Desburocratização da pesquisa sobre biodiversidade avança, dizem pesquisadoras
Pesquisadores que trabalham com pesquisa básica em biodiversidade no Brasil estão em polvorosa com novas regras que estão para entrar em vigor sobre a coleta e cadastro de amostras de espécies brasileiras. Eles alegam que o novo sistema criará muita burocracia e dificultará a colaboração internacional, como conto em reportagem publicada há algum tempo nesta Folha. Pesquisadoras ligadas à SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) que participam da regulamentação das novas normas me procuraram, via assessoria de imprensa, para destacar o que consideram melhoras significativas nos problemas apontados pelos cientistas que entrevistei. Publico, portanto, o texto assinado por elas, e vamos em frente com o debate.
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Atendendo a demandas da comunidade científica, o plenário do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), presidido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), aprovou entre março e junho de 2018 uma série de medidas que simplificam o cumprimento da Lei de Acesso à Biodiversidade e Conhecimentos Tradicionais (Lei 13.123/2015) e o preenchimento do cadastro no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen) para pesquisas em Biodiversidade.
As medidas foram encaminhadas pela Câmara Setorial da Academia do CGen, composta por cientistas que fazem a interface entre a academia e o Conselho.
No total, sete resoluções e uma orientação técnica foram elaboradas em consonância com as sugestões e contribuições vindas da comunidade científica. O objetivo é mitigar o impacto causado em algumas áreas de pesquisa que foram abarcadas pela Lei e em um primeiro momento não foram contempladas de forma adequada no SisGen.
Uma dessas resoluções (Nº 10 de 19 de junho de 2018) permite aos pesquisadores das áreas de Filogenia, Taxonomia, Sistemática, Ecologia, Biogeografia e Epidemiologia, fazer o cadastro de suas pesquisas por meio de um formulário simplificado, que estará disponível na próxima versão do SisGen. Esse novo formulário dá ao pesquisador a opção de indicar os números de registro, indicadores únicos ou do localizador padrão de recursos (URL) ou equivalentes em que estejam registradas estas informações nos bancos de dados, repositórios ou sistemas de informação de acesso aberto ao Estado brasileiro. Ou seja, por exemplo, ao invés de incluir no SisGen as informações sobre cada um dos exemplares estudados e sobre a procedência deles, o pesquisador poderá indicar apenas o localizador padrão de recursos (URL) do banco de dados, no qual estas informações estão disponíveis.
Outras resoluções também simplificam o preenchimento do SisGen. Como a que estabelece o nível taxonômico mínimo exigido para a identificação de cada grupo de organismos da biodiversidade nos casos de pesquisas em taxonomia e filogenia (Resolução CGen Nº 6 de 20 de março de 2018), em: I – Domínio (Archaea, Bacteria e Eukarya), no caso de bactérias, fungos microscópicos, e demais micro-organismos, com exceção de vírus; II – Classe, no caso de algas macroscópicas; III – Ordem, no caso de fungos macroscópicos e animais; e IV – Família, no caso de vírus e plantas. Ou seja, o pesquisador que estuda fungos macroscópicos ou insetos poderá indicar apenas a ordem destes organismos, sem precisar indicar as espécies de cada amostra estudada. Isso dá ao pesquisador a oportunidade de fazer apenas um registro para uma determinada ordem no lugar de 1000 registros de diferentes exemplares da mesma ordem.
Ainda sobre o nível taxonômico mínimo exigido para a identificação do patrimônio genético, o pesquisador de qualquer área, inclusive envolvido com desenvolvimento tecnológico, estudando micro-organismos não isolados de amostras de substratos, por exemplo, por meio de metagenômica (técnica que permite estudar os genomas de micro-organismos de um nicho ecológico sem necessidade de fazer culturas individuais), poderá indicar o Domínio como nível taxonômico (Resolução CGen Nº 8 de 20 de março de 2018). Com isso, o pesquisador precisará fazer, no máximo, três registros: para Archaea, Bacteria e Eukarya.
Outra demanda contemplada é a resolução que simplifica a exigência de indicação da localização geográfica (Resolução CGen Nº 7 de 20 de março de 2018). Nos casos em que o acesso seja exclusivamente para fins de pesquisa e quando é necessário o registro de mais de cem localidades diferentes, a indicação do munícipio onde foi obtido o patrimônio genético é a informação mínima exigida.
Mudanças importantes também foram aprovadas para remessa de patrimônio genético. Foi aprovado novo modelo de Termo de Transferência de Material (TTM). Agora, por meio dessa resolução (Resolução CGen Nº 5 de 20 de março de 2018), a instituição brasileira poderá firmar um único TTM com uma mesma instituição estrangeira, com prazo de validade de até 10 anos, e renováveis. Ou seja, a cada remessa o pesquisador fará o cadastro no SisGen, anexará o TTM único com a instituição estrangeira e uma guia de remessa numerada de forma sequencial, com descrição das amostras a serem remetidas. As remessas das amostras do patrimônio genético serão acompanhadas pelo comprovante de cadastro de remessa (que deve ser realizado previamente à remessa), pela cópia do TTM assinado e pela guia de remessa. Nesse modelo de TTM foi ainda retirada a exigência de incluir informações pessoais do representante legal da instituição destinatária.
Quanto ao trânsito de patrimônio genético brasileiro, uma resolução aprovada em 19 de junho (Resolução CGen Nº 11 de 19 de junho de 2018) estabelece que a devolução de amostras de patrimônio genético brasileiro emprestadas às instituições nacionais por instituições estrangeiras mantenedoras de coleção biológica, uma atividade rotineira e muito particular a estas coleções, não configura remessa. Nestes casos, as amostras deverão estar acompanhadas de cópia dos TTMs, ou das Guias de Remessa, ou, ainda, de outros documentos legalmente constituídos à época que formalizaram o empréstimo, e que contenham a identificação das amostras.
Conforme a orientação técnica aprovada (Orientação Técnica CGenNº 3 de 19 de junho), a data da disponibilização do cadastro pelo CGen será a data de disponibilização de versão do SisGen que contenha estas funcionalidades. Sendo assim, as pesquisas que estão no escopo das Resoluções Nº 6, 7, 8, e 10, terão um ano após a disponibilização da nova versão do SisGen para serem cadastradas.
É importante ressaltar que essas recentes simplificações só foram possíveis porque contamos com a colaboração dos cientistas e suas representações, que levaram suas dificuldades e propuseram caminhos nas discussões sobre a implementação da nova Lei da Biodiversidade.
As atividades da Câmara Setorial da Academia podem ser acompanhadas por meio das memórias de reuniões, propostas de minutas de resoluções e orientações técnicas e links/documentos importantes para a academia, na página da CSAcademia.
As normas do CGen estão disponíveis neste link. As resoluções Nº. 10 e 11 e a Orientação técnica Nº. 3 de 19 de junho de 2018 serão publicadas em breve.
Autoras:
Manuela da Silva, pesquisadora da Fiocruz/Rio de Janeiro e coordenadora da Câmara Setorial da Academia do CGen
Laila S Espindola, professora da Universidade de Brasília, conselheira da SBPC e conselheira do CGen
Mercedes Bustamante, professora do Departamento de Ecologia da Universidade Brasília, representante da SBPC no CGEN
Luciane Marinoni, professora Titular na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro da Câmara Setorial da Academia do CGen