Paleontólogo rebate críticas à sua visão sobre crise ambiental moderna

Reinaldo José Lopes

Como era de se esperar com um tema polêmico desses, a discussão está rendendo. Publiquei há alguns dias a crítica dos pesquisadores Alex Hubbe e Olívia Mendonça-Furtado a seu colega da USP, o paleontólogo Max Langer. O Max tem uma visão controversa — alguns diriam blasé ou mesmo irresponsável — sobre a atual crise de perda de biodiversidade. Ele acha que não nos cabe bancar a polícia ambiental do planeta. Agora, temos a primeira tréplica do Max a essas críticas. Eu também entrei no debate na minha coluna de domingo passado, e o Max também treplicou, em texto que publicarei aqui em breve.

Para entender o rolo:

Texto original de Max Langer: “Extinção de espécies por humanos é um processo natural, diz cientista”

A crítica dos meus pesquisadores: “Não fazer nada é o melhor que podemos fazer sobre o nosso futuro?

A minha crítica na coluna passada: “Homem não pode ignorar efeitos das transformações que causa no planeta”

Sem mais delongas, vamos à tréplica número 1 do Max.

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“Segue aqui tréplica aos comentários de Alex Hubbe e Olívia Mendonça-Furtado:

Primeiramente, ao contrário do que afirmam os colegas não falei em meu artigo na Ilustríssima que “apesar de sermos grandes responsáveis pela atual crise de biodiversidade, não devemos fazer nada para remediá-la”.

Sim, concordei que somos responsáveis pela extinção de muitas espécies. Não, não falei que existe “crise de biodiversidade” (falei que extinções são normais, portanto nada de “crise”; aumento, para certos grupos, sim), muito menos que “não devemos fazer nada para remediá-la”. Ao contrário dos conservacionistas que critico, não estou aqui ditando regras. Cada um faz o que bem entender, arcando com as consequências legais ou não. Se você quer impedir a extinção de espécie A ou B, proteger ecossistema X ou Y, tem todo direito de fazer isso. Somente não acho que exista um imperativo moral absoluto nisso, que seja algo que “tenha” de ser feito.

Seguem outros pontos comentados:

“Todas as espécies no planeta dependem de outras espécies.” Óbvio, não de todas, mas de algumas.
“Nós precisamos de animais, plantas e outras formas de vida para vivermos.” Sim, inclusive de soja, vaca, milho, galinha.
“A floresta amazônica, por exemplo, tem papel fundamental na manutenção do clima da América do Sul e de certa forma da Terra como um todo.” Muito provavelmente sim, não tenho dados para discordar, mas isso só indica que ela deve ser preservada por questões pragmáticas (de sobrevivência de uma ou mais espécies, a nossa inclusive) não como bem em si, esse último (preservação como valor em si) sendo o argumento que eu critico. O mesmo vale para os insetos como foi comentado na sequencia pelos autores.

“Um balanço delicado controla a teia de relações da natureza. Ao rompermos tão fina teia, nos jogamos com velocidade máxima em território sombrio, pouco conhecido.” Não sabemos o quão delicado, nem se há mesmo um “balanço”. Extinções, por definição, mudam as interações ecológicas. Óbvio, mas muitas espécies se extinguiram no passado recente (Mastodontes, Preguiças-Gigantes, entre outras) e tudo continua praticamente igual aos nosso olhos. Não rompemos nada, pois fazemos parte da teia. Quanto a ser “pouco conhecido”, concordo, o futuro é incerto…

“Uma questão é bastante clara e (novamente) não foi abordada por Langer: as mudanças que estamos promovendo no planeta implicarão em sofrimento e mortes de seres humanos.” Concordo, não abordei pois a temática não era essa. Sim, ao perceber que nossas ações podem levar ao sofrimento de nossos pares, podemos (talvez devamos, sob certas óticas) tentar mitiga-lo. Mas, de novo, essas são razões pragmáticas, não de cunho fundamental. Podemos estender esse argumento a qualquer outra espécie. Podemos optar por não causar sofrimento aos outros grandes macacos, aos demais primatas, mamíferos, vertebrados. Onde parar? Novamente, é uma escolha, cada um pode fazer a sua, não existe imperativo absoluto.

“A Terra e as espécies que nela permanecerem não farão luto por nossa partida.” Concordo, e por que nós DEVEMOS então estar em luto pelas demais? Veja bem, cada um pode, mas por que devemos?

“Somos a única espécie capaz de fazer algo contra seu próprio fim”. Essa é a retórica do homem como diferente dos demais organismos, pura arrogância nossa. Não, não acho que possamos fazer nada, pois o que quer que façamos não faz diferença no cômputo geral das coisas.

“Cianobactérias e florestas do passado causaram grandes extinções. Estas extinções também baniram do planeta várias espécies de cianobactérias e plantas daquelas florestas. Será que se elas soubessem que suas ações as levariam à morte, elas não tentariam fazer nada para reverter o processo?” Primeiramente, quais cianobactérias e quais plantas? Dois grupos bastante diversos, no mínimo equivalentes a Vertebrata. É falacioso comparar humanos (uma espécie vivente) com plantas e cianobactérias (milhares de espécies viventes).

“Críticas evidentemente são sempre bem vindas. Elas são essenciais no processo de construção do nosso conhecimento. No entanto, as críticas devem ser pertinentes e colocadas de forma que não abranja só uma parte da história e/ou argumentos falaciosos.” Isso é uma ofensa direta e não argumentada.

“A lógica utilizada por Langer pode ter desdobramentos mais complexos. Nas entrelinhas toda ação humana seria justificável por ser parte da natureza. Se tudo é natural, não deveríamos seguir quaisquer convenções sociais.” Essas dependem da hora e do local. Hoje comer carne de vaca é aceito socialmente, é possível que no futuro não seja. Normalmente seguimos as convenções atuais de onde vivemos, o que não as torna valores absolutos.

“Na selva, o chimpanzé mais forte manda nos demais e os mais fracos só comem após o déspota ter se fartado.” Como na maioria das sociedades humanas, por sinal. Pessoalmente, acho isso desprezível, mas não há como julgar a natureza que nos perfaz.

“Sabemos que a vida de todo indivíduo chega ao fim. É razoável frente a esse fato abdicar do tratamento de doentes, por exemplo?” Muitas sociedades tradicionais o fazem. Não estou concordando ou não, somente dizendo que isso é/foi socialmente aceito.

“Não, não acreditamos que é esse tipo de lei que queremos seguir. As sociedades lutaram e lutam muito para que essas atitudes sejam consideradas crime.” Não estou pregando atitudes ilegais. Quem comete crime ambiental deve pagar por isso. Mas porque está cometendo um crime (ação que a sociedade, através de seus governantes, julgou inadequada), não um mal em si.

“Se existe criatividade e engenhosidade suficientes na humanidade para vivermos de forma mais harmônica com as outras formas de vida e entre nós mesmos, por que não fazê-lo?” A minha opinião é que estamos vivendo em harmonia com a natureza. Na verdade essa frase não tem sentido, pois não temos opção. Como parte da natureza, estamos condenados a viver em harmonia com ela.”

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