Não fazer nada é o melhor que podemos fazer sobre o nosso futuro?
Um texto assinado pelo paleontólogo Max Langer, da USP de Ribeirão Preto, e publicado nesta Folha, deu o que falar. Langer basicamente relativiza a importância da atual crise global de extinções de espécies. Esse será o tema da minha coluna de domingo no jornal impresso e digital, mas gostaria de compartilhar abaixo com vocês um texto de dois outros pesquisadores da USP, Alex Hubbe e Olívia Mendonça-Furtado, que também faz interessantes e importantes críticas às ideias de Langer. Confiram o que a dupla escreveu.
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Não fazer nada é o melhor que podemos fazer sobre o nosso futuro? Reflexões sobre o texto do paleontólogo Max Langer
Max Langer, em texto publicado na Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 28 de julho, propõe que, apesar de sermos grandes responsáveis pela atual crise de biodiversidade, não devemos fazer nada para remediá-la. A lógica por trás da ideia é simples: a vida na Terra muda muito ao longo do tempo e não cabe a uma espécie ordinária (mas prepotente) como a nossa, frear essa trajetória natural. Nós discordamos veementemente desse ponto de vista.
Como bem salientado por Langer, não somos nem melhores, nem piores que as outras espécies — somos parte integral da natureza. Dado que fazemos parte da natureza, é importante entendermos um aspecto fundamental de seu funcionamento que não foi abordado por Langer. Todas as espécies no planeta dependem de outras espécies. Nós precisamos de animais, plantas e outras formas de vida para vivermos. A floresta amazônica, por exemplo, tem papel fundamental na manutenção do clima da América do Sul e de certa forma da Terra como um todo. Ela provê boa parte das águas das chuvas que mantém funcional a área que concentra o maior PIB e densidade populacional da América do Sul. Mais um exemplo, os insetos, que nas grandes cidades associamos geralmente a mazelas como a Zika e a dengue, são importantes para que as plantas frutifiquem. O trabalho gratuito que eles realizam para nós é degustável em praticamente todas as nossas refeições.
Um balanço delicado controla a teia de relações da natureza. Ao rompermos tão fina teia, nos jogamos com velocidade máxima em território sombrio, pouco conhecido. Mas uma questão é bastante clara e (novamente) não foi abordada por Langer: as mudanças que estamos promovendo no planeta implicarão em sofrimento e mortes de seres humanos. Esse processo potencialmente envolverá dor e sofrimento para você, ou mais provavelmente para seus filho(a)s e neto(a)s. Em última instância nossas ações no planeta podem nos levar a um declínio populacional sem precedentes e eventualmente à extinção. A Terra e as espécies que nela permanecerem não farão luto por nossa partida. Nossa extinção é um problema primordialmente nosso e somos a única espécie capaz de fazer algo contra seu próprio fim. Aqui cabe uma reflexão. Como apresentado por Langer, cianobactérias e florestas do passado causaram grandes extinções. Estas extinções também baniram do planeta várias espécies de cianobactérias e plantas daquelas florestas. Será que se elas soubessem que suas ações as levariam à morte, elas não tentariam fazer nada para reverter o processo?
Ambientalistas, professores, políticos, cientistas e cidadãos buscam alertar sobre esses problemas e propor soluções a eles. Muitos pagam a defesa dos interesses de todos com a própria vida. Ao invés de silenciarmos estas vozes, deveríamos engrossar o coro. Críticas evidentemente são sempre bem vindas. Elas são essenciais no processo de construção do nosso conhecimento. No entanto, as críticas devem ser pertinentes e colocadas de forma que não abranja só uma parte da história e/ou argumentos falaciosos.
A lógica utilizada por Langer pode ter desdobramentos mais complexos. Nas entrelinhas toda ação humana seria justificável por ser parte da natureza. Se tudo é natural, não deveríamos seguir quaisquer convenções sociais. Sigamos a “lei da selva”. Que vençam os mais fortes — ou tecnicamente falando os de maior aptidão. Na selva, quando um leão toma o posto de outro, mata todos os filhotes que lá já estavam. Na selva, o chimpanzé mais forte manda nos demais e os mais fracos só comem após o déspota ter se fartado. Além disso se a melhor postura é não fazer nada pois toda espécie tem um fim, o que dizer dos indivíduos? Sabemos que a vida de todo indivíduo chega ao fim. É razoável frente a esse fato abdicar do tratamento de doentes, por exemplo?
Não, não acreditamos que é esse tipo de lei que queremos seguir. As sociedades lutaram e lutam muito para que essas atitudes sejam consideradas crime. Aos poucos estamos nos conscientizando do nosso papel na crise da biodiversidade. Se existe criatividade e engenhosidade suficientes na humanidade para vivermos de forma mais harmônica com as outras formas de vida e entre nós mesmos, por que não fazê-lo?
É fato que nossa hora chegará. Haverá um dia em que a humanidade não mais andará sobre esse planeta. Que não seja em breve. Que não seja por conta de nossas ações. Ou pela falta delas.
Alex Hubbe é doutor em ciências pela Universidade de São Paulo,
professor adjunto de paleontologia no Departamento de Oceanografia da Universidade Federal da Bahia.
Olívia Mendonça-Furtado é doutora em ciências pela Universidade de São Paulo, pós doutoranda no Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo.