Gênese de cobras e lagartos: entrevista na íntegra

Reinaldo José Lopes

Nesse feriadão publicamos aqui na Folha minha reportagem sobre o simpático Megachirella wachtleri, pequeno réptil italiano que parece ser o vovô de todos os lagartos, serpentes e anfisbenas (cobras-de-duas-cabeças) de hoje, tendo vivido há 240 milhões de anos. A pesquisa foi coordenada por um jovem e produtivo paleontólogo brasileiro, o Tiago Simões. Apresento aqui a íntegra de minha entrevista com ele sobre o tema. Espero que gostem!

Quais as características do fóssil estudado por vocês que demonstram sua posição evolutiva de mais antigo dos lagartos?

Tiago Simões – O Megachirella preserva traços que são únicos para os lagartos, como a forma da clavícula (com uma curvatura secundária) e a configuração do pulso (onde um dos ossos do pulso se funde ao primeiro metacarpal, osso da mão). No entanto, o Megachirella ainda mantém traços comuns à maioria dos répteis, mas que se perdem em famílias modernas de Squamata (escamados), como a presença de costelas na barriga (chamadas de gastralia).

Por que a tomografia computadorizada foi importante para revelar traços do fóssil antes desconhecidos?

O espécime de Megachirella foi preservado de forma que somente a parte dorsal do corpo estivesse exposta, com toda a parte ventral do corpo embutida na matriz rochosa. A tomografia computadorizada nos permitiu ver pela primeira vez como era a anatomia da parte ventral do espécime. Isso expôs vários novos detalhes anatômicos, incluindo dados anatômicos que foram essenciais para reconhecer essa espécie como um lagarto (como a forma da clavícula mencionada acima).

O trabalho de vocês revelou que existe um buraco de 70 milhões de anos entre essa espécie e os demais membros do grupo Squamata achados depois. Por que esse abismo?

Pequenos vertebrados, como lagartos e cobras, são mais difíceis de serem preservados como fósseis do que grandes vertebrados, como, por exemplo, dinossauros ou crocodilos. Portanto, há um viés de preservação contra a fossilização de lagartos e cobras. Além disso, há muito menos pesquisadores trabalhando em Squamata fósseis em comparação com o número de pesquisadores que estudam outros organismos fósseis, como dinossauros ou mamíferos fósseis. Então, também pode haver um viés de pesquisa. Também podem haver lagartos fósseis não reconhecidos em coleções de museus em todo o mundo que ninguém notou até agora.

Vocês estimam que os lagartos na verdade teriam surgido ainda antes do fóssil em questão, no fim do período Permiano, quando houve a maior extinção em massa de todos os tempos. Por serem bichos pequenos e generalistas, isso pode tê-los ajudado a sobreviver à hecatombe?

Exatamente! A extinção em massa do Permiano-Triássico dizimou várias espécies de animais que viviam na terra e nos mares. Os novos nichos que se tornaram disponíveis permitiram a radiação das poucas linhagens que sobreviveram à extinção em massa. Essas linhagens incluem membros iniciais dos Squamata, primeiros arcossauros [grupo dos jacarés e dinossauros], répteis marinhos primitivos etc. Embora os arcossauros e alguns répteis marinhos tenham atingido tamanhos corpóreos grandes durante o Mesozoico [Era dos Dinossauros], a maioria das linhagens de répteis primitivos (incluindo os ancestrais dos arcossauros) tinham tamanhos corpóreos pequenos no Paleozoico. Essa menor massa corporal e dieta insetívora (os insetos estão sempre por perto para servirem de comida) poderiam ter favorecido os primeiros répteis a sobreviverem à extinção PT, da mesma forma que pequenos mamíferos e aves sobreviveram à extinção do K-Pg [a do fim da Era dos Dinossauros, há 65 milhões de anos].

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