Arqueólogos descobrem núcleo “perdido” de aldeias fortificadas na Amazônia

Reinaldo José Lopes

Com a ajuda de imagens de satélite, arqueólogos do Brasil e do Reino Unido identificaram mais um grande núcleo de povoamento que existiu na Amazônia antes da chegada dos portugueses. Eram aldeias fortificadas com fossos e dotadas de estradas na região das cabeceiras do rio Tapajós (noroeste de Mato Grosso), que parecem ter alcançado seu auge entre os anos 1200 e 1500 d.C., conforme indicam escavações em alguns dos sítios arqueológicos. Confira vídeo sobre a pesquisa abaixo.

A equipe, liderada por Jonas Gregorio de Souza, brasileiro que trabalha na Universidade de Exeter (sudoeste da Inglaterra), usou os dados das aldeias recém-descobertas para estimar quantos eram os habitantes da região no período imediatamente anterior ao contato com os europeus. Na conta deles, teriam sido entre 500 mil e 1 milhão de pessoas (calcula-se que havia pouco menos de 10 milhões de habitantes em toda a Amazônia no mesmo período).

Descobertas como essa, publicadas com frequência cada vez maior desde o começo do século 21, têm transformado a visão que os arqueólogos tinham sobre o passado amazônico. Poucas décadas atrás, prevalecia a visão de que o solo e o clima da maior floresta tropical do mundo não teriam sido favoráveis ao desenvolvimento de populações numerosas, sedentárias e construtoras de monumentos. As limitações ambientais da região teriam levado seus habitantes a adotar organizações sociais de tamanho modesto, de grande mobilidade e pouca ou nenhuma hierarquização política.

URBANISMO NA FLORESTA

Desde então, porém, o trabalho de arqueólogos em quase todas as regiões da Amazônia deram cada vez mais peso à ideia de que havia populações densas, exploração intensiva da agricultura, da pesca e dos recursos naturais da floresta e até uma forma peculiar de “urbanismo” amazônico, com super-aldeias dotadas de centros cerimoniais e redes de estradas conectando essas “capitais” a aldeias menores.

Tais achados são especialmente impressionantes no Alto Xingu (nordeste de Mato Grosso). Já no extremo oeste amazônico, no atual território do Acre e de parte do Amazonas, imagens aéreas permitiram a identificação de mais de 500 dos chamados geoglifos — desenhos geométricos no solo, às vezes com vários quarteirões de diâmetro, que só ficaram visíveis agora graças ao desmatamento moderno. Tudo indica que os geoglifos correspondem a antigos centros rituais, alguns com mais de um milênio de idade, produzidos durante derrubadas efêmeras da mata.

O mais recente trabalho em Mato Grosso fecha o “buraco” arqueológico que havia entre as protocidades do Alto Xingu e os geoglifos acreanos, já que as antigas aldeias recém-descobertas se localizam justamente entre esses dois núcleos já conhecidos. Os pesquisadores propõem, portanto, que toda a fronteira sul da Amazônia, uma região em que as florestas são menos úmidas do que no resto do bioma, tinha populações relativamente densas e grandes aldeias antes do século 16. Uma possibilidade aventada por eles é que o clima com períodos secos pode ter facilitado a derrubada de parte das matas para a construção dos povoamentos.

A região dos sítios arqueológicos, entre os rios Aripuanã (no oeste), Juruena e Teles Pires; os maiores assentamentos antigos têm tamanho entre 10 hectares e 20 hectares (cada hectare corresponde a um campo de futebol)

As imagens de satélite permitiram a identificação de 81 sítios arqueológicos na bacia do Alto Tapajós, dos quais 24 foram visitados pessoalmente pelos pesquisadores. As antigas aldeias tendem a ficar em áreas planas e ligeiramente elevadas (entre 100 m e 300 m acima do nível do mar).

A maioria dos sítios contém a chamada “terra preta de índio”, solo típico da Amazônia que é antropogênico, ou seja, foi gerado pela ação humana (provavelmente por meio da queima controlada de madeira e do manejo de restos de animais e dejetos domésticos). A terra preta é muito mais fértil do que a maioria dos solos “naturais” amazônicos — é possível que ela tenha ajudado a sustentar uma agricultura relativamente produtiva no passado.

HIERARQUIA DE ASSENTAMENTOS

As aldeias identificadas no novo estudo costumam estar cercadas por valas ou fossos com possível propósito defensivo, com profundidade entre 1 m e 3 m e encimadas por diques que chegam a 1 m de altura do lado de dentro e de fora dos fossos. Imagina-se que havia muralhas de toras de madeira nesses fossos, a exemplo do que já se verificou no Xingu, embora ainda não haja evidências diretas disso. Cerca de 30% dos sítios são de tamanho modesto, com diâmetro médio de 30 metros. Esses povoados pequenos se concentram na região entre os rios Juruena e Aripuanã.

Já mais para o leste, entre os rios Juruena e Teles Pires, há restos de aldeias bem maiores, chegando a 400 m de diâmetro. Nesses casos, além da presença dos fossos defensivos, as casas propriamente ditas às vezes ficavam dispostas em cima de plataformas artificiais de terra, chamadas de “mounds” em inglês. Em um dos casos, havia um círculo de 11 “mounds”, ao qual se conectava uma estrada medindo ao menos 1,5 km, com “acostamento” de terra.

Os arqueólogos propõem que essas grandes aldeias serviam como centros rituais para vários grupos da região, a exemplo do que acontecia no Xingu — é possível, aliás, que os principais grupos étnicos da área também fossem do grupo linguístico aruaque, como muitos dos xinguanos.

O estudo está na revista científica de acesso gratuito Nature Communications. Ele também é assinado por pesquisadores da Universidade Federal do Pará, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, responsável pelas imagens de satélite) e da Universidade do Estado de Mato Grosso (campus de Nova Xavantina).

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