se distingue das mesmas e da Ciência, é confusão de domínios: é a definição de Pseudociência, cujo principal sintoma são as teorias conspiratórias que citei (os cientistas não concordam comigo porque ou estão me perseguindo ou não querem ver a verdade – que apenas eu fui capaz de ver com minha brilhante e superior mente intuitiva).

O DI é apenas uma variante de um conjunto enorme de outras teorias de evolução, e não há indicação de que seja melhor do que o Teísmo Evolucionário do evangélico Francis Collins, pelo contrário: quando se discute DI usualmente cai-se na falácia dualista: ou isso, ou aquilo. Mas na verdade existem inúmeras outras teorias possíveis de evolução com ou sem DI.

A mais importante é o Teísmo Evolucionário (TE) elaborado por cristãos dos mais diversos matizes, onde podemos citar o evangélico Francis Collins diretor do NHI americano. Uma versão um pouco mais suave pode ser encontrada nos escritos do físico cristão Freeman Dyson. A ideia é que os mecanismos de evolução puramente naturais, aceitos pelos biólogos agnósticos, devem ser vistos como os meios de Deus para criar (elaborar) o mundo ao longo de bilhões de anos.

Essa crença em um Deus criador e intencional, porém, não é tida como científica, mas filosófica. Ninguém da TE vai querer provar que Deus existe usando a Mecânica Quântica, por exemplo, como quer a New Age. O TE é um competidor formidável ao DI, pois não requer nenhuma intervenção inteligente (natural ou sobrenatural) durante a evolução: é totalmente compatível com o conhecimento biológico aceito pela comunidade científica.

É também a visão oficial da Igreja Católica e é ensinado na maioria dos seminários teológicos protestantes do Primeiro Mundo. Então o debate se torna: por que o DI é melhor que o TE? Se não é, por que o Mackenzie criou um núcleo de DI em vez de um núcleo de TE? Por que uma colaboração com o Discovery Institute em vez da Fundação Bio-Logos de Francis Collins? O Mackenzie deveria responder…

Assim, Marcos Eberlin erra também ao falar em apenas duas possibilidades. Usando a Ficção Científica, eu posso elaborar inúmeras possibilidades, por exemplo: uma inteligência vinda do futuro (uma Singularidade Humana) volta no tempo e cria por engenharia genética as primeiras bactérias, bem como todos os exemplos (flagelos, etc.) de complexidade irredutível pelo DI. O interessante desta ideia é que o elo causal se fecha em um bonito loop [laço] temporal como o Ourobouros [figura da serpente que morde o próprio rabo].

Sem contar os deuses astronautas que criaram os sumérios…

Etc., etc., etc. OK, mas… como testar ou distinguir entre essas várias ideias?

A ufologia mística não é mais plausível e tem mais evidências, atuais inclusive, do que o DI? Deveria o Mackenzie criar um núcleo sobre Alienígenas do Passado e Deuses Astronautas? Afinal, “todo mundo sabe” que YHWH, os anjos e Jesus eram ETs, certo? As própria Bíblia “prova” isso…