O mistério da Lapa do Santo
O abrigo calcário (para todos efeitos, uma caverna) chamado Lapa do Santo, no interior de Minas Gerais, é um lugar absolutamente incrível. Arqueólogos e paleoantropólogos da USP estudam há anos os misteriosos rituais envolvendo a manipulação aparentemente simbólica do corpo dos mortos que eram realizados lá há cerca de 10 mil anos. Neste vídeo, o arqueólogo André Strauss mostra os ossos e explica as marcas neles, e eu tenho a chance de reencontrar uma velha amiga preguiça-gigante. Confira abaixo.
E, se você é do tipo que não gosta de vídeo, eis um breve relato sobre os rituais da Lapa do Santo extraído do meu livro “1499: O Brasil Antes de Cabral”, que você pode adquirir na Livraria da Folha ou na Amazon, por exemplo.
“Qualquer semelhança da Lapa do Santo com uma catedral do século 13 não é mera coincidência. Do lado de fora, os paredões de rocha calcária se erguem dezenas de metros acima do chão da mata, e seu topo também é recoberto de árvores. Conforme o visitante se aproxima do salão principal da gruta, começam a aparecer estalactites, estalagmites e outras projeções barrocas da interação entre a rocha e a água ao longo dos milênios. O solo pulverulento do abrigo, ao ser escavado, revelou tanto artefatos quanto restos de animais e plantas – e sepulturas. Dei a sorte de estar presente quando identificaram o primeiro esqueleto humano, a começar pelos ossos do quadril. Mais de 30 outros corpos foram encontrados no lugar com o passar dos anos. O ponto central aqui é que, em muitos casos, estamos falando do que os especialistas costumam chamar de sepultamento secundário – ou seja, o que acontece quando, após um enterro inicial (ou “primário”), o cadáver é desenterrado e recebe outro destino.
Em alguns lugares do mundo, como a Judeia da época de Jesus, sepultamentos secundários são coisa simples: desenterram-se os ossos do defunto, os quais passam por uma sessão de limpeza, são acondicionados numa urna ou ossuário e levados de volta à sepultura da família. Os paleoíndios da Lapa do Santo eram muito mais imaginativos que os judeus do século 1o d.C., contudo: ao examinar a variedade de disposições dos restos mortais do abrigo, catalogada pelo arqueólogo brasileiro André Strauss, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, é difícil evitar a impressão de que eles estavam fazendo instalações artísticas pós-modernas com seus mortos.
Dentes de um indivíduo eram arrancados e colocados cuidadosamente na boca de outro; virado de cabeça para baixo, um crânio servia como uma espécie de bacia dentro da qual eram depositados os ossos de diversos outros indivíduos; crânios de adultos passavam a ser acompanhados por esqueletos pós-cranianos (ou seja, do pescoço para baixo) de crianças, e vice-versa (crânios infantis, corpo de adulto); corante ocre e carvão eram empregados para dar um colorido especial aos conjuntos. Uma das descobertas recentes de Strauss e seus colegas é a da mais antiga decapitação do continente americano – provavelmente realizada depois da morte, para alívio do dono da cabeça. O crânio foi encontrado numa delicada composição com os ossos das mãos – a direita foi colocada sobre o lado esquerdo do crânio, com os dedos apontando para baixo, e a mão esquerda foi disposta do lado direito, com os dedos voltados para cima.
Não há como saber que significados os moradores de Lagoa Santa atribuíam a esses sepultamentos requintados. O certo, conforma aponta Strauss, é que algumas regras de simetria simbólica parecem ter influenciado a disposição dos defuntos (como o par infância/velhice, por exemplo). Seria uma forma de ressaltar a profunda unidade entre ancestrais e seus descendentes, uma “dança da morte” que unia a todos?”
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