Entrevista com Susan Pinker na íntegra

Reinaldo José Lopes

Saiu na edição impressa de sexta-feira desta Folha a entrevista que fiz com a psicóloga Susan Pinker. Pra quem se interessou pelo gostinho do papo que coube no papel, eis aí a conversa praticamente na íntegra. Divirtam-se — a moça é gente boa e brilhante.

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Ter milhares de amigos nas redes sociais da internet pode ser divertido e estimulante, mas as conexões que realmente fazem diferença para a saúde, a longevidade e a qualidade de vida são as que acontecem cara a cara. Contato humano direto e frequente é uma necessidade biológica básica, como comer e dormir, defende a psicóloga canadense Susan Pinker, 60.

Responsável pela última conferência deste ano do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, que aconteceu nesta semana em Porto Alegre e São Paulo, Pinker é especialista em psicologia do desenvolvimento e lecionou durante 25 anos em instituições como a Universidade McGill, em Montreal, onde nasceu. Os dados que colheu sobre a importância das redes sociais robustas no mundo real estão reunidos em seu livro mais recente, “The Village Effect” (“O Efeito Vilarejo”), publicado em 2014.

Em entrevista à Folha, Susan, que é irmã de outro psicólogo célebre (Steven Pinker, da Universidade Harvard), explica o efeito protetor da religião para a saúde e fala da importância e dos perigos de usar a teoria da evolução para estudar a mente humana.

Folha – Existe uma relação direta entre a tese central do seu livro e a trajetória evolutiva da nossa espécie, que surgiu em pequenos grupos muito unidos de poucas centenas de indivíduos?
Susan Pinker – Nossa trajetória evolutiva é a de animais sociais, como a de muitos outros primatas. Estamos falando de uma necessidade biológica, como água, comida, sono e sexo – o contato social é um ímpeto biológico nos seres humanos. É por isso que ações simples como conversar com os amigos ou com a família, o fato de ter contato com pessoas ao longo do dia, mesmo que seja algo superficial, como fofocar um pouco ou atuar como voluntário na sua igreja, pode se refletir num aumento de vários anos na sua expectativa de vida em comparação com pessoas solitárias – isso porque o contato social tem efeitos fisiológicos.

Mas eu realmente quero mostrar que esse efeito que vem do nosso passado evolutivo também funciona hoje. OK, há uns 10 mil anos atrás todos nós vivíamos em pequenas comunidades de umas 150 pessoas cada uma, mas o que é muito importante é que nós recriamos esses vilarejos – e essa é a metáfora do título do meu livro – na nossa vida diária. Ou seja, não apenas nos encontrando com nossos velhos colegas da faculdade, com mães ou cônjuges, mas garantindo que tenhamos acesso a uma rede social diversificada e integrada. Isso é o mais importante.

Esse número de 150 pessoas aparece num cálculo do antropólogo britânico Robin Dunbar, segundo o qual seria muito difícil para alguém ter contato significativo com mais do que esse número de pessoas. Faz sentido?
Eu diria que sim, mas acho que o mais importante para a minha mensagem é que as pessoas busquem cultivar tanto os seus relacionamentos mais próximos – sabe, as três ou quatro pessoas nas quais você realmente pode confiar, para quem você pode ligar no meio da noite ou para as quais você pode pedir um empréstimo grande – quanto uma rede de contatos sociais mais ampla. Nesse segundo caso, é um grupo mais diversificado, e algumas das pessoas podem ter uma relação bastante fraca conosco, mas esse tipo de relacionamento também tem um efeito protetor.

De qualquer modo, concordo com Robin quando ele diz que o céu não é o limite. É uma ilusão achar que, se você tem 600 amigos no Facebook, você tem 600 amigos. Não tem a ver apenas com a capacidade cognitiva do cérebro humano, mas também com quanto você está disposto a investir em cada relacionamento, e sabemos que, a não ser que você esteja disposto a ver as pessoas cara a cara, os relacionamentos começam a erodir.

Só os elos familiares seriam suficientes? Se eu não tiver muitos amigos, mas conviver muito com minha família italiana grande e barulhenta, digamos, já vale?
De novo, a diversidade é a chave. No livro, conto a experiência que tive ao visitar vilarejos na Sardenha [ilha do oeste da Itália], onde há uma alta proporção de gente vivendo até os cem anos ou mais de idade. E um dos meus argumentos é que, por causa da maneira como as comunidades estão estruturadas por lá, eles não apenas têm apoio de suas famílias – afinal eles são italianos, de fato têm famílias grandes e unidas – mas também, por causa da maneira como o cotidiano deles está estruturado, acabam cruzando com outras pessoas por necessidade. São os vizinhos, o balconista da loja, o dono do bar etc.

Então há muita coesão social dentro de cada vila: não só você tem contato com aquelas pessoas, mas elas também têm contato com todos os demais membros da sua rede social, e esse é o melhor tipo de rede social que há, essa rede densa e interconectada que surge naturalmente em vilarejos isolados nas montanhas. Uso isso como metáfora da estrutura que deveríamos tentar recriar em cidades maiores como São Paulo, Montreal ou Nova York.

E existe algum tipo de grupo que funcione melhor que os outros? Tanto faz se a sua rede surgir na igreja que você frequenta, no grupo de amigos que joga futebol ou dos que montam uma banda de rock de garagem?
Todos os exemplos que você deu são ótimos. Não importa muito qual a atividade, desde que você se encontre com regularidade com gente que seja diferente de você em algum aspecto. No caso das igrejas, o que sabemos a partir dos estudos de psicologia da religião é que pessoas religiosas muitas vezes são mais saudáveis e vivem mais. Mas por quê?

O que descobrimos é que a causa não é a crença ou a fé dessas pessoas, mas o fato de que elas praticam sua religião. Vão para a igreja, para a mesquita ou sinagoga, rezam juntas, estão cercadas por outras pessoas, participam da sincronia ligada a quando ficar de pé, quando se ajoelhar, quando cantar – esse tipo de sincronia é muito recompensador. Além disso, você tende a encontrar pessoas de diferentes origens sociais, de diferentes idades, então são ambientes que automaticamente dão a você o contato social de que precisa.

Outras coisas funcionam do mesmo jeito: ser voluntário em algum órgão do governo, participar de um clube do livro, de um grupo que pratica esporte. Um ponto interessante é que as redes sociais de mulheres e homens são bastante diferentes, em média. Mulheres têm uma probabilidade maior de ter contato cara a cara literalmente, sentadas num restaurante conversando e falando de coisas mais íntimas, enquanto os homens tendem mais a se congregar por conta de alguma atividade – jogar futebol, ou ir assistir a um filme juntos e depois beber alguma coisa. Não precisam ficar no olho no olho, basta estarem juntos – e essa sensação quase animal de “estar junto” traz alguma proteção, acredite ou não.

Seu livro anterior, chamado “O Paradoxo Sexual”, abordava as diferenças de gênero. Por que o debate público sobre esse tema se tornou tão violento recentemente, na sua opinião?
Por vários motivos. As mulheres foram oprimidas e deixadas do lado de fora de instituições importantes por milhares de anos. O movimento de libertação feminina dos anos 1960 e 1970 surgiu com o objetivo de mudar isso. Algumas dessas restrições caíram – as mulheres começaram a entrar nas universidades e no mundo profissional em grande número. E acabaram gravitando para certas áreas, e não para outras.

Mas acho que o movimento feminista tradicional sentiu que as mulheres só estariam completamente livres se todas as áreas de atuação tradicionalmente masculinas tivessem participação feminina em igual medida. O raciocínio era: só teremos igualdade se formos iguais aos homens em tudo. Esse legado ainda está conosco.

Então, embora as mulheres hoje estejam eclipsando os homens em várias áreas – hoje em muitos países as médicas, as advogadas, as psicólogas são maioria, nas turmas de psicologia para as quais eu lecionava na Universidade McGill às vezes havia 50 mulheres e nenhum homem –, isso não parece ser suficiente para as adeptas do feminismo clássico, que querem números iguais de presidentes de empresas, de mecânicas, de físicas. E isso me parece uma falácia lógica, porque elas estão olhando apenas o resultado e concluindo que ele surgiu a partir de uma discriminação no início do processo, o que muitas vezes não é verdade. Elas estão presas a um modo de pensar que não se aplica mais.

Agora, é lógico que a discriminação ainda existe, mas precisamos olhar para a questão de forma mais nuançada. Talvez haja coisas que as mulheres desejam fazer que podem ser diferentes do que o homem médio desejaria. Só o fato de eu dizer algo desse tipo já irrita muito algumas pessoas, mas não me parece que seja uma afirmação tão dramática. Porque, em todos os lugares do mundo nos quais as mulheres têm oportunidades, em sociedades ricas, a tendência é que as diferenças de interesse por ocupações aumentem, e não que elas diminuam.

Em outras palavras, quando as mulheres têm poder de escolha, muitas delas acabam escolhendo ocupações flexíveis, às vezes de meio período, nas quais elas sentem que estão fazendo a diferença. Quando não têm a chance de escolher, vão trabalhar no que quer que dê dinheiro e ajude a colocar comida na mesa. E estudos recentes, dos últimos dez, 15 anos, mostram que, em média – estou sempre falando em média, claro –, a trajetória das carreiras de homens e mulheres tende a ser diferente. E muitos dos desejos também são diferentes: a maneira de conceber o sucesso, por exemplo.

E isso muitas vezes acaba beneficiando as mulheres. Durante a crise financeira de 2008, mais homens perderam seus empregos e cometeram suicídio – as mulheres se recuperaram com muito mais facilidade, porque elas tinham uma tendência menor a colocar todos os ovos no mesmo cesto, digamos, quer dizer, poucas eram como os homens que trabalhavam 60 horas, 70 horas por semana num único emprego com um único conjunto de habilidades profissionais. Muitas tinham dois ou mais empregos de meio período, ou estavam envolvidas com a área de serviços ou de educação, que são empregos que não desaparecem com tanta facilidade. Elas eram muito mais resistentes à crise.

Foi esse ponto que me levou ao novo livro: por que, em todos os lugares onde elas já não morrem no parto, as mulheres vivem muito mais que os homens? O que elas estão fazendo que funciona? Isso me ajudou a perceber como a vida social das mulheres cria essa espécie de guarda-chuva que favorece um tempo de vida mais longo.

A sra. acha que a psicologia evolucionista já amadureceu como campo de pesquisa? Ainda há gente que a considera apenas como uma coleção de historinhas sobre a evolução humana.
Eu acho que ela precisa ser combinada com outros tipos de evidências para conseguir um retrato nuançado de como as pessoas se comportam. A psicologia evolucionista traz uma perspectiva muito rica para entender como adquirimos características que já não são tão adequadas ao ambiente moderno em que vivemos. Por outro lado, andamos descobrindo que talvez estejamos evoluindo de forma muito mais rápida do que se imaginava antes. Não acho que sejam historinhas, mas às vezes existe a tentação de aplicar sempre os mesmos princípios a todas as situações, e isso acaba não dando certo sempre. A psicologia evolucionista nos ajuda a entender, por exemplo, por que as mulheres produzem mais oxitocina [o chamado “hormônio do afeto”] e respondem melhor a ela do que os homens. Mas entender como esse fator afeta o uso que as mulheres fazem do Facebook envolve outras coisas. Então, é uma abordagem útil, mas não é meu único truque, com certeza.

Como foi crescer na família Pinker? Tanto a sra. quanto seu irmão acabaram tendo carreiras acadêmicas de destaque. Há algum fator especial que levou a isso?
Não sei se consigo responder. É como perguntar para a cenoura como foi ser cozinhada na sopa – você não tem muita perspectiva enquanto está dentro daquele ambiente. Mas eu cresci num ambiente muito verbal e, diria, argumentativo, no bom sentido. Havia muita discussão sobre o que acontecia à nossa volta na mesa do jantar, esperava-se que você participasse disso, com muito envolvimento na discussão de ideias. Então, claro que isso foi positivo. E não posso deixar de lado o fato de que tivemos sorte de ter pais inteligentes que passaram seus genes para nós. Isso não tem nada a ver com o ambiente onde crescemos, mas é um tipo de mistura complexa das duas coisas, diria eu.

Em “The Village Effect”, há um capítulo inteiro sobre comida e refeições, e isso tem a ver com minha origem porque, culturalmente, havia muita ênfase em comida e em refeições compartilhadas, tudo isso era uma grande experiência cultural, ninguém tinha o costume de enfiar a comida na boca rápido e sair da mesa. E as pesquisas recentes mostraram que refeições em família têm forte correlação com desempenho acadêmico [dos filhos]. E acho que isso faz parte da receita, para usar uma metáfora culinária: as refeições em família deveriam ser contextos nos quais as pessoas conseguem recarregar suas baterias umas com as outras, trocar experiências e sentimentos. Como estamos dando cada vez mais atenção a dispositivos eletrônicos, muitas vezes nos sentamos juntos na mesa, mas não conversamos, o que eu acho uma pena.

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